quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

O SACERDOTE DOS RENEGADOS


Padre Júlio Lancellotti e seu povo de rua precisam desaparecer para o bem dos negócios


Por Edson Osvaldo Melo 


EM março de 2020, aproveitando uma conexão no trajeto de Goiânia para Curitiba, fiz questão de ir conhecer o Padre Júlio Lancellotti lá na Paróquia São Miguel Arcanjo, no bairro da Mooca, em São Paulo.

Tão pequenina a igreja, que em minha cidade natal não passaria de uma capela.


                                           Espigões com vidros coloridos surgem no horizonte da Igreja do Padre Júlio


Padre Júlio contou que ela era uma espécie de "patinho feio" da Cúria paulistana, em razão da dimensão e pouco movimento.

Evitada, se possível, por outros sacerdotes por falta de, digamos, perspectiva.

Ele assumiu a parada.

E com a atuação em prol dos mais necessitados, o espaço que já era pequeno ficou ainda menor, obrigando a busca de um local apropriado para o atendimento.



Assim surgiu, a poucas quadras da igreja, o refeitório popular que atende diariamente com dignidade o povo de rua.

Padre Júlio fez questão de ir caminhando ao meu lado, até lá.




Pude constatar in loco, observando o olhar das pessoas atendidas, a importância da missão de Júlio Lancellotti. 

Especulação Imobiliária

É visível nas proximidades da Paróquia São Miguel Arcanjo do Padre Júlio Lancellotti a construção de novos empreendimentos imobiliários (vide fotos).

A Mooca é a bola da vez. 

A proximidade do Centro, o Metrô, avenidas largas: tudo favorece para a mudança repentina de um bairro outrora operário, com casas e sobrados entre galpões industriais e comerciais, para uma selva de espigões com aqueles vidros verdes horríveis.

O refeitório do Padre Júlio atrai e atende, socorre, o povo de rua. Se o povo é de rua, não há "retorno para casa" após as refeições. Uma boa parte fica por ali, monta uma barraca debaixo de uma árvore, na calçada, no gramado...

O visual desta população desabrigada agride os planos dos empreendedores que querem, e estão transformando, a Mooca.

Padre Júlio e seu povo de rua precisam desaparecer para o bem dos negócios. 



(Até mesmo) alguns policiais militares já mandaram recados por meio de um ou outro desabrigado: "avise o teu padreco que a hora dele vai chegar"!

Antes mesmo de algo pior acontecer, já foi decretada a invisibilidade desta gente: eles têm que sumir dali.


*Padre Júlio Lancellotti, 75 anos, é responsável pela Paróquia de São Miguel Arcanjo, no bairro da Mooca. Desde 1993, coordena a Pastoral do Povo de Rua. É padre desde 1985 e foi um dos fundadores da Pastoral do Menor da Arquidiocese de São Paulo, em 1977.

*Texto e fotos: Edson Osvaldo Melo 


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