quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Um retrato honesto da experiência venezuelana

Por Igor Fuser (*)


Na lista dos demônios da mídia empresarial, o posto número 1 pertence, disparado, a Hugo Chávez, com sua boina vermelha e língua ferina. Raramente se passa um dia sem que alguma publicação da chamada “grande imprensa” despeje regulares doses de veneno contra o presidente venezuelano, apresentado como louco, fanfarrão, ditador ou incompetente. Essa cantilena se mantém há mais dez anos. Para ser exato, desde o início de 1999, quando o antigo coronel iniciou, após sua chegada ao governo, a transformação de um dos países de estrutura social mais iníqua no planeta – mais de 50% dos habitantes na miséria, em contraste com os lucros nababescos das exportações de petróleo – em uma referência mundial para todos os que cultivam os valores da justiça e da igualdade.

O livro de Gilberto Maringoni (A Revolução Venezuelana, Editora Unesp, 2009) merece ser saudado com um antídoto perfeito contra a manipulação informativa que, na imprensa brasileira, atingiu as raias de uma lavagem cerebral. Jornalista e historiador, Maringoni fala de um tema que conhece em primeira mão. Viajou várias vezes à Venezuela e lá entrevistou quase todos os nomes que valiam a pena no tumultuado enredo político local – dos caciques da oposição conservadora, como Teodoro Petkoff, às figuras mais graduadas do regime esquerdista, entre as quais o próprio Chávez, além das mais variadas fontes na esfera acadêmica.

Com dados confiáveis em mãos, o autor desvenda o enigma oculto sob a campanha midiática anti-chavista: como é possível que um caudilho supostamente tão desastrado mantenha altíssimos índices de apoio popular durante tanto tempo? É errado reduzir, como insistem os detratores da experiência venezuelana, o prestígio de Chávez à bonança petroleira da última década. O Venezuela já viveu outros períodos de alta dos preços do petróleo, sem que a população tivesse tido acesso a mais do que umas magras migalhas do banquete. A marca da gestão chavista é algo que as primeiras gestões municipais petistas defendiam no Brasil e que, lamentavelmente, diluiu-se no lodaçal dos compromissos com as classes dominantes: a inversão das prioridades em favor das multidões oprimidas, ainda que ao preço do confronto aberto contra as elites privilegiadas.

Na Venezuela, os gastos sociais aumentaram de 8,2% do PIB, em 1998, para 13,6% em 2006. Os índices de pobreza caíram de 55,1% para 27,5%. O salário mínimo se elevou numa escala sem precedentes em qualquer outro país do chamado Terceiro Mundo e milhões de venezuelanos passaram a ter acesso a uma infinidade de benesses antes inalcançáveis – desde serviços essenciais, como assistência médica e dentária, aos ícones do consumo descartável, como telefones celulares. Nesse cenário em que a mudança passa do plano da retórica para a existência cotidiana, torna-se fácil entender porque Chávez foi vitorioso em todas as freqüentes consultas eleitorais que promoveu, com apenas uma exceção.

O grande mérito de Maringoni é que ele não se limita a salientar as conquistas do processo político venezuelano, mas também aponta, sem medo de entrar em polêmica com os defensores mais entusiastas do chavismo, os limites do festejado “socialismo do século XXI”. Concretamente: após dez anos de “revolução bolivariana”, o velho modelo de desenvolvimento dependente latino-americano, erigido com base na exportação de produtos primários (no caso, o petróleo), permanece inalterado. Os ganhos desse modelo, é verdade, passaram a beneficiar, pela primeira vez, a maioria da população, sobretudo depois que Chávez retirou a estatal Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA) das mãos da camarilha que a controlava, enquadrando a empresa sob o controle público. Mas o caminho ainda está no seu início: “O Estado continua ineficiente, lerdo, corrupto e avesso às interferências populares”, escreve o autor.

Mesmo que seja prematuro falar em uma verdadeira revolução na Venezuela, é inegável que o governo de Chávez mudou a face política daquela sociedade e, em certa medida, de toda a América do Sul. A influência venezuelana se faz presente em todo um conjunto de países onde, pela primeira vez, o poder de Estado passa a ser exercido em benefício das maiorias. Como afirma Maringoni, referindo-se à época de ofensiva conservadora mundial pós-1989: “A Venezuela é, com todos os problemas, o país onde mais se avançou, nesse período, na contestação ao neoliberalismo e no questionamento do poder global dos Estados Unidos.” Aí reside a explicação para o ódio que Chávez desperta entre os donos da mídia brasileira e internacional. Ele é, de fato, um sapo difícil de engolir.

(*) Igor Fuser é jornalista, professor na Faculdade Cásper Líbero, mestre em Relações Internacionais e doutorando em Ciência Política na Universidade de São Paulo.


Ficha técnica do livro:


Título: A Revolução Venezuelana

Autor: Gilberto Maringoni

Número de páginas: 200

Formato: 10,5 x 19 cm

Preço: R$ 20

ISBN: 978-85-7139-904-4

Coleção: Revoluções do Século 20

Resumo: O livro analisa conquistas e limites do processo político venezuelano. Em "A Revolução Venezuelana", Gilberto Maringoni desvenda o enigma oculto sob a campanha midiática anti-chavista: como é possível que um caudilho supostamente tão desastrado mantenha altíssimos índices de apoio popular durante tanto tempo? Para o autor, é errado reduzir, como insistem os detratores da experiência venezuelana, o prestígio de Chávez à bonança petroleira da última década.

Uma tradição de tortura

Por Noam Chomsky

Os memorandos de tortura liberados semana passada pela Casa Branca provocaram choque, indignação e surpresa. O choque e a indignação são compreensíveis — em especial o Relatório do Comitê de Serviço das Forças Armadas do Senado sobre Tratamento de Presos, que recém deixou de ser secreto.

No verão de 2002, como o relatório revela, interrogadores em Guantânamo encontravam-se sob pressão crescente a partir da cadeia de comando para estabelecer uma ligação entre o Iraque e a Al-Qaeda. O afogamento simulado, entre outras formas de tortura, finalmente produziram a “prova” de um preso que foi utilizada para ajudar a justificar a invasão Bush-Cheney do Iraque no ano seguinte.

Mas por que a surpresa quanto aos memorandos de tortura? Mesmo sem inquérito, era razoável supor que Guantânamo fosse uma câmara de tortura. Por que mais enviar prisioneiros onde eles estariam além do alcance da lei – casualmente, um lugar que Washington está utilizando em violação de um tratado que foi forçado sobre Cuba sob a mira de uma arma? O raciocínio de segurança é difícil de ser levado a sério.

Uma razão mais ampla para porque deveria haver pouca surpresa é que a tortura é uma prática rotineira desde o princípio da conquista do território nacional até agora, enquanto as empreitadas imperiais do “império nascente” – como George Washington chamava a nova República – estendiam-se para as Filipinas, Haiti e outros lugares.

Além disto, a tortura foi o menor de muitos crimes de agressão, terror, subversão e estrangulação econômica que obscureceram a história dos Estados Unidos, tanto quanto fizeram por outras grandes potências. As revelações atuais sobre tortura mais uma vez destacam o conflito entre “o que defendemos” e “o que fazemos”.

A reação foi veemente, mas de forma que levanta algumas questões. Por exemplo, o colunista do New York Times, Paul Krugman, um dos críticos mais eloquentes e francos da malevolência de Bush, escreve que costumávamos ser “uma nação de ideais morais”, e que nunca antes de Bush “nossos líderes traíram tão completamente tudo que defendemos”.

Para dizer o mínimo, aquele ponto de vista comum é uma versão particularmente distorcida da história. É um artigo de fé, quase uma parte da crença nacional, que os Estados Unidos são, de maneira justa, diferente de outras grandes potências, do passado e do presente – o conceito do que é chamado de “excepcionalidade americana”.

Uma correção parcial pode ser a história recém-publicada do jornalista britânico Godfrey Hodgson, The Myth of American Exceptionalism (O mito da excepcionalidade americana). Hodgson conclui que os Estados Unidos são “apenas um país grande, mas imperfeito, entre outros”.

O colunista do International Herald Tribune Roger Cohen, analisando o livro no The New York Times, concorda que a prova dá apoio ao julgamento de Hodgson, mas discorda dele em um ponto fundamental: Hodgson falha em entender que “a América nasceu como uma ideia e então deve carregar esta ideia adiante”.

A ideia é revelada pelo nascimento da América como uma “cidade em uma colina”, escreve Cohen, “uma noção inspiradora” que reside “no fundo da psique americana”. Em resumo, o erro de Hodgson é que ele está limitando-se às “distorções da ideia americana nas décadas recentes”. Vamos nos voltar então para a “ideia” de América.

A frase inspiradora “cidade em uma colina” foi cunhada por John Winthrop em 1630, tomando-a emprestada do Novo Testamento e delineando o futuro glorioso de uma nova nação “reunida por Deus”.

Um ano antes, a Colônia da Baía de Massachusetts estabeleceu o seu Grande Selo. Ele retrata um índio com um pergaminho saindo de sua boca. Nele estão as palavras, “Venham e nos ajudem”.Os colonos britânicos eram, assim, humanistas benevolentes, respondendo aos apelos dos pobres nativos para serem resgatados do seu amargo destino pagão.

Esta proclamação primitiva de “intervenção humanitária”, para utilizar o termo popular atual, saiu-se muito parecida com suas sucessoras, carregando horrores no seu caminho.

Às vezes, há inovações. Durante os últimos 60 anos, vítimas no mundo todo suportam o que o historiador Alfred McCoy descreve como a “revolução na cruel ciência da dor” da CIA, no seu livro de 2006, chamado A Question of Torture: CIA Interrogation, from the Cold War to the War on Terror (Uma questão de tortura: os interrogatórios da CIA, da Guerra Fria até a Guerra ao Terror).

Com frequência, a tarefa da tortura é delegada a auxiliares. Mas o afogamento simulado é um dos métodos de décadas de idade que aparecem com poucas alterações em Guantânamo.

A cumplicidade com a tortura aparece com frequência na política externa dos Estados Unidos. Em um estudo de 1980, o cientista político Lars Schoultz descobriu que o auxílio dos Estados Unidos “tende a fluir desproporcionalmente para governos latino-americanos que torturam seus cidadãos, … para os violadores relativamente rudes dos direitos humanos fundamentais no hemisfério”.

O estudo de Schoultz e outros atingindo conclusões parecidas antecedem os anos de Reagan, quando não valia a pena estudar o tópico, pois as correlações estavam muito explícitas. E que a tendência continua até o presente, sem modificações significativas.

Não é pra menos que o presidente nos aconselha a olhar para frente, não para trás – uma doutrina conveniente para aqueles que seguram os cassetetes. Aqueles que apanham deles tendem a ver o mundo de forma diferente, para nosso aborrecimento.

Entre impérios, a “excepcionalidade” é provavelmente quase universal. A França aclamava sua “missão civilizadora”, enquanto o Ministro da Guerra francês pregava o “extermínio da população nativa” da Argélia.

A nobreza da Grã-Bretanha era uma “novidade no mundo”, declarou John Stuart Mill, enquanto recomendava que este poder angelical não se prolongasse mais em completar sua liberação da Índia. O ensaio clássico de Mill, A Few Words about Non-Intervention (Algumas palavras sobre não intervenção), foi escrito após a revelação pública das atrocidades horripilantes da Grã-Bretanha para conter a rebelião de 1857.

Estas ideias “excepcionalistas” não são apenas convenientes para poder e privilégios, mas são também perniciosas. Uma razão é que elas apagam crimes reais em andamento. O massacre de MY Lai durante a Guerra do Vietnã foi apenas uma nota de rodapé para as atrocidades muito maiores dos programas de pacificação pós-Tet. A invasão Watergate que derrubou um presidente dos Estados Unidos foi, sem dúvida, criminosa, mas o furor sobre ela desalojou crimes incomparavelmente piores em casa e no exterior – o bombardeio do Camboja, para mencionar apenas um exemplo terrível. Com bastante frequência, atrocidades seletivas têm esta função.

A amnésia histórica é um fenômeno muito perigoso, não apenas porque questiona a integridade moral e intelectual, mas também porque cria a base para crimes que se aproximam.


*Noam Chomsky é professor emérito de lingüística e filosofia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts em Cambridge, Massachusetts. Artigo distribuído pelo The New York Times Syndicate.

Estados Unidos fascistas: Já chegamos lá?

por Sara Robinson, no Blog For Our Future

Através da escuridão dos anos do governo Bush, os progressistas assistiram horrorizados ao sumiço das proteções constitucionais, à retórica nativista, ao uso do discurso de ódio transformado em intimidação e violência e a um presidente dos Estados Unidos que assumiu poderes só exigidos pelos piores ditadores da história. Com cada novo ultraje, o punhado de nós que tinha se tornado expert na cultura e na política da extrema-direita ouvia de novos leitores preocupados: Chegamos lá? Já nos tornamos um estado fascista? Quando vamos chegar lá?

E cada vez que essa pergunta era feita, gente como Chip Berlet e Dave Neiwert e Fred Clarkson e eu mesma olhava para o mapa como o pai que faz uma longa viagem e respondia com um sorriso confortador. "Bem... estamos numa estrada ruim, se não mudarmos de caminho poderíamos acabar lá em breve. Mas há muito tempo e oportunidades para voltar. Fique de olho, mas não se preocupe. Pode parecer ruim, mas não, ainda não chegamos lá".

Ao investigar a quilometragem nesse caminho para a perdição, muitos de nós nos baseávamos no trabalho do historiador Robert Paxton, que é provavelmente o estudioso mais importante na questão de como os países adotam o fascismo. Em um trabalho publicado em 1998 no Jornal da História Moderna, Paxton argumentou que a melhor forma de reconhecer a emergência de movimentos fascistas não é pela retórica, pela política ou pela estética. Em vez disso, ele afirmou, as democracias se tornam fascistas por um processo reconhecível, um grupo de cinco estágios que identificam toda a família de "fascismos" do século 20. De acordo com nossa leitura de Paxton, ainda não estávamos lá. Havia certos sinais -- um, em particular -- em que estávamos de olho, e ainda não o reconhecíamos.

E agora o reconhecemos. Na verdade, se você sabe o que procura, repentinamente vê isso em todo lugar. É estranho que eu não tenha ouvido a pergunta por um bom tempo; mas se você me fizer a pergunta hoje, eu diria que ainda não chegamos, mas que já entramos no estacionamento e estamos procurando uma vaga. De qualquer forma, o futuro fascista dos Estados Unidos aparece bem grande diante do vidro do automóvel -- e os que dão valor à democracia dos Estados Unidos precisam entender como chegamos aqui, o que está mudando e o que está em jogo no futuro próximo se permitirmos a essa gente vencer -- ou mesmo manter o território.

O que é fascismo?

A palavra tem sido usada por tanta gente, tão erroneamente, por tanto tempo que, como disse Paxton, "todo mundo é o fascista de alguém". Dado isso, sempre gosto de começar a conversa revisitando a definição essencial de Paxton:

"Fascismo é um sistema de autoridade política e ordem social que tem o objetivo de reforçar a unidade, a energia e a pureza de comunidades nas quais a democracia liberal é acusada de produzir divisão e declínio".

Em outro lugar, ele refina o termo como "uma forma de comportamento político marcado pela preocupação obsessiva com o declínio da comunidade, com a humilhação e a vitimização e pelo culto compensatório da unidade, energia e pureza, na qual um partido de massas de militantes nacionalistas, trabalhando em colaboração desconfortável mas efetiva com as elites tradicionais, abandona as liberdades democráticas e busca através de violência redentora e sem controles éticos ou legais objetivos de limpeza interna e expansão externa".

Não considerando Jonah Goldberg, é uma definição básica com a qual a maioria dos estudiosos concorda e é a que usarei como referência

Do proto-fascismo ao momento-chave

De acordo com Paxton, o fascismo surge em cinco estágios. Os dois primeiros estão solidamente atrás de nós -- e o terceiro deveria ser de particular interesse para os progressistas nesse momento.

No primeiro estágio, um movimento rural emerge em busca de algum tipo de renovação nacionalista (o que Roger Griffin chama de palingenesis, o renascimento das cinzas, como a de fênix). Eles se reúnem para restaurar uma ordem social rompida, como sempre usando temas como unidade, ordem e pureza. A razão é rejeitada em favor da emoção passional. A maneira como a história é contada muda de país para país; mas ela sempre tem raiz na restauração do orgulho nacional perdido pela ressureição dos mitos e valores tradicionais da cultura e na purificação da sociedade das influências tóxicas de estrangeiros e de intelectuais, aos quais cabe o papel de culpados pela miséria atual.

O fascismo somente cresce no solo revolto de uma democracia madura em crise. Paxton sugere que a Ku Klux Klan, que se formou em reação à Restauração pós-Guerra Civil, pode ser o primeiro movimento autenticamente fascista dos tempos modernos. Quase todo país da Europa teve um movimento proto-fascista nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial (quando o Klan experimentou um ressurgimento nos Estados Unidos), mas a maior parte deles empacou no primeiro estágio -- ou no próximo.

Como Rick Perlstein documentou em seus dois livros sobre Barry Goldwater e Richard Nixon, o conservadorismo moderno dos Estados Unidos foi construído sobre esses mesmos temas. Do "Despertar nos Estados Unidos" [tema de campanha de Ronald Reagan] aos grupos religiosos prontos para a Ruptura [os milenaristas], ao nacionalismo branco promovido pelo Partido Republicano através de grupos racistas de vários graus, é fácil identificar como o proto-fascismo americano ofereceu a redenção dos turbulentos anos 60 ao promover a restauração da inocência dos Estados Unidos tradicionais, brancos, cristãos e patriarcais.

Essa visão foi abraçada tão completamente que todo o Partido Republicano agora se define nessa linha. Nesse estágio, é abertamente racista, sexista, repressor, excludente e permanentemente viciado na política do medo e do ódio. Pior: não se envergonha disso. Não se desculpa para ninguém. Essas linhas se teceram em todo movimento fascista da História.

Em um segundo estágio, os movimentos fascistas ganham raízes, se tornam partidos políticos reais e ganham um lugar na mesa do poder.

Interessantemente, em todo caso citado por Paxton a base política veio do mundo rural, das partes menos educadas do país; e quase todos chegaram ao poder se oferecendo especificamente como esquadrões informais organizados para intimidar pequenos proprietários em nome dos latifundiários.

A KKK lutava contra os pequenos agricultores negros [do sul dos Estados Unidos] e se organizou como o braço armado de Jim Crow. Os "squadristi" italianos e os camisas-marrom da Alemanha reprimiam greves rurais. E nos dias de hoje os grupos anti-imigração apoiados pelo Partido Republicano tornam a vida dos trabalhadores rurais hispânicos nos Estados Unidos um inferno. Enquanto a violência contra hispânicos aumenta (cidadãos americanos ou não), os esquadrões da direita estão obtendo treinamento básico que, se o padrão se confirmar, poderão eventualmente usar para nos intimidar.

Paxton escreveu que o sucesso no segundo estágio "depende de certas condições relativamente precisas: a fraqueza do estado liberal, cujas inadequações condenam a nação à desordem, declínio ou humilhação; e a falta de consenso político, quando a direita, herdeira do poder mas incapaz de usá-lo sozinha, se nega a aceitar a esquerda como parceira legítima".

Paxton notou que Hitler e Mussolini assumiram o poder sob essas mesmas circunstâncias: "Paralisia do governo constitucional (produzida em parte pela polarização promovida pelos fascistas); líderes conservadores que se sentiram ameaçados pela perda de capacidade para manter a população sob controle num momento de mobilização popular maciça; o avanço da esquerda; e líderes conservadores que se negaram a trabalhar com a esquerda e que se sentiram incapazes de continuar no governo contra a esquerda sem um reforço de seus poderes".

E, mais perigosamente: "A variável mais importante é aceitação, pela elite conservadora, de trabalhar com os fascistas (com uma flexibilidade recríproca dos líderes fascistas) e a profundidade da crise que os induz a cooperar".

Essa descrição parece muito com a situação difícil em que os congressistas republicanos estão nesse momento. Apesar do partido ter sido humilhado, rejeitado e reduzido a um status terminal por uma série de catástrofes nacionais, a maior parte produzida pelo próprio partido, sua liderança não pode nem imaginar governar cooperativamente com os democratas em ascensão. Sem rotas legítimas para voltar ao poder, sua última esperança é investir no que restou de sua "base dura", dando a ela uma legitimidade que não tem, recrutá-la como tropa de choque e derrubar a democracia americana pela força. Se eles não podem vencer eleições, estão dispostos a levar a disputa política para as ruas e assumir o poder intimidando os americanos a se manterem silenciosos e cúmplices.

Quanto esta aliança "não santa" é feita, o terceiro estágio -- a transição para um governo abertamente fascista -- começa.

O terceiro estágio: chegando lá

Durante os anos do governo Bush, os analistas progressistas da direita se negaram a chamar o que viam de "fascismo" porque, apesar de estarmos de olho, nunca vimos sinais claros e deliberados de uma parceria institucional comprometida entre as elites conservadoras dos Estados Unidos e a horda nacional de camisas-marrom. Vimos sinais de flertes breves -- algumas alianças políticas, apoio financeiro, palavras-de-ordem doidas da direita na boca de líderes conservadores tradicionais. Mas era tudo circunstancial e transitório. Os dois lados mantiveram uma distância discreta um do outro, pelo menos em público. O que acontecia por trás das portas, só dá para imaginar. Eles com certeza não agiam como um casal.

Agora, o jogo de advinhação acabou. Nós sabemos sem qualquer dúvida que o movimento do Teabag foi criado por grupos como o FreedomWorks do Dick Armey e o Americans for Prosperity do Tim Phillips, com ajuda maciça de mídia da Fox News [a TV de Rupert Murdoch, o magnata da mídia, é porta-voz da extrema-direita dos Estados Unidos].

Site da FreedomWorks

Site do Americans For Prosperity

[Nota do Viomundo: O movimento do Teabag foi um protesto em escala nacional, organizado pelos republicanos, com ampla cobertura da Fox, em que eleitores protestaram contra a cobrança de impostos e o tamanho do governo federal. Uma tentativa de trazer de volta a rebelião contra a cobrança de impostos que esteve na origem do movimento de independência dos Estados Unidos. Ver Boston Tea Party]

Vimos a questão dos birther [aqueles que acreditam que Barack Obama não nasceu nos Estados Unidos, mas no Quênia] -- o tipo de lenda urbana que nunca deveria ter saído da capa do [jornal sensacionalista] National Enquirer -- sendo ratificada por congressistas republicanos.

Vimos os manuais produzidos profissionalmente por Armey que instruem grupos de eleitores republicanos na arte de causar distúrbios no processo de governo democrático -- e as imagens de autoridades públicas aterrorizadas e ameaçadas a ponto de requererem guarda-costas armados para sair de prédios [os protestos aconteceram durante audiências públicas para debater o novo sistema de saúde].

Um dos protestos aparece aqui

Vimos o líder da minoria republicana John Boehner aplaudindo e promovendo um vídeo de manifestantes e esperando por "um longo e quente agosto para os democratas no Congresso".

Este é o sinal pelo qual estávamos esperando -- o que nos diria que sim, crianças, chegamos. As elites conservadoras dos Estados Unidos jogaram abertamente seu futuro com o das legiões de descontentes da extrema-direita. Elas deram apoio explícito e poder às legiões para que ajam como um braço político nas ruas americanas, apoiando ameaças físicas e a intimidação de trabalhadores, liberais e autoridades que se neguem a defender seus [das elites] interesses políticos e econômicos.

Este é o momento catalisador em que o fascismo honesto, de Hitler, começa. É nossa última chance de brecá-lo.

O ponto decisivo

De acordo com Paxton, esse momento da aliança do terceiro estágio é decisivo -- e o pior é que quando se chega a esse ponto, é provavelmente tarde para pará-lo. Daqui, há uma escalada, quando pequenos protestos se tornam espancamentos, mortes e a aplicação de rótulos em certos grupos para eliminação, tudo dirigido por pessoas no topo da estrutura de poder. Depois do Dia do Trabalho [Labor Day], quando senadores e deputados democratas voltarem a Washington, grupos organizados para intimidá-los vão permanecer na cidade e usar a mesma tática -- aumentada e aperfeiçoada a cada uso -- contra qualquer pessoa cuja cor, religião ou inclinação política eles não aceitem. Em alguns lugares, eles já estão tomando nota e preparando listas de nomes.

Qual é a linha do perigo? Paxton oferece três rápidas perguntas que nos ajudam a identificar:

1. Estão os neo ou proto-fascistas se tornando arraigados em partidos que representam grandes interesses e sentimentos e conseguem ampla influência na cena política?

2. O sistema econômico ou constitucional está congestionado, de forma aparentemente insuperável, pelas autoridades atuais?

3. A mobilização política rápida está ameaçando sair do controle das elites tradicionais, ao ponto que elas poderiam buscar ajuda para manter o controle?

Pela minha avaliação, a resposta é sim. Estamos muito perto. Muito perto.

O caminho adiante

A História nos diz que uma vez essa aliança [entre a elite e a tropa de choque] é formada, catalisada e tem sucesso em busca do poder, não há mais como pará-la. Como Dave Neiwert escreveu em seu livro recente, The Eliminationists, "se apenas podemos identificar o fascismo em sua forma madura -- os camisas-marrom com passos de ganso, o uso de táticas de intimidação e violência, os comícios de massa -- então será muito tarde para enfrentá-lo".

Paxton (que anteviu que "um autêntico fascismo popular nos Estados Unidos será crente e anti-negros") concorda que se uma aliança entre as corporações e os camisas-marrom tiver uma conquista -- como a nossa aliança tenta agora [barrando a reforma do sistema de saúde proposta por Barack Obama] -- pode rapidamente ascender ao poder e destruir os últimos vestígios de um governo democrático. Assim que ela conseguir algumas vitórias, o país estará condenado a fazer a feia viagem através dos dois últimos estágios, sem saída ou paradas entre agora e o fim.

O que nos espera? No estágio quatro, quando o dueto assumir o controle completo do país, lutas políticas vão emergir entre os crentes do partido dos camisas-marrom e as instituições da elite conservadora -- igreja, militares, profissionais e empresários. O caráter do regime será determinado por quem vencer a disputa. Se os membros do partido (que chegaram ao poder através da força bruta) vencerem, um estado policial autoritário seguirá. Se os conservadores conseguirem controlá-los, um teocracia tradicional, uma corporocracia ou um regime militar podem emergir com o tempo. Mas em nenhum caso o resultado lembrará a democracia que a aliança derrubou.

Paxton caracteriza o estágio cinco como "radicalização ou entropia". Radicalização é provável se o novo regime conseguir um grande vitória militar [Nota do Azenha: sobre a Venezuela, por exemplo], o que consolida seu poder e dá apetite para expansão e uma reengenharia social em grande escala (Veja a Alemanha). Na ausência do evento radicalizador, podemos ter a entropia, com a perda pelo estado de seus objetivos, o que degenera em incoerência política (Ver a Itália).

É fácil neste momento olhar para a confusão na direita e dizer que é puro teatro político do tipo mais absurdamente ridículo. Que é um show patético de marionetes. Que esse povo não pode ser levado a sério. Com certeza, eles estão com raiva -- mas eles são minoria, fora do poder e reduzida a ataques de nervos. Os crescidos devem se preocupar com eles tanto quanto se preocupam com uma menina de cinco anos, furiosa, que ameaça segurar a respiração até ficar azul.

Infelizmente, todo o barulho e as ameaças obscurecem o perigo. Essa gente é tão séria quanto uma multidão linchadora e eles já deram os primeiros passos para se tornar uma. Eles vão se sentir mais altos e mais orgulhosos agora que suas tentativas de desobediência civil estão contando com apoio integral das pessoas mais poderosas do país, que cinicamente os usam numa última tentativa de garantir suas posições de lucro e prestígio.

Chegamos. Estamos estacionados exatamente no lugar onde nossos melhores especialistas dizem que o fascismo nasce. Todos os dias que os conservadores no Congresso, os comentaristas de extrema-direita e seus barulhentos seguidores conseguem segurar nossa capacidade de governar o país, é mais um dia em que caminhamos em direção à linha final, da qual nenhum país, mostra a História, conseguiu retornar.

http://www.viomundo.com.br/minha-nova-york/sara-robinson-a-ascensao-do-fascismo-nos-estados-unidos/

A grande mídia contra Lula: o ponto de saturação

“Alojamento de Lula tem risoto, uísque e roda de viola até a madrugada.” Sob esse título auto-explicativo, a Folha [edição de 16-10] resumiu em uma retranca o espírito da cobertura oferecida aos seus leitores durante a viagem de três dias feita pelo Presidente Lula às obras de interligação de bacias do rio São Francisco, uma das mais importantes do seu governo.

Por Saul Leblon, na Carta Maior

O propósito de diminuir e tratar o assunto com escárnio e frivolidade se reafirmou em legendas de primeira página ao longo da visita. No dia 15-10, o jornal carimbava uma foto de Lula e da ministra Dilma Rousseff pescando no São Francisco, em Buritizeiro (MG), com a chamada: ‘Conversa de Pescadores’ . A associação entre a legenda e o discurso da oposição, para quem as obras são fictícias e a viagem, eleitoreira, sintetiza o engajamento de um jornalismo que já não se preocupa mais em simular isenção.

No dia 17, de novo na primeira página , o jornal estampa a foto do presidente atravessando o concreto ainda fresco sobre a legenda colegial: ‘A ponte do rio que caiu’. A imagem de Lula equilibrando-se em tábuas improvisadas inoculava no leitor a versão martelada em toda a cobertura: trata-se de uma construção improvisada, feita a toque de caixa, com objetivo apenas eleitoreiro.

É enfadonho dizê-lo, mas o próprio jornal se contradiz ao entrevistar Dom Luis Cappio, o bispo de Barra (BA), um crítico ferrenho da obra. Segundo afirmou o religioso ao jornal, “as obras avançam como um tsunami”. Sua crítica recai no que afirma ser a ‘marolinha’ das medidas – indispensáveis – de recuperação ambiental do rio. Diga-se a favor do governo que estas, naturalmente, serão de implementação mais lenta, na verdade talvez exijam um programa permanente.

Como o próprio bispo de Barra esclarece, não se trata apenas de promover o saneamento de esgotos e dejetos nas cidades ribeirinhas, como já vem sendo feito, ineditamente, talvez, na história dos rios brasileiros de abrangência interestadual. O resgate efeitvo do São Francisco passa também pela recuperação das matas ciliares, prevista nas obras, mas remete igualmente à recuperação de toda a ecologia à montante e para além dos beiradões, inclusive as veredas distantes onde estão nascentes, olhos d’água, lagoas de reprodução destruídos pela rapinagem madereira e carvoeira. Só quem acredita em milagres pode exigir, como faz Dom Cáppio, que um único governo reverta essa espiral de cinco séculos de omissão pública da parte, inclusive, daqueles que demagogicamente criticam as obras hoje como ‘uma ameaça ao velho Chico’.

O único acesso que a família Frias ofereceu aos leitores para que pudessem avaliar a verdadeira dimensão da obra ficou escondido na página interna da edição do dia 17, na belíssima foto que ilustra a página 12. Ali, um Lula solitário caminha por um gigantesco canal de concreto que rompe o horizonte até lamber o céu sertanejo. Há um simbolismo incontornável na imagem de um Presidente que se despede diluindo-se em uma obra gigantesca. Ela consagra seu retorno à terra de onde partiu como retirante e para onde voltou, presidente, levando água a quem não tem – compromissos mantidos, apesar de tudo.

A solenidade da foto contrasta com o tom de adolescência abusada da cobertura, o que impediria o jornal de utilizar a imagem na primeira página, embora do ponto de vista estético e jornalístico ela fosse muito superior à escolhida. Tanto que o editor da página 12 não se conteve e abriu cinco colunas para a fotografia.

Ataques ao governo Lula fazem parte da paisagem jornalística brasileira. Tornaram-se previsíveis como os acidentes geográficos; irremediáveis como o dia e a noite. Naturalizaram-se, a tal ponto que já se lê os jornais pulando essas ocorrências, como os olhos ignoram trechos vulgares de caminhos rotineiros.

O que mais espanta, porém – e a cobertura da viagem do São Francisco reforça esse desconcerto – não é a crítica , mas o tom desrespeitoso desse jornalismo. Nesse aspecto não houve rigorosamente qualquer evolução após seis anos em que todos os preconceitos contra Lula foram desmoralizados na prática. A retomada do crescimento com inflação baixa e maior equidade social, por exemplo, distingue seu governo positivamente da paz salazarista imposta pela ortodoxia tucana no segundo mandato de FHC. A popularidade internacional do chefe de Estado brasileiro constitui outro fato sem precedente, só suplantado, talvez, pela velocidade da recuperação da nossa economia em meio à maior crise do capitalismo desde 1930. Tudo desautoriza as previsões catastróficas das viúvas provincianas do tucano poliglota.

Mas se a realidade desmentiu o preconceito, em nenhum momento a mídia conservadora deu trégua a um indisfarçável desejo de vingança que pudesse comprovar a pertinência de uma rejeição de classe ao governo Lula . Com a aproximação das eleições de 2010, a ansiedade pelo fracasso recrudesceu. A tal ponto ela se tornou caricatural que já aparecem os primeiros sintomas de saturação.

Em artigo publicado no Estadão [19-10] o físico José Goldemberg, por exemplo, um quadro de extração tucana, saiu em defesa da construção de hidrelétricas pelo governo Lula, objeto de críticas estridentes de um jornalismo que prefere esquecer a origem do apagão em 2001/2002. Na área da saúde, o respeitado cardiologista Adib Jatene, que já foi secretário de Paulo Maluf mas supera qualquer viés político pela inegável competência científica e discernimento público, tem vindo a campo com frequência defender a necessidade de um novo imposto, capaz de mitigar o estrago causado à saúde pública pela revogação da CPF. Mais uma “obra coletiva” assinada pela mídia e a coalizão demotucana.

O economista Luiz Carlos Bresser Pereira, do staff serrista, foi outro a manifestar seu desagrado com o estado das coisas. Bresser, que já defendeu abertamente o projeto de Lula para o pré-sal, rechaçou a demonização do MST articulada pela mídia e ruralistas, por conta da derrubada de laranjeiras em terras públicas ocupadas pela Cutrale [artigo na Folha 19-10]. Pode ser apenas miragem do horário de verão, mas o que essas manifestações parecem indicar é uma rebelião da inteligência –ainda que avessa ao PT – contra a a idiotização da agenda nacional promovida pelo jornalismo demotucano.

A patogenia infelizmente não é privilégio brasileiro. Na Argentina, o cerco da grande imprensa ao governo Cristina Kirchner recorre a expedientes idênticos de mentiras, fogo e fel . Com Morales, na Bolívia, não tem sido diferente. Na Venezuela, há tempos, o aparato midiático tornou-se paradigma de um engajamento que atravessou o Rubicão do golpismo impresso para se incorporar fisicamente à quartelada que quase derrubou Chávez em 2002 . Enganam-se os que enxergam aí também a evidência de uma fragilidade congênita à democracia latinoamericana. Acima do Equador as coisas não vão melhores. O democrata Barack Obama é vítima de um cerco raivoso e racista de jornais e redes, como é o caso da Fox, do direitista Rupert Murdoch que detém também o Wall Street Journal.

A repetição e o alcance dos mesmos métodos e argumentos nas mais diferentes latitudes parece indicar que estamos diante de um fenômeno de recorte histórico mais geral. O fato é que o conservadorismo está acuado em diferentes fronteiras após o esfarelamento econômico e político do credo neoliberal. A falência dos mercados financeiros desregulados na maior crise do capitalismo desde 1930 já é reconhecida, à direita e à esquerda, como um novo divisor histórico.

Corroído em seus alicerces de legitimidade pela falência de empresas, famílias e bancos, ademais do recrudescimento do desemprego e da insegurança alimentar – inclusive nas sociedades mais ricas – o conservadorismo vê sua base social derreter. A radicalização do seu ‘braço midiático’ soa como uma tentativa derradeira de reverter o processo ainda nos marcos da democracia, desqualificando o adversário mais próximos formado por partidos e governos progressistas. A radicalização é proporcional à ausência de um projeto conservador alternativo a oferecer à sociedade.

Abre-se assim uma etapa de absoluta transparência, uma radicalização aberta; um embate bruto de forças em que a mídia dominante não tem mais espaço para esconder os interesses que representa. Tampouco parece ter pejo em descartar uma neutralidade – que, diga-se, a rigor nunca existiu – mas da qual sempre se avocou guardiã para descartar a democratização efetiva dos meios de comunicação. A isenção parece, enfim, não representar mais um valor passível sequer de ser simulado.

A diferença entre o que acontece no caso brasileiro e o resto do mundo é o grau de envolvimento do governo na reação em sentido contrário a essa ofensiva. A liberdade de informação e o contraditório aqui respiram cada vez mais por uma rede de blogs e sites de gradiente ideológico amplo, qualidade crescente e capacidade analítica incontestável. Mas ainda de alcance restrito. O protagonismo do governo e o dos partidos e sindicatos que poderiam ir além na abrangência de massa, é tíbio.

Na Venezuela não é assim. Na Bolívia – que acaba de criar um grande jornal diário de recorte progressista– não está sendo. Na Argentina onde foi votada uma lei de comunicação que desmonta a estrutura monopolista do conservadorismo midiático, caminha-se também sobre pernas da urgência. Acima da linha do Equador a contundência das respostas oficiais destoa igualmente do acanhamento brasileiro.

Na verdade, talvez a caracterização mais dura da decadência dos princípios liberais na mídia tenha partido justamente dos porta-vozes do governo Obama, Anita Dunn, Diretora de Comunicações do Presidente e David Axelrod,principal assessor de comunicação do democrata.

“A rede Fox está em guerra contra Barack Obama (…) não precisamos fingir que o modo como essa organização trabalha é jornalístico. Quando o presidente fala à Fox, já sabe que não falará à imprensa, propriamente dita. O presidente já sabe que estará debatendo com um partido da oposição”, resumiu recentemente a atilada Diretora de Comunicações da Casa Branca. Numa escalada de entrevistas e disparos cuidadosamente arquitetados, Dunn e Axelrod falaram alternadamente a diferentes segmentos midiáticos de todo o país. E o fizeram com o mesmo propósito de colocar o dedo numa ferida chamada Rupert Murdoch.

“Mr. Rupert Murdoch tem talento para fazer dinheiro, e eu entendo que sua programação é voltada a fazer dinheiro. Só o que argumentamos é que [seus veículos] não são um canal de notícias de verdade. Não só os âncoras, mas a programação toda. Não é notícia de verdade, mas é a pregação de um ponto de vista. E nós vamos tratá-los assim “, bateu Axelrod em seguida ao ataque de Anita Dunn.

O guarda-chuva dos ataques a Obama têm como alvo o projeto de reforma do sistema de saúde, que, entre outras medidas, quer colocar sob responsabilidade do Estado cerca de 50 milhões de norte-americanos hoje ao desabrigo de qualquer cobertura.

A defesa do livre mercado na saúde é só a ponta do iceberg do ataque midiático. Por trás desse biombo o que se move é uma engrenagem endogâmica em que se entrelaçam o fanatismo e o dinheiro da direita republicana, postados dentro e fora da mídia. Sua meta é clara: desconstruir e imobilizar o sucessor de George W. Bush.

Não há muita diferença entre o que se passa nos EUA e a divisão de trabalho observada no Brasil, onde as rádios chutam o governo Lula abaixo da linha da cintura; os jornalões desgastam e denunciam, enquanto a Globo faz a edição final no JN, transformando o boa noite diário da dupla Bonner & Fátima uma espécie de ‘meus pêsames, brasileiros pelo governo que escolheram; não repitam isso em 2010’.

No caso dos EUA, um país visceralmente conservador e racista, não há, a rigor, grande surpresa pelos ataques da Fox & Cia a um presidente negro e democrata. O que surpreende, de fato, é que Obama está reagindo. E o faz com um grau de contundência que, oxalá, sirva de inspiração para que um dia também possamos ouvir nos trópicos um porta-voz do presidente Lula dizer com igual limpidez e serenidade, sem raiva, mas pedagogicamente:

“A Folha está em guerra contra Lula(…) não precisamos fingir que o modo como essa organização trabalha é jornalístico. Quando o Presidente fala à Folha já sabe que não falará à imprensa, propriamente dita. O presidente já sabe que estará debatendo com um partido da oposição.”

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segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A recuperação econômica é uma ilusão

O Bank for International Settlements (BIS) adverte de crises futuras

por Andrew Gavin Marshall [*]

Guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força e dívida é recuperação

À luz das sempre presentes e obstinadamente persistentes manifestações do desejo de "um fim" para a recessão, de uma "solução" para a crise e de uma "recuperação" da economia, devemos recordar que aqueles que nos falam disso são exactamente as mesmas pessoas e instituições que nos disseram, nos últimos anos, que não havia "nada com que se preocupar", que "os fundamentos estão óptimos" e que "não havia perigo" de uma crise económica.

Por que continuamos a acreditar nas mesmas pessoas que estavam, tanto nas suas declarações como opções, absolutamente erradas? Em quem deveríamos acreditar e recorrer para informação e análise mais precisa? Talvez uma fonte útil fosse aqueles no epicentro da crise, no coração do mundo sombrio da banca central, no regulador bancário global e na "mais prestigiosa instituição financeira do mundo", a qual previu exactamente a crise: o Bank for International Settlements (BIS). Seria um bom lugar para começar.

A crise económica está muito longe de ultrapassada, as "soluções" têm sido semelhantes a colocar band-aids sobre um braço amputado. O Bank for International Settlements (BIS), o banco central dos bancos centrais do mundo, advertiu e continua a advertir contra tais esperanças deslocadas.

O que é o Bank for International Settlements (BIS)?

O BIS nasceu do Young Comittee estabelecido em 1929, o qual foi criado para manusear as liquidações dos pagamentos de reparações alemães estabelecidas no Tratado de Versalhes de 1919. O Comité era encabeçado por Owen D. Young, presidente e administrador executivo da General Electric, co-autor do Plano Dawes de 1924, membro do Board of Trustees da Fundação Rockefeller e vice-presidente do Banco da Reserva Federal de Nova York. Como principal delegado americano à conferência sobre as reparações alemãs, ele foi acompanhado também por J.P. Morgan, Jr. [1] O que resultou foi o Plano Young de pagamentos das reparações alemãs.

O Plano Young entrou em vigor em 1930, a seguir ao crash do mercado de acções. Parte do Plano implicava a criação de uma organização internacional de liquidação, a qual foi constituída em 1930 e passou a ser conhecida como Bank for International Settlements (BIS). O banco foi concebido aparentemente para facilitar e coordenar os pagamentos das reparações da Alemanha de Weimar às potências aliadas. Contudo, a sua função secundária, que é muito mais secreta e muito mais importante, era actuar como "um coordenador das operações de bancos centrais de todo o mundo". Descrito como "um banco para bancos centrais", o BIS "é uma instituição privada com accionistas mas faz operações para agências públicas. Tais operações são mantidas estritamente confidenciais de modo que o público habitualmente está inconsciente da maior parte das operações do BIS. [2]

O BIS foi fundado pelos "bancos centrais da Bélgica, França, Alemanha, Itália, Holanda, Japão e Reino Unido juntamente com três importantes bancos comerciais dos Estados Unidos, incluindo J.P. Morgan & Company, First National Bank of New York e First National Bank of Chicago. Cada banco central subscreveu 16 mil acções e os três bancos dos EUA também subscreveram este mesmo número de acções". Contudo, "Apenas bancos centrais têm poder de voto". [3]

Membros de bancos centrais têm reuniões bi-mensais no BIS onde discutem uma variedade de questões. Deveria observar-se que a maior parte "das transacções executadas pelo BIS em nome de bancos centrais exige o segredo absoluto" [4] , razão pela qual a maior parte das pessoas nem mesmo ouviu falar disso. O BIS pode proporcionar aos bancos centrais "confidencialidade e segredo o que é mais valioso do que um banco classificado com um triplo A". [5]

O BIS foi estabelecido "para remediar o declínio de Londres como o centro financeiro do mundo, proporcionando um mecanismo pelo qual um mundo com três centros financeiros principais, em Londres, Nova York e Paris, ainda pudesse operar como um único". [6] Como explicou Carroll Quigley:

As potências do capitalismo financeiro têm outro objectivo de longo alcance, nada menos do que criar um sistema mundial de controle financeiro em mãos privadas capaz de dominar o sistema político de cada país e a economia do mundo como um todo. Este sistema seria controlado de um modo feudal pelos bancos centrais do mundo, a actuarem em concertação, por acordos secretos obtidos em frequentes reuniões privadas e conferências. A cúspide do sistema deveria ser o Bank for International Settlements, na Basiléia, Suíça, um banco privado possuído e controlado pelos bancos centrais do mundo os quais eram eles próprios corporações privadas. [7]

O BIS é sem dúvida a mais importante, poderosa e secreta instituição financeira do mundo. As suas advertências não deveriam ser tomadas com ligeireza, pois é a única instituição do mundo que dispõe de tal informação – mais do que qualquer outra.

Crise de derivativos pela frente

Em Setembro de 2009 o BIS informou que "O mercado global para derivativos deu um salto para US$426 milhões de milhões (trillion) no segundo trimestre quando retornou o apetite pelo risco, mas o sistema permanece instável e tendente a crises". O relatório trimestral do BIS disse que os derivativos subiram 16% "devido principalmente a uma alta em futuros e contratos de opção sobre taxas de juros a três meses". O Economista Chefe do BIS advertiu que o mercado de derivativos apresenta "grandes riscos sistémicos" no sector das finanças internacionais e que "O perigo é que os reguladores fracassem outra vez em ver que grandes instituições assumiram muito mais exposição do que podem manusear em condições de choque". O economista acrescentou que "A utilização de derivativos pelos hedge funds e seus semelhantes pode criar grandes exposições ocultas". [8]

No dia seguinte após a publicação do relatório do BIS, o antigo Economista Chefe do BIS, William White, advertiu que "O mundo não cuidou dos problemas no cerne da baixa económica e é provável que deslize outra vez dentro da recessão" e novamente "advertiu que acções de governos para ajudar a economia no curto prazo podem estar a lançar as sementes para crises futuras". Ele foi citado como a advertir da entrada numa recessão de duplo mergulho: "Estaremos nós a ir para uma recessão [em forma] de W? Quase certamente. Estamos a ir para uma em L? Eu não ficaria nem ligeiramente surpreendido". E acrescentou: "A única coisa que realmente me surpreenderia seria uma recuperação rápida e sustentável da posição em que estamos".

Um artigo no Financial Times explicava que os comentários de White não devem ser tomados com ligeireza, pois além de encabeçar o departamento económico do BIS de 1995 a 2008 ele "reiteradamente advertiu de perigosos desequilíbrios no sistema financeiro global já em 2003 e – rompendo um grande tabu nos círculos da banca central naquele tempo – ele ousou desafiar Alan Greenspan, então presidente do Federal Reserve, sobre a sua persistente política de dinheiro barato".

O Financial Times continuava:

À escala mundial, bancos centrais bombearam milhões de milhões de dólares de dinheiro novo dentro do sistema financeiro ao longo dos últimos dois anos num esforço para impedir uma depressão. Enquanto isso, governos foram a extremos semelhantes, aceitando a responsabilidade de vastos montantes de dívida para impulsionar indústrias, desde a banca à fabricação de carros.

White advertiu que "Estas medidas podem estar já a inchar uma bolha em preços de activos, desde acções a commodities" e que "havia um pequeno risco de que inflação ficasse fora de controle no médio prazo". Num discurso pronunciado em Hong Kong, White explicou que "os problemas subjacentes na economia global, tais como desequilíbrios comerciais insustentáveis entre os EUA, a Europa e a Ásia, não foram resolvidos". [9]

Em 20 de Setembro de 2009, o Financial Times informou que o BIS, "a cabeça do corpo que supervisiona a regulação bancária global", durante a cimeira G20, "emitiu uma severa advertência de que o mundo não pode permitir-se escorregar para uma suposição 'complacente' de que o sector financeiro recuperou-se bem" e que "Jaime Caruana, administrador-geral do Bank for International Settlements e antigo governo do banco central da Espanha, afirmou que a recuperação do mercado não deveria ser mal interpretada". [10]

Isto se segue a advertências do BIS durante o Verão de 2009, respeitantes às falsas esperanças com os pacotes de estímulo organizados por vários governos de todo o mundo. No fim do Junho, o BIS advertiu que "pacotes de estímulo fiscal não podem proporcionar mais do que um impulso temporário ao crescimento e serem seguidos por um extenso período de estagnação económica".

Um artigo no Australian informava que "O único corpo internacional a prever correctamente a crise financeira ... advertiu que o maior risco é que governos possam ser forçados pelos investidores em títulos do mundo a abandonar os seus pacotes de estímulo e ao invés disso reduzir drasticamente despesas elevando ao mesmo tempo impostos e taxas de juros", pois o relatório anual do BIS "tem nos últimos três anos estado a advertir acerca dos perigos de uma repetição da depressão". Além disso, "O seu último relatório anual advertia que países como a Austrália enfrentavam a possibilidade de uma corrida contra a sua divisa, a qual forçaria as taxas de juro a elevarem-se". O BIS advertia que "um alívio temporário pode tornar mais difícil às autoridades adoptarem as acções que são necessárias, ainda que impopulares, para restaurar a saúde do sistema financeiro, e portanto pode acabar por prolongar o período de crescimento lento".

E acrescenta: "Ao mesmo tempo, as garantias do governo e o seguro de activo expuseram os contribuintes a perdas potencialmente grandes" e, explicando como pacotes fiscais apresentavam riscos significativos, dizia que "Há um perigo de que decisores fiscais venham a exaurir a sua capacidade de endividamento antes de finalizar a tarefa custosa de reparar o sistema financeiro" e que "Há a possibilidade definida de que programas de estímulo conduzam para cima taxas de juro e expectativas de inflação". A inflação "intensificar-se-ia quando o período de retracção diminuísse" e o BIS "exprimiu dúvida acerca do pacote de resgate bancário adoptado nos EUA" [11]

O BIS advertiu novamente quanto à inflação, dizendo que "A grande e justificável preocupação é que, antes que ela possa ser revertida, a dramática facilitação na política monetária traduzir-se-á no crescimento de amplos agregados monetários e de crédito". Isto "levará à inflação que alimenta expectativas de inflação ou pode servir de combustível para ainda outra bolha de preços de activos, lançando as sementes do ciclo de crescimento e queda seguinte". [12] Como o último relatório sobre a bolha de derivativos que está a ser criada, tornou-se penosamente claro que foi exactamente isto o que aconteceu: a criação de outra bolha de preço de activos. O problema com bolhas é que elas estouram.

O Financial Times informou que William White, ex-Economista Chefe do BIS, "argumentou que após dois anos de apoio governamental ao sistema financeiro, agora temos um conjunto de bancos que são ainda maiores e mais perigosos do que antes", o que também "foi argumentado por Simon Johnson, ex-economista chefe do Fundo Monetário Internacional", o qual "afirma que a indústria financeira capturou efectivamente o governo dos EUA" e declarou enfaticamente: "a recuperação fracassará a menos que rompamos a oligarquia financeira que está a bloquear a reforma essencial". [13] [Negrito acrescentado].

No princípio de Setembro de 2009, banqueiros centrais encontraram-se no BIS e foi informado que "haviam acordado num pacote de medidas para fortalecer a regulação e a supervisão da indústria bancária na esteira da crise financeira" e o chefe do Banco Central Europeu foi citado como tendo dito: "Os acordos alcançados hoje entre 27 dos principais países do mundo são essenciais pois eles estabelecem novos padrões para a regulação e supervisão bancária a nível global". [14]

Dentre as medidas acordadas, "os prestamistas deveriam elevar a qualidade do seu capital com a inclusão de mais stock" e "os bancos também terão de elevar o montante e a qualidade dos activos que mantêm em reserva e conter a alavancagem". Uma das decisões tomadas na conferência de Basiléia, a qual foi nomeada depois de o Comité da Basiléia sobre Supervisão Bancária, estabelecido sob o BIS, foi que "os bancos precisarão elevar a qualidade do seu assim chamado Nivel 1 (Tier 1) do capital de base, o qual mede a capacidade de um banco absorver perdas súbitas", significando que "A maioria de tais reservas deveria ser acções ordinárias e rendimentos retidos e os haveres serão plenamente revelados". [15]

Em meados de Setembro, o BIS afirmou que "Os bancos centrais devem coordenar a supervisão global das câmaras de compensação de derivativos e considerar oferecer-lhes acesso a fundos de emergência para limitar o risco sistémico". Por outras palavras, "Os reguladores estão a pressionar para que grande parte dos US$592 milhões de milhões (trillion) do mercado livre de derivativos seja movido para câmaras de compensação as quais actuam como o comprador para todo vendedor e como vendedor para todo comprador, reduzindo o risco de incumprimentos para o sistema financeiro". O relatório divulgado pelo BIS perguntava se câmaras de compensação "deveriam ter acesso a facilidades de crédito de bancos centrais e, em caso afirmativo, quando?" [16]

Uma crise que se aproxima

O mercado de derivativos representa uma ameaça maciça para a estabilidade da economia global. Contudo, é uma entre muitas ameaças, todas elas relacionadas e entrelaçadas; uma a actuar sobre a outra. O grande elefante na sala é a principal bolha financeira criada pelos pacote de salvamentos e "estímulos" pelo mundo todo. Este dinheiro foi utilizado pelos bancos principais para consolidar a economia; comprando bancos mais pequenos e absorvendo a economia real, a indústria produtiva. O dinheiro também foi para a especulação, alimentando a bolha de derivativos e levando a uma ascensão dos mercados de acções, uma ocorrência completamente ilusória e fabricada. Os salvamentos, com efeito, alimentaram a bolha dos derivativos elevando-a a novos níveis perigosos bem como incharam o mercado de acções para uma posição insustentável.

Contudo, uma ameaça maciça assoma devido aos salvamentos e aos chamados pacotes de "estímulo". A crise económica foi criada devido às baixas taxas de juro e ao dinheiro fácil: empréstimos de alto risco estavam a ser efectuados, dinheiro era investido em qualquer coisa e em tudo, o mercado habitacional inchado, o mercado do imobiliário comercial inchado, o comércio de derivativos ergueu-se para as centenas de milhões de milhões (trillions) por ano, a especulação corria desenfreada e dominava o sistema financeiro global. Os hedge funds foram os facilitadores receptivos do comércio de derivativos e os grandes bancos foram os principais participantes e possuidores dos mesmos.

Ao mesmo tempo, os governos gastaram dinheiro perdidamente, especificamente os Estados Unidos, pagando guerras e orçamentos de defesa de múltiplos milhões de milhões de dólares, imprimindo dinheiro a partir do nada, cortesia do sistema global de banca central. Todo o dinheiro que foi produzido, por sua vez, produziu dívida. Em 2007, a dívida total – interna, comercial e do consumidor – dos Estados Unidos elevava-se a uns chocantes US$51 milhões de milhões. [17]

Como se este fardo da dívida não fosse bastante, considerando que seria impossível alguma vez pagá-la de volta, os últimos dois anos viram o mais expansivo e rápido crescimento da dívida alguma vez já visto na história mundial – na forma de pacote de estímulos e de salvamentos por todo o mundo. Em Julho de 2009 informou-se que "os contribuintes dos EUA podem estar pendurados por tanto quanto US$23,7 milhões de milhões para promover a economia e salvar companhias financeiras, disse Neil Barofsky, inspector geral especial do Programa de alívio de activos perturbados (Troubled Asset Relief Program, TARP) do Tesouro". [18]

O Plano Bilderberg em acção?

Em Maio de 2009 escrevi um artigo cobrindo a reunião de Bilderberg de 2009, uma reunião altamente secreta das principais elites da Europa e da América do Norte, que se encontram uma vez por ano a portas fechadas. Bilderberg actua como um think tank internacional informal e eles não divulgam qualquer informação. Assim, relatos das reuniões são fugas e as fontes não podem ser verificadas. Contudo, as informações proporcionadas pelos investigadores de Bilderberg e jornalistas, como Daniel Estulin e Jim Tucker, demonstraram-se surpreendentemente precisas no passado.

Em Maio, a informação escapada das reuniões respeitava ao principal tópico da conversação e era, não surpreendentemente, a crise económica. A grande questão era assegurar "Ou uma depressão prolongada e agonizante que assombraria o mundo com décadas de estagnação, declínio e pobreza ... ou uma depressão intensa mas mais curta que pavimentasse o caminho para uma nova ordem económica mundial sustentável, com menos soberania mas mais eficiência".

É importante notar que um ponto importante da agenda foi "continuar a enganar milhões de poupadores e investidores que acreditam no alarde acerca da suposta viragem na economia. Eles estão prestes a serem submetidos a perdas maciças e doloroso sofrimento financeiro nos próximos meses".

Estulin informou acerca do vazamento de um relatório que afirmou ter recebido a seguir à reunião, o qual relativa que houve grandes desacordos entre os participantes, pois "Os radicais duros são pelo declínio dramático e uma severa depressão de curto prazo, mas há aqueles que pensam terem as coisas ido longe demais e que as consequências do cataclismo económico global não podem ser calculadas com precisão". Contudo, a visão de consenso era que a recessão ficaria pior e que a recuperação seria "relativamente lenta e prolongada" e tais expressões surgiram na imprensa nas semanas e meses seguintes. De facto, tais expressões apareceram ad infinitum nos media globais.

Estulin informou também "que alguns dos principais banqueiros europeus confrontados com o espectro da sua própria mortalidade financeira estão extremamente preocupados, chamando isto de perigoso equilibrismo 'insustentável' e dizendo que défices orçamentais e comerciais dos EUA poderiam resultar na morte do dólar". Um participante de Bilderberg disse que "os próprios bancos não conhecem a resposta para o quando (o fundo será atingido)". Todos pareciam concordar em "que o nível de capital necessário para os bancos americanos pode ser consideravelmente mais alto do que o governo dos EUA sugeriu através dos seus recentes testes de stress". Além disso, "alguém do FMI destacou que o seu próprio estudo sobre recessões históricas sugere que os EUA estão apenas a um terço do caminho daquela actual; portanto economias à espera de recuperar com o ressurgimento da procura dos EUA terão uma longa espera". Um participante declarou que "As perdas em acções em 2008 foram piores do que aquelas de 1929" e que "A próxima fase do declínio económico também será pior do que a da década de 1930, principalmente porque a economia dos EUA carrega cerca de US$20 milhões de milhões de excesso de dívida. Até que aquela dívida seja eliminada, a ideia de um boom saudável é uma miragem". [19]

Poderia a percepção geral de uma economia em recuperação ser a manifestação do plano de Bilderberg em acção? Bem, para proporcionar alguma visão para uma tentativa de resposta a esta pergunta, devemos ver que foram alguns dos participantes chave na conferência.

Banqueiros centrais: Muitos banqueiros centrais estiveram presentes, como habitualmente. Dentre eles estavam o governador do Banco Nacional da Grécia, o governo do Banco da Itália, o presidente do Banco Europeu de Investimento; James Wolfenshoh, ex-presidente do Banco Mundial; Nout Wellink, presidente do Banco Central da Holanda e na direcção do Bank for International Settlements (BIS); Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu; o vice-governador do Banco Nacional da Bélgica e um membro da direcção de directores executivos do Banco Central da Áustria.

Ministros das finanças e media: Ministros das finanças e responsáveis de muitos países também compareceram. Dentre os países com representantes presentes da área financeira estavam Finlândia, França, Grã-Bretanha, Itália, Grécia, Portugal e Espanha. Também havia muitos representantes das grandes empresas de media de todo o mundo. Isto incluia o editor do Der Standard da Áustria; o presidente da Washington Post Company; o editor-chefe de The Economist; o vice-editor de Die Zeit da Alemanha; o presidente e editor-chefe de Le Nouvel Observateur da França; o editor associado e comentarista económico principal do Financial Times; assim como o correspondente de negócios e editor de negócios de The Economist. Estas foram algumas das principais publicações financeiras do mundo presentes à reunião. Naturalmente, eles têm uma grande influência sobre as percepções públicas da economia.

Banqueiros: Também é importante nota o comparecimento de banqueiros privados à reunião, pois são os principais bancos internacionais que possuem as acções dos bancos centrais do mundo, os quais por sua vez controlam as acções do Bank for International Settlement (BIS). Dentre os bancos e companhias financeiras representados na reunião de Bilderberg estavam Deutsche Bank AG, ING, Lazard Freres & Co., Morgan Stanley International, Goldman Sachs, Royal Bank of Scotland, e é importante notar David Rockefeller, [20] ex-presidente do Chase Manhattan (agora J.P. Morgan Chase), o qual pode razoavelmente ser mencionado como o actual "Rei do capitalismo".

Administração Obama: Os membros da administração Obama envolvidos na resolução da crise económica também estiveram fortemente representados na reunião de Bilderberg. Dentre eles estava Timothy Geithner, o secretário do Tesouro e ex-presidente do Banco de Reserva Federal de Nova York; Lawrence Summers, director do National Economic Council da Casa Branca, ex-secretário do Tesouro na administração Clinton, ex-presidente da Universidade de Harvard e ex-economista chefe do Banco Mundial; Paul Volcker, ex-governador do Federal Reserve System e presidente do Economic Recovery Advisory Board de Obama; Robert Zoellick, ex-presidente do Goldman Sachs e actual presidente do Banco Mundial. [21]

Havia informações não confirmadas acerca da presença do presidente do Fed, Ben Bernanke. Contudo, se a história e os antecedentes das reuniões de Bilderberg é algo que nos oriente, tanto o presidente do Federal Reserve como o presidente do Federal Reserve Bank of New York estão sempre presentes, de modo que na verdade seria surpreendente se não tivessem ido à reunião de 2009. Contactei o Fede de Nova York para perguntar se o presidente comparecera a qualquer organização ou reuniões de grupo na Grécia nas datas assinaladas do encontro de Bilderberg e a resposta dizia-me para pedir à organização por uma lista de comparecimentos. Se bem que não confirmando a sua presença, eles também não a negaram. Contudo, isto ainda não está verificado.

Naturalmente, todos estes actores chave exercem bastante influência para alterar a opinião pública e as percepções da crise económica. Eles também têm muito a ganhar com ela. Contudo, qualquer que seja a imagem que construam, ela permanece apenas isso: uma imagem. A ilusão destruir-se-á muito em breve e o mundo chegará a perceber que a crise que atravessámos até aqui é meramente o capítulo introdutório da crise económica quando ela for escrita nos livros de história.

Conclusão

As advertências do Bank for International Settlements (BIS) e do seu ex-economista chefe, William White, não devem tomadas com ligeireza. As advertências de ambos no passado foram desconhecidas e demonstraram-se exactas com o passar do tempo. Não permitir que a esperança de "recuperação económica" apregoada pelos media ponha de lado a "realidade económica". Embora possa ser deprimente reconhecer, é de longe muito melhor estar consciente do terreno sobre o qual se pisa, mesmo que esteja juncado de perigos, do que ser ignorante e correr imprudentemente através de um campo de minas. Ignorância não é felicidade, ignorância é catástrofe adiada.

Um médico deve primeiro identificar e diagnosticar correctamente o problema antes de propor qualquer espécie de receita como solução. Se o diagnóstico for incorrecto, a receita não funcionará e poderia de facto tornar as coisas piores. A economia global tem um grande cancro: ele foi diagnosticado correctamente por alguns, mas a receita dada foi para curar uma tosse. O tumor económico foi identificado. A questão é: aceitaremos isto e tentaremos tratá-lo ou pretenderemos que a receita da tosse o curará? O que é que pensa que dará maior probabilidade de sobrevivência?

Como disse Gandhi: "Não há deus maior do que a verdade".
03/Outubro/2009
# Para uma visão geral da crise financeira que se aproxima, ver: "Entering the Greatest Depression in History: More Bubbles Waiting to Burst," , Global Research, August 7, 2009.

Notas

[1] Time, HEROES: Man-of-the-Year. Time Magazine: Jan 6, 1930: http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,738364-1,00.html

[2] James Calvin Baker, The Bank for International Settlements: Evolution and Evaluation . Greenwood Publishing Group, 2002: page 2

[3] James Calvin Baker, The Bank for International Settlements: evolution and evaluation. Greenwood Publishing Group, 2002: page 6

[4] James Calvin Baker, The Bank for International Settlements: evolution and evaluation. Greenwood Publishing Group, 2002: page 148

[5] James Calvin Baker, The Bank for International Settlements: evolution and evaluation. Greenwood Publishing Group, 2002: page 149

[6] Carroll Quigley, Tragedy & Hope: A History of the World in Our Time (New York: Macmillan Company, 1966), 324-325

[7] Carroll Quigley, Tragedy and Hope: A History of the World in Our Time (New York: Macmillan Company, 1966), 324

[8] Ambrose Evans-Pritchard, Derivatives still pose huge risk, says BIS. The Telegraph : September 13, 2009: www.telegraph.co.uk/finance/newsbysector/banksandfinance/6184496/

[9] Robert Cookson and Sundeep Tucker, Economist warns of double-dip recession. The Financial Times : September 14, 2009: http://www.ft.com/cms/s/0/e6dd31f0-a133-11de-a88d-00144feabdc0.html

[10] Patrick Jenkins, BIS head worried by complacency. The Financial Times : September 20, 2009: http://www.ft.com/cms/s/0/a7a04972-a60c-11de-8c92-00144feabdc0.html

[11] David Uren. Bank for International Settlements warning over stimulus benefits. The Australian : June 30, 2009:
http://www.theaustralian.news.com.au/story/0,,25710566-601,00.html

[12] Simone Meier, BIS Sees Risk Central Banks Will Raise Interest Rates Too Late. Bloomberg: June 29, 2009:
http://www.bloomberg.com/apps/news?pid=20601068&sid=aOnSy9jXFKaY

[13] Robert Cookson and Victor Mallet, Societal soul-searching casts shadow over big banks. The Financial Times : September 18, 2009: http://www.ft.com/cms/s/0/7721033c-a3ea-11de-9fed-00144feabdc0.html

[14] AFP, Top central banks agree to tougher bank regulation: BIS. AFP: September 6, 2009: http://www.google.com/hostednews/afp/article/ALeqM5h8G0ShkY-AdH3TNzKJEetGuScPiQ

[15] Simon Kennedy, Basel Group Agrees on Bank Standards to Avoid Repeat of Crisis. Bloomberg: September 7, 2009: http://www.bloomberg.com/apps/news?pid=20601087&sid=aETt8NZiLP38

[16] Abigail Moses, Central Banks Must Agree Global Clearing Supervision, BIS Says. Bloomberg: September 14, 2009: http://www.bloomberg.com/apps/news?pid=20601087&sid=a5C6ARW_tSW0

[17] FIABIC, US home prices the most vital indicator for turnaround. FIABIC Asia Pacific: January 19, 2009: fiabci-asiapacific.com/index.php?option=com_content&task=view&id=133&Itemid=41

Alexander Green, The National Debt: The Biggest Threat to Your Financial Future. Investment U: August 25, 2008: http://www.investmentu.com/IUEL/2008/August/the-national-debt.html

John Bellamy Foster and Fred Magdoff, Financial Implosion and Stagnation. Global Research: May 20, 2009: http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=13692

[18] Dawn Kopecki and Catherine Dodge, U.S. Rescue May Reach $23.7 Trillion, Barofsky Says (Update3). Bloomberg: July 20, 2009: http://www.bloomberg.com/apps/news?pid=20601087&sid=aY0tX8UysIaM

[19] Andrew Gavin Marshall, The Bilderberg Plan for 2009: Remaking the Global Political Economy. Global Research: May 26, 2009: http://www.globalresearch.ca/index.php?aid=13738&context=va

[20] Maja Banck-Polderman, Official List of Participants for the 2009 Bilderberg Meeting. Public Intelligence: July 26, 2009: www.publicintelligence.net

[21] Andrew Gavin Marshall, The Bilderberg Plan for 2009: Remaking the Global Political Economy. Global Research: May 26, 2009: http://www.globalresearch.ca/index.php?aid=13738&context=va

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© Copyright Andrew Gavin Marshall, Global Research, 2009

[*] Investigador associado do Centre for Research on Globalization (CRG), actualmente a estudar economia política e história na Simon Fraser University.

O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=15501

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Marx e Lênin mereciam o Nobel de Economia

Trabalho morto: Marx e Lênin reconsiderados

por Paul Craig Roberts [*], por sugestão do Milton Hayek, no Counterpunch

"O capital é trabalho morto, o qual, como um vampiro, vive apenas para sugar o trabalho vivo, e quanto mais sobreviver, mais trabalho sugará".
--Karl Marx

Se Karl Marx e V. I. Lênin hoje estivessem vivos, seriam os principais candidatos ao Prêmio Nobel de Economia.

Marx previu a miséria crescente dos trabalhadores e Lênin previu a subordinação da produção de bens à acumulação de lucros do capital financeiro com a compra e venda de títulos de papel. As suas previsões são de longe superiores aos "modelos de risco" aos quais tem sido atribuído o Prêmio Nobel e estão mais próximos da realidade que as previsões do presidente do Banco Central americano, de secretários do Tesouro dos EUA e de economistas nobelizados tais como Paul Krugman, que acredita que mais crédito e mais dívida são a solução para a crise econômica.

Na primeira década do século 21 não houve qualquer aumento no rendimento real dos trabalhadores americanos. Houve sim um declínio agudo na sua riqueza. No século 21 os americanos sofreram dois grandes crashes no mercado de ações e a destruição da sua riqueza imobiliária.

Alguns estudos concluíram que os rendimentos reais dos americanos, exceto para a oligarquia financeira dos super-ricos, são menores hoje que na década de 80 e mesmo que na de 70. Não examinei esses estudos de rendimento familiar para determinar se eles foram distorcidos pelo aumento nos divórcios ou pela percentagem de famílias monoparentais. Contudo, durante a última década é claro que o salário líquido real declinou.

A causa principal deste declínio é o deslocamento (offshoring) de empregos americanos de alto valor agregado para fora do país. Tanto empregos na manufatura como em serviços profissionais, tais como engenharia de software e trabalho com tecnologia de informação, foram relocalizados em países com forças de trabalho grandes e baratas.

A aniquilação de empregos de classe média foi disfarçada pelo crescimento na dívida do consumidor. Quando os rendimentos dos americanos deixaram de crescer, a dívida do consumidor expandiu-se para substituí-lo e manter o consumo em ascensão. Ao contrário de aumento nos rendimentos do consumidor devido ao crescimento da produtividade, há um limite para a expansão do endividamento. Quando aquele limite é atingido, a economia deixa de crescer.

A pauperização dos trabalhadores não resultou do agravamento de crises de superprodução de bens e serviços, mas sim do poder do capital financeiro de forçar o deslocamento da produção para terras estrangeiras. As pressões de Wall Street, incluindo pressões de tomadas de controle (takeovers), forçaram firmas manufatureiras americanas a "aumentar os rendimentos dos acionistas". Isso foi feito com a substituição de trabalho americano por trabalho barato estrangeiro.

Corporações deslocalizadas ou que passam a encomendar fora a sua produção manufatureira, causaram o divórcio entre os rendimentos dos americanos e a produção dos bens que eles consomem. O passo seguinte no processo aproveitou-se da alta velocidade da internet para transferir empregos em serviços profissionais, tais como engenharia, para fora. O terceiro passo foi substituir o resto da força de trabalho interna por estrangeiros trazidos para cá a um terço do salário com o H-1B [1] , L-1 [2] e outros vistos de trabalho.

Esse processo pelo qual o capital financeiro destruiu as perspectivas de emprego de americanos foi endossado pelo economistas do "livre mercado", os quais receberam privilégios em troca da propaganda de que os americanos beneficiar-se-iam com uma "Nova Economia" baseada em serviços financeiros, e pelos seus sócios no negócio da educação, os quais justificavam vistos de trabalho para estrangeiros com base na mentira de que os Estados Unidos produzem poucos engenheiros e cientistas.

Nos dias de Marx, a religião era o ópio das massas. Hoje, é a mídia. Basta ver como a informação propagada pela mídia facilita a capacidade da oligarquia financeira de iludir o povo.

A oligarquia financeira está anunciando uma recuperação enquanto o desemprego americano e os sequestros de imóveis estão em alta. Este anúncio deve sua credibilidade à sua origem [no alto escalão da economia], às pesquisas baseadas em folhas de pagamento que exageram o número de empregados e à eliminação, para dentro do buraco da memória, de qualquer americano desempregado por mais de um ano.

Em 2 de outubro o estatístico John William, do www.shadowstats.com, informou que o Bureau of Labor Statistics havia anunciado uma revisão da sua estimativa preliminar do indicador anual do emprego em 2009. O BLS descobriu que o emprego em 2009 fora exagerado em cerca de um 1 milhão de postos de trabalho. John Williams acredita que a diferença foi realmente de dois milhões de postos de trabalho. Ele informa que "o modelo usado acrescenta [um ilusório] ganho líquido de cerca de 900 mil empregos por ano à informação sobre emprego".

O número de empregos nas folhas de pagamentos não agrícolas é sempre a manchete. Contudo, Williams acredita que as pesquisas feitos junto às famílias de desempregados é estatisticamente mais correta que a consulta às folhas de pagamento. O BLS nunca foi capaz de reconciliar a diferença nos números dos dois levantamentos de emprego. Na sexta-feira passada o número de empregos perdidos apresentado nas manchetes era de 263 mil para o mês de setembro. Contudo, o número na pesquisa feita com as famílias era de 785 mil empregos perdidos no mês de setembro.

A manchete da taxa de desemprego de 9,8% em grande medida subdeclara o desemprego. As agências de informação do governo sabem disso e relatam outro número de desempregados, conhecido como U-6. Esta medida do desemprego nos EUA fixava-se nos 17% em setembro de 2009.

Quando aos trabalhadores desencorajados pelo desemprego de longo prazo [que deixam de procurar emprego] são acrescentados ao total dos desempregados, a taxa de desemprego em setembro de 2009 eleva-se a 21,4%.

O desemprego de cidadãos americanos pode ser ainda mais alto. Quando a Microsoft ou alguma outra firma substitui milhares de trabalhadores americanos por estrangeiros com vistos H-1B, a Microsoft não relata um declínio de empregados na folha de pagamento. No entanto, vários milhares de americanos ficam sem empregos. Multiplique isso pelo número de firmas dos EUA que se apóiam em companhias estrangeiras fornecedoras de mão-de-obra para tecnologia de informação ("body shops") para substituir a força de trabalho americana com trabalho barato estrangeiro ano após ano e o resultado são centenas de milhares de desempregados americanos não contabilizados.

Obviamente, com mais de um quinto da força de trabalho americana desempregada e os remanescentes enterrados em hipotecas e dívidas de cartões de crédito, a recuperação econômica não está à vista.

O que acontece é que as centenas de bilhões de dólares de dinheiro do TARP [plano de apoio do governo ao sistema financeiro] dados aos grandes bancos e os bilhões de dólares que foram acrescentados ao balanço do Banco Central americano foram despejados no mercado de ações, produzindo uma outra bolha, e na aquisição de bancos menores por bancos "demasiado grandes para falir". O resultado é mais concentração financeira.

A expansão da dívida subjacente a esta bolha corroeu a credibilidade do dólar como moeda de reserva. Quando o dólar começar a despencar, banqueiros em pânico elevarão as taxas de juros a fim de proteger a capacidade de contração de empréstimos do Tesouro. Quando as taxas de juros ascenderem, o que resta da economia dos Estados Unidos afundará.

Se o governo não puder contrair empréstimos [vendendo títulos do Tesouro], ele imprimirá dinheiro para pagar as suas contas. A hiperinflação atingirá a população americana. O desemprego maciço e a inflação maciça infligirão ao povo americano uma miséria que nem mesmo Marx e Lênin poderiam conceber.

Enquanto isso, economistas dos Estados Unidos continuam a pretender que estão lidando com uma recessão normal do pós-guerra, que requer meramente uma expansão da moeda e do crédito com o objetivo de restaurar o crescimento econômico.

[1] H-1B: categoria de visto para não imigrantes que permite ao patronato dos EUA procurar ajuda temporária de estrangeiros qualificados que tenham bacharelato.
[2] L-1: documento de visto para entrar nos EUA como não imigrante e válido por períodos de tempo de até três anos. São geralmente concedidos para empregados de companhias internacionais com escritórios nos EUA.

[*] Ex-secretário assistente do Tesouro na administração Reagan, co-autor de The Tyranny of Good Intentions.

PaulCraigRoberts@yahoo.com

Este artigo encontra-se também em http://resistir.info/.

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