sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Transição revela temas sensíveis na aliança que apoia Dilma



Os fatos da semana ligados à transição de governo sintetizaram os temas mais sensíveis, com potencial de provocar polarizações no início do mandato da presidente eleita, Dilma Rousseff.

Por José Reinaldo Carvalho*

O PMDB, que nunca escondeu seu voraz apetite em relação à Esplanada dos Ministérios e acentua cada vez mais seu perfil liberal-conservador, num lance de audácia, em que desafia as demais forças políticas e tenta promover o isolamento do PT na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, anunciou a criação de uma espécie de centrão, sob sua liderança, integrado por cinco partidos menores, todos de centro direita e mais afeitos à política clientelista do que aos embates programáticos.

A reação negativa que despertou, inclusive com ácidas críticas por parte do presidente Lula, fez com que o presidente da sigla e vice-presidente da República, Michel Temer, se empenhasse numa operação panos quentes, com negaças e desmentidos.

Mas as peças estão no tabuleiro e, embora seja inócuo falar em racha, porque a presença no governo será uma liga de rejunte da ampla base, tornaram-se explícitas as diferenciações e ambições, sendo inegável que o governo da presidente Dilma será marcado por essa disputa.

É um dado da realidade que a esquerda certamente tomará em consideração, passando a ser obrigatório, para além das tratativas sobre a composição dos ministérios, o debate tático, estratégico e programático, a fim de firmar posições nítidas no esforço de dar rumo ao governo. O que se discutia lá atrás, quando a candidatura Dilma estava sendo costurada, sobre a necessidade de formar um núcleo de esquerda na aliança, tornou-se um imperativo antes mesmo da constituição do governo.

Com sua proverbial intuição política e a experiência que adquiriu, Lula percebeu a manobra e deu sinais de que compreende a que pode levar esse esforço do PMDB para agigantar sua influência. Nesta quinta-feira (18), anunciou que após o término do seu mandato se dedicará a fortalecer e unir a esquerda. Não foram formuladas ainda propostas concretas, mas o modelo da “frente ampla” é algo estudado e cogitado pelo presidente.

Aqui aparece outro tema, tão complexo e de tamanha magnitude quanto o enfrentamento ao PMDB e seu centrão. Trata-se de saber o que a esquerda quer e por que rumos se baterá ao integrar o governo.

Na mesma semana em que o PMDB anunciou o seu centrão, partiram das hostes petistas e governistas propostas que não somente contrariam a orientação geral progressista do programa com que a presidente Dilma foi eleita, como retoma o que há de pior das concepções que Antônio Palocci tentou impor ao governo Lula quando foi ministro da Fazenda.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo (PT), lançou um balão de ensaio com viés fiscalista e anti-social, apelidado de “desoneração da folha de pagamentos”, que outra coisa não é senão uma ameaça de corte de direitos trabalhistas que provocou uma dura reação nos meios sindicais.

Para o presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Wagner Gomes, trata-se de uma pauta "requentada", que as centrais já combateram uma vez e combaterão de novo, se for necessário. O presidente da CTB explica que os impostos e contribuições que recaem sobre a força de trabalho são para financiar o seguro-desemprego, a Previdência e outros benefícios. Wagner Gomes defende que "desonerar folha de pagamento significa cortar recursos para essas finalidades, é menos dinheiro para as áreas sociais. Evidentemente somos contra, não podemos ter outra posição".

Este e outros temas ligados à linha econômica e social do governo que será empossado em 1º de janeiro ganham relevo ainda maior, quando vistos nos marcos das decisões políticas sobre a constituição da equipe econômica, tida como “núcleo duro”, em particular a nomeação do presidente do Banco Central. O noticiário desta sexta-feira (19) dá conta de que, convidado a permanecer no cargo pela presidente eleita, o atual presidente do BC, Henrique Meirelles, condicionou a aceitação à obtenção de maior autonomia. Mais, ministro? Volta, então, ao centro dos debates a famigerada tese da autonomia do Banco Central, repudiada por toda a esquerda e pelo movimento sindical e popular no início do primeiro mandato do presidente Lula.

No fundo está o debate se o Brasil vai ou não reformular a política macroeconômica e orientar-se no sentido de um ciclo virtuoso de crescimento e desenvolvimento econômico e social, assegurando ao mesmo tempo plena soberania das decisões econômicas e financeiras, sem a interferência dos escusos interesses do capital financeiro internacional e seus organismos supranacionais.

Enquanto isso, a presidente eleita dá sinais consistentes de que acentuará ainda mais a inclinação social do governo, reafirmando o compromisso com a erradicação da miséria no país. E começa a demonstrar sua capacidade de diálogo e articulação política, agendando reuniões com todos os partidos da sua base de sustentação e levando adiante os entendimentos para a formação de uma equipe de governo que leve em conta a contribuição de todos os aliados.

A unidade ampla da base, a formação do núcleo de esquerda e a opção por um rumo claramente democrático, popular e nacional são os principais desafios do momento.

* José Reinaldo Carvalho é editor do Vermelho
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=141897&id_secao=1

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