quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A mídia não sabe o que fazer com o livro "A privataria tucana"



Um curioso espírito de ordem unida baixou sobre a Rede Globo, a Editora Abril, a Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e outros. Ninguém fura o bloqueio da mudez, numa sinistra brincadeira de “vaca amarela” entre senhores e senhoras respeitáveis. Como ficarão as listas dos mais vendidos, escancaradas por jornais e revistas? Ignorarão o fato de o livro ter esgotado 15 mil exemplares em 48 horas?

Por Gilberto Maringoni

(http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5354)

Há uma batata quente na agenda nacional. A mídia e o PSDB ainda não sabem o que fazer com A privataria tucana, de Amaury Ribeiro Jr. A cúpula do PT também ignora solenemente o assunto, assim como suas principais lideranças. O presidente da legenda, Rui Falcão, vai mais longe: abriu processo contra o autor da obra, por se sentir atingido em uma história na qual teria passado informações à revista Veja. O objetivo seria alimentar intrigas internas, durante a campanha presidencial de 2010. A frente mídia-PSDB-PT pareceria surreal meses atrás.

Três parlamentares petistas, no entanto, usaram a tribuna da Câmara, nesta segunda, para falar do livro. São eles Paulo Pimenta (RS), Claudio Puty (PA) e Amaury Teixeira (BA). O delegado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP) começa a colher assinaturas para a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os temas denunciados no livro. Já o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) indagou: "Nenhum jornalão comentou o procuradíssimo livro A privataria tucana. Reportagens sobre corrupção têm critérios seletivos?”

O silêncio dos coniventes

O silêncio maior, evidentemente, fica com os meios de comunicação. Desde o início da semana passada, quando a obra foi para as livrarias, um manto de silêncio se abateu sobre jornais, revistas e TVs, com a honrosa exceção de CartaCapital.

As grandes empresas de mídia adoram posar de campeãs da liberdade de expressão. Acusam seus adversários – aqueles que se batem por uma regulamentação da atividade de comunicação no Brasil – de desejarem a volta da censura ao Brasil.

O mutismo sobre o lançamento mais importante do ano deve ser chamado de que? De liberdade de decidir o que ocultar? De excesso de cuidado na edição?

Um curioso espírito de ordem unida baixou sobre a Rede Globo, a Editora Abril, a Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e outros. Ninguém fura o bloqueio da mudez, numa sinistra brincadeira de “vaca amarela” entre senhores e senhoras respeitáveis. Que acordo foi selado entre os grandes meios para que uma das grandes pautas do ano fosse um não tema, um não-fato, algo inexistente para grande parte do público?

Comissão da verdade

Privatização é um tema sensível em toda a América Latina. No Brasil, uma pesquisa de 2007, realizada pelo jornal O Estado de S. Paulo e pelo Instituto Ipsos detectou que 62% da população era contra a venda de patrimônio público. Nas eleições de 2006, o assunto foi decisivo para a vitória de Lula (PT) sobre Geraldo Alckmin (PSDB).

Que a imprensa discorde do conteúdo do livro, apesar da farta documentação, tudo bem. Mas a obra é, em si, um fato jornalístico. Revela as vísceras de um processo que está a merecer também uma comissão da verdade, para que o país tome ciência das reais motivações de um dos maiores processos de transferência patrimonial da História.

Como ficarão as listas dos mais vendidos, escancaradas por jornais e revistas? Ignorarão o fato de o livro ter esgotado 15 mil exemplares em 48 horas?

O expediente não é inédito. Há 12 anos, outra investigação sobre o mesmo tema – o clássico O Brasil privatizado, de Aloysio Biondi – alcançou a formidável marca de 170 mil exemplares vendidos. Nenhuma lista publicou o feito. O pretexto: foram vendas diretas, feitas por sindicatos e entidades populares, através de livreiros autônomos. O que valeria na contagem seriam livrarias comerciais.

E agora? A privataria tucana faz ótima carreira nas grandes livrarias e magazines virtuais.

Deu no New York Times

O cartunista Henfil (1944-1988) costumava dizer, nos anos 1970, que só se poderia ter certeza de algo que saísse no New York Times. Notícias sobre prisões, torturas, crise econômica no Brasil não eram estampadas pela mídia local, submetida a rígida censura. Mas dava no NYT. Aliás, esse era o título de seu único longa metragem, Tanga: deu no New York Times, de 1987. Era a história de um ditador caribenho que tomava conhecimento dos fatos do mundo através do único exemplar do jornal enviado ao seu país. As informações eram sonegadas ao restante da população.

Hoje quem sonega informação no Brasil é a própria grande mídia, numa espécie de censura privada. O título do filme do Henfil poderia ser atualizado para “Deu na internet”. As redes virtuais furaram um bloqueio que parecia inexpugnável. E deixam a mídia bem mal na foto...


Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

‘Governo brasileiro abriu mão do controle da política econômica do petróleo’

POR GABRIEL BRITO

No último dia 7 de novembro, o Brasil finalmente teve uma dura lição sobre as conseqüências da entrega da soberania nacional a empresas estrangeiras. Operadora do campo de Frade, na Bacia de Campos, a empresa anglo-americana Chevron causou o maior desastre ambiental da história do país ao permitir vazamento de óleo do poço que perfurava. Após primárias investigações, já se notou enorme negligência da empresa e uso de equipamentos ultrapassados e envelhecidos – além de fiscalização nula.

Ainda não se pode medir a proporção do desastre, mas sim a leniência do governo brasileiro, que, através do Ibama e ANP (a Agência Nacional do Petróleo, dominada pelo PC do B), anunciou multas irrisórias e pareceu mais trabalhar como advogado da empresa. Esta, por sua vez, repetiu sua conduta criminosa já vista em outros países e tratou o tempo todo de mentir e dissimular sobre o tamanho do vazamento. Para isso, contou com prestimosa ajuda da mídia, velha associada dos cartéis de petróleo, de modo que o desastre da BP no Golfo do México tomou conta dos nossos noticiários com muito mais força e rapidez do que o vazamento ocorrido em nosso próprio país...

Diante de tamanho quadro de confusão do público, o Correio da Cidadania entrevistou o economista e estudioso da área petrolífera Wladmir Coelho. Dono de blog que publica artigos sobre o assunto, Wladmir denuncia o caráter depredador e imediatista da exploração do ouro negro, dentro de um bizarro quadro de duas legislações para o setor: uma para o Pré-Sal, e outra para o petróleo que já se havia descoberto. A despeito da ninharia dos royalties, ambas as leis têm em comum o entreguismo e o objetivo de manter intactas as reservas e lucros de multinacionais cada vez mais desesperadas por novos pólos de exploração petrolífera.

Para se ter idéia da falta de qualquer caráter pró-pátria de nossos atuais dirigentes, o total de multas anunciado pelo Brasil mal atinge os 200 milhões de reais. Por desastre semelhante no Equador, o governo daquele país exige 18 bilhões de dólares! Aliás, vale a pena conferir a conduta da Chevron em alguns casos citados por Wladmir. “Má fé e Chevron, quando o assunto é tragédia ambiental, podem ser considerados sinônimos. O modelo de exploração do petróleo brasileiro, infelizmente, segue a nossa terrível tradição colonial”.

Ele lembra ainda de outro grande complicador para a difusão de um debate qualificado sobre nosso petróleo, conhecido por todos aqueles que lutam contra um governo magistral na arte de iludir o povo com ofensivas travestidas de redenção nacional: “A campanha publicitária em torno das potencialidades do pré-sal foi realizada a partir da idéia e necessidade de sua rápida exploração como forma de salvar o Brasil. Modificar este imaginário não será uma tarefa fácil”.

Correio da Cidadania: Em sua opinião, o que causou o vazamento de petróleo no campo de Frade, sob responsabilidade da multinacional Chevron?

Wladimir Coelho: A responsabilidade da Chevron está ligada à tradição dos oligopólios petrolíferos em disputar centímetro por centímetro as áreas com potencial produtivo em busca do lucro fácil e rápido.

Esta afirmativa pode soar repetitiva, afinal, sabemos todos que desde o início do século XX verifica-se uma evidente movimentação dos oligopólios no sentido de controlar o petróleo encontrado em terra, notadamente aquele existente na Ásia (Oriente Médio, Irã etc.), cuja exploração apresentava-se facilitada em função de sua abundância e baixo custo operacional, neste caso incluindo-se a subserviência dos governantes que lucravam e lucram entregando uma riqueza do povo às empresas petrolíferas.

Atualmente, estes campos antigos mostram sinais de esgotamento, tornando-se evidente a sombra da crise de abastecimento para os maiores consumidores. Restam, desta forma, as áreas preservadas ao longo dos anos localizadas nas profundezas marinhas ou no extremo norte do planeta atingido pelo aquecimento.

Brasil, México, Estados Unidos, Rússia, Noruega, Inglaterra apresentam áreas com potencial produtivo em locais de difícil acesso e se igualam no modelo exploratório quando o tema é irresponsabilidade quanto à segurança.

Para superar a queda na produção dos poços em terra, aceleram-se as licenças para a exploração nas profundidades oceânicas aplicando-se a máxima do fundamentalismo liberal de mínima regulação e crença na auto-fiscalização e gestão “responsável”. O resultado nós assistimos nos derramamentos do Mar do Norte, Golfo do México e agora no Brasil.

A crise geral do modelo regulatório financeiro repete-se nas tragédias ecológicas. Eficiência para a empresa não está associada à preservação da vida ou ganhos sociais. Eficiência para estes grupos significa lucro, pagamento de elevados benefícios aos executivos, dividendos aos acionistas, majoritariamente grandes bancos. E para este fim, o menor custo das operações torna-se a regra, mesmo que signifique a morte de operários em explosões de plataformas, poluição, prejuízos aos que vivem da pesca, turismo...

Correio da Cidadania: Como analisa a reação da empresa no primeiro momento e as informações que foram passadas ao governo e ao público? Fica evidente sua má-fé?

Wladimir Coelho: Má fé e Chevron, quando o assunto é tragédia ambiental, podem ser considerados sinônimos. Esta empresa apresenta-se envolvida em crimes terríveis contra populações inteiras, incluindo seu país de origem, os Estados Unidos.

No Equador, esta empresa envenenou a água da população amazônica derramando, conscientemente, refugo em rios. Ao ser denunciada, adulterou dados, subornou juízes e, quando condenada, falsificou uma limpeza. Até hoje a multa de U$18 bilhões não foi paga.

Na África, nos anos 90, promoveu um massacre contra camponeses nigerianos que “ousaram” protestar contra um derramamento de óleo que matou o gado, inutilizou a terra e envenenou a água. A Chevron contratou a polícia para matar os camponeses.

Em Angola, no ano de 2002, uma comissão concluiu que a causa de um grande vazamento foi decorrente da baixa qualidade dos canos usados para o transporte do óleo. A empresa foi multada e continua operando naquele país.

Nos Estados Unidos, os californianos exigem o pagamento de indenizações relativas à poluição de uma refinaria da empresa que opera desde o início do século XX, além de violação ao Clean Air Act.

Mentir e manter a mentira faz parte da estratégia da Chevron para manter os lucros, pouco importando os danos causados à vida e à natureza.

Correio da Cidadania: Diante de tamanho histórico, o que teria a dizer sobre a mídia, que levou cerca de uma semana para começar a noticiar seriamente este que já é um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil?

Wladimir Coelho: (Vício do historiador.) Durante anos, existiu no Brasil um noticiário, primeiro no rádio e depois na TV, intitulado Repórter Esso. Este programa ignorou toda a campanha ‘O petróleo é nosso!’ dos anos 50, caluniou os defensores da Petrobrás e ainda aparece em muitos manuais como exemplo de jornalismo.

O mineiro Arthur Bernardes, durante a campanha ‘O petróleo é nosso!’, levantou o problema da imprensa, ou grande imprensa, revelando a dependência desta das verbas publicitárias das companhias de petróleo.

O modelo Repórter Esso continua. O acidente aconteceu em um campo cuja operação de perfuração encontra-se sob responsabilidade da Chevron e os jornais ainda encontram meios de responsabilizar a Petrobras. Isso não é sério.

Limitam-se, os noticiários, ao fato do derramamento sem questionar o modelo de exploração que originou a prática predatória e ainda transmitem a idéia da simples “evaporação” do óleo, desconsiderando-se os prejuízos posteriores, além da idéia da multa como forma de punição.

Correio da Cidadania: E a reação do governo brasileiro? O que pensa das primeiras respostas dadas por seus representantes e as multas até agora anunciadas? Como avalia a atuação da ANP e do Ibama na questão até aqui?

Wladimir Coelho: O governo brasileiro, ao impor, seguindo a vontade dos oligopólios, a nova legislação petrolífera – temos duas e, neste caso, refiro-me à legislação do chamado Pré-Sal –, abriu mão do controle da política econômica do petróleo.

O modelo de regulação, simbolizado nesta representante dos oligopólios chamada ANP, torna o Estado fraco diante do poder econômico das petrolíferas. A resposta ideal do governo seria a imediata intervenção no atual modelo de exploração predatória, voltado à criação de meios rápidos para a exportação do petróleo e ignorando as normas básicas de segurança.

Entretanto, desde os anos 90, o Brasil abriu mão de sua soberania energética, submetendo-se aos ditames do fundamentalismo neoliberal. Acabar com o modelo de exploração predatória significa considerar a possibilidade de instituir o monopólio através de uma empresa nacional com responsabilidade de garantir a segurança energética nacional. Aliás, esta empresa existe desde 1953...

Fora desta fórmula, vamos continuar assistindo ao festival pirotécnico destas agências que seguem o mesmo modelo de suas similares mundo afora. Quanto à multa, a declaração de um executivo da Chevron a Reuters resume tudo: “A multa é pequena em relação ao valor de mercado da Chevron”. Em tempo: a multa foi estipulada em U$ 28 milhões, enquanto a empresa é avaliada em U$ 187 bilhões. Tem razão o executivo.

Correio da Cidadania: Acredita que o acidente possa ensejar discussões mais sérias acerca das leis de exploração do petróleo, tanto sobre os leilões já em andamento como do Pré-Sal ainda a ser explorado? Ou veremos meras cortinas de fumaça que em nada mudarão a lógica da exploração desse mineral?

Wladimir Coelho: Sem dúvida o momento possibilita o início da discussão do modelo de exploração. Todavia, sabemos dos limites oferecidos à análise do tema tendo em vista o poder econômico dos oligopólios.

A campanha publicitária em torno das potencialidades do Pré-Sal foi realizada a partir da idéia e necessidade de sua rápida exploração como forma de salvar o Brasil. Modificar este imaginário não será uma tarefa fácil. Entretanto, as forças identificadas com a defesa dos interesses nacionais deveriam aumentar as suas mobilizações neste momento, dissipando, pra usar o termo da pergunta, a cortina de fumaça dos Royalties como principal vantagem do Pré-Sal.

Correio da Cidadania: Mas o senhor não acredita que o governo brasileiro pode aproveitar esse enorme fiasco de uma multinacional estrangeira para levar adiante projetos que visem uma maior fatia da receita petrolífera para nosso país, sofrendo menos com o lobby escuso em favor de tais multinacionais? Ou o entreguismo continuará se disfarçando em medidas paliativas e discussões sobre as migalhas dos royalties, tal como se vê nos últimos tempos?

Wladimir Coelho: Nos Estados Unidos todas as limitações criadas para impedir a exploração de risco no mar ou no Alasca estão caindo. Enquanto o governo brasileiro sequer insinuou utilizar os termos da moratória da exploração do Pré-Sal, nos EUA isso chegou a acontecer no Golfo e no Alasca, para rever os métodos de extração, fiscalização e segurança aplicados.

Além disso, a exploração predatória do Pré-Sal assume hoje um papel pouco debatido diante da crise financeira mundial. Trata-se da destinação dos eventuais recursos decorrentes da exploração, pagos ao Estado, à formação de um fundo para compra de títulos (públicos e privados), contribuindo deste modo para a retirada de circulação dos famosos ativos tóxicos encalhados nos cofres dos banqueiros.

O modelo de exploração do petróleo brasileiro, infelizmente, segue a nossa terrível tradição colonial.

Correio da Cidadania: Em sua opinião, que modelo o Brasil deveria aplicar na exploração do petróleo do Pré-Sal?

Wladimir Coelho: Defendo o modelo que busca a auto-suficiência, cuja implantação iniciou-se em 1953 e nunca chegou a sua efetividade. Para este fim torna-se necessário o controle do petróleo em sua condição de bem mineral e econômico. Controlar o petróleo é controlar a base da produção.

Vejamos: o governo anuncia – como forma de superar a crise financeira internacional – a necessidade de fortalecimento do mercado interno. Todavia, para gerar esta riqueza nacional, sabemos todos, torna-se necessária uma política econômica que assegure o abastecimento de matéria prima e combustível. O petróleo é a base desta política.

Os meios para garantir tal segurança na produção não estão na existência de uma agência reguladora destinada à distribuição de áreas produtivas entre os oligopólios, mas no fortalecimento de uma empresa nacional comprometida com o projeto de desenvolvimento.

Acredito que o fortalecimento da Petrobras, retomando o papel de executora da política econômica do petróleo, torna-se necessário diante das evidentes intenções coloniais presentes na forma regulatória implantada no Brasil.

Gabriel Brito é jornalista.

Afinal, quem é nosso inimigo?

ESCRITO POR WLADIMIR POMAR

Tenho um medo que me pela da geração que se acha treinada em ler nas entrelinhas e pensa poder decifrar as intenções dos discursos oficiais. O mesmo em relação à geração de nacionalistas, como muitos dos militares do regime ditatorial, que confundiram os inimigos e tudo fizeram para destruir justamente aqueles que lutavam por um Brasil independente e soberano.

Percebo um crescente número de nacionalistas desse tipo preocupados com a ausência de compras chinesas de produtos industriais brasileiros. Eles acusam a China de ter transformado o Brasil em simples exportador de alimentos e matérias-primas. Eles também reclamam que, em passado recente, exportamos geradores para Três Gargantas, e agora estamos importando geradores da China. Afirmam que, ingenuamente, aceitamos instalar uma filial da Embraer na China, mas que os chineses clonaram o avião brasileiro e hoje competem com ele no mercado mundial.

Supondo que tudo isso seja verdadeiro, o que nos impediu de ser mais rápidos do que os chineses, industrializando o Brasil e elevando a competitividade de nossos produtos? Afinal, até os anos 1970, a indústria brasileira era mais adiantada e competitiva do que a chinesa, e de lá para cá, se tornou muito mais atrasada e menos competitiva. Culpa da China, ou das classes dominantes brasileiras e de seu espírito de colonizado?

O pior é que esses nacionalistas, numa leitura simplista, consideram que a China está em situação pior que o Brasil, não no passado, mas atualmente. Por que? Porque, segundo eles, mais de 80% da população brasileira está em áreas urbanas, 50% em metropolitanas, e nem chegamos aos 200 milhões de habitantes, enquanto menos de 50% da população chinesa, de 1,36 bilhão de habitantes, estariam nas áreas urbanas.

Conclusão: a renda rural média chinesa, sendo um terço da renda urbana média, tornaria inexorável a transferência de mais de 400 milhões de pessoas para as cidades chinesas, nos próximos 20 anos. Em conseqüência, a "favelização" das áreas urbanas se tornaria insuportável, tornando impensável o futuro demográfico chinês.

Essa análise é típica de quem não conhece a China, nem distingue a diferença entre os conceitos chinês e brasileiro de área urbana e área rural. No Brasil, vilas de 1500 habitantes são consideradas urbanas.

Na China, só são classificadas como urbanas aglomerações acima de 100 mil habitantes. Se considerarmos que povoados na China podem ter mais de 50 mil habitantes, enquanto aldeias podem chegar até esse número, é preciso ter cuidado para não falar bobagens a respeito.

Se tomarmos a população chinesa pelo conceito brasileiro de área urbana, incluindo aí as aglomerações acima de 20 mil habitantes, talvez a China seja mais urbanizada do que o Brasil. Mesmo porque, ao contrário do Brasil, a industrialização chinesa foi realizada com acentuada dispersão e, desde os anos 1960, incluiu aquilo que mais tarde foi chamado de indústrias de cantões e povoados, ou indústrias rurais.

Ou seja, a China criou e desenvolveu diferentes tipos de indústrias nessas áreas, que hoje envolvem mais de 22 milhões de unidades e 140 milhões de trabalhadores. Em outras palavras, a China vem, há muito, criando condições para evitar a favelização de suas cidades. O que não significa que ela não tenha problemas de desequilíbrios regionais, tanto econômicos, quanto de renda.

Resolver problemas herdados do passado feudal e semicolonial, numa população de mais de um bilhão de pessoas, não é missão que possa ser completada em 60 anos. As políticas de filho único, que não estão sendo relaxadas, como pensam alguns desavisados; de proteção dos lençóis freáticos; de desenvolvimento científico da agricultura, para garantir a segurança alimentar; de reflorestamento e proteção ambiental; e várias outras, fazem parte de um conjunto de estratégias que permitiu à China não apenas desenvolver sua economia, mas também retirar da linha da pobreza e elevar ao nível de classe média, nos últimos 30 anos, mais de 800 milhões de pessoas.

O mesmo tipo de bobagem que deveria ser evitado é comparar, num critério linear, os salários no Brasil e na China. Afirmar que o salário médio brasileiro é muito baixo, o que é verdade, mas que um brasileiro pobre ganha 12 vezes mais que o chinês pobre, significa desconhecer a diferença entre salário nominal e salário real, e as diferenças de poder de compra entre ambos. Os salários nominais chineses são baixos em relação aos padrões internacionais, mas seu poder de compra interno é elevado. Cem dólares na China compram muito mais produtos do que no Brasil.

Apesar desses deslizes na apreciação da situação interna da China, porém, o que mais espanta na análise de vários de nossos nacionalistas é sua visão de não diferir um til sequer do discurso norte-americano e europeu sobre o que chamam de projeto geopolítico e a geoeconômico chinês. Tal projeto estaria transformando a África, a Ásia e a América Latina em simples fornecedores de alimentos e matérias-primas. Em busca de minério de ferro e petróleo, a China teria “ocupado” economicamente o Gabão e Angola, e se expandido pelo extremo sul da América Latina, ameaçando transformar o Mercosul em pura retórica.

A China estaria, assim, repetindo a estratégia do capitalismo do final do século 19: tornar a periferia mundial em fonte de matérias-primas e alimentos. Sua proposta seria neocolonizadora, um risco de "conto do vigário". Os que se contrapõem a essa visão sobre a China seriam vendilhões da pátria, dispostos a entregar energia e alimentos para o neo-sonho imperial chinês. Em resumo, a China amarela passou a ser o inimigo principal para esses nacionalistas.

Isso embora todas as evidências apontem que são os Estados Unidos o pólo do sistema capitalista mundial e o inimigo principal de todos os povos. Embora sua hegemonia pareça estar em declínio, é o império norte-americano que ameaça todos os demais países com guerras. As classes dominantes da Big Apple supõem que as guerras podem não só manter sua economia em funcionamento, como evitar o colapso da indústria bélica e de sua cadeia produtiva, reduzir o número de desempregados e sustar a bancarrota de estados americanos, cuja receita depende da produção de armas.

São os Estados Unidos, chafurdados em dívidas, que dependem, para sua sobrevivência, das riquezas dos países mais pobres. Para sustentar suas políticas e práticas de déficits fiscais, insuficiência de recursos para infra-estrutura, saúde e programas sociais, e para a manutenção de sua máquina militar espalhada pelo mundo, o império norte-americano ingressou no mesmo tipo de política que levou o Império Romano a espalhar conflitos por toda a Europa e Oriente Médio, culpando os bárbaros da época por seu declínio.

É pena que alguns nacionalistas brasileiros não enxerguem essa realidade e tentem tirar o império norte-americano de foco, elevando os bárbaros amarelos a inimigos principais.

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

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