quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
"Suicídio" do PCI abriu as portas para o berlusconismo
Em entrevista ao Portal Vermelho, Fabio Amato, secretário de Relações Internacionais do Partido da Refundação Comunista da Itália discorre sobre a dissolução do Partido Comunista Italiano (PCI) em 1991, o maior partido comunista fora do poder no mundo, argumentando que esse evento propiciou o tempo e o espaço para a tomada do poder pela direita e pelo neoliberalismo. A falta do tipo de oposição que o PCI exercia acabou abrindo espaço para a atual crise política, social e econômica do país.
"Um partido com um eleitorado de 30% dos votos tem muito poder no país. Essa parte pragmática é vitoriosa diante daqueles que viam o partido como um instrumento de mudança. Foi isso o que aconteceu com o PCI" comenta Amato.
O PCI transformou-se no Partido Democrático da Esquerda, PDS em italiano. Amato explica que "o PDS, agora, transformou-se no Partido Democrático e está longe de ser de esquerda, é objeto de uma contínua renegação ideológica".
Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Como a Refundação Comunista vê a crise política que a Itália atravessa?
"O que ocorre na Itália hoje é um sinal da decadência do país. A Itália vive o fim de um ciclo político. As notícias sobre Silvio Berlusconi camuflam o principal, de que a crise é, além de política, econômica e social. A grosso modo, podemos dizer que passamos por um período semelhante ao da decadência do Império Romano.
Consideramos que razão da permanência de Berlusconi no poder é que a Itália está sob a iminência de um ataque do capital especulativo, já que possui uma das dívidas internas mais altas do mundo, atingindo 112% do PIB.
O poder real, o capital financeiro, não quer antecipar as eleições porque isso poderia antecipar também esse ataque. O país está na iminência de outra fratura política, os dois blocos que se constituíram no poder político nos últimos 20 anos estão cada vez mais polarizados.
Berlusconi tem perdido aliados, como Gianfranco Finni, que se apresenta como uma direita de face mais "apresentável" no exterior, uma direita atlantista. Mas Berlusconi é bastante apreciado pelo imperialismo por ter auxiliado a ocupação do Afeganistão, por ser o maior aliado do sionismo na Europa.
Berlusconi construiu uma base social de apoio importante, que tem traços na classe média, em setores do operariado. Portanto é preciso ver essa crise pelo ponto de vista da luta de classes.
Nos últimos 20 anos a Itália tem se destacado pela cada vez maior desigualdade social. Dentro da União Europeia, é a que apresenta a maior desigualdade, onde 10% das famílias do país se apoderam de 50% das riquezas nacionais.
Que aconteceu com o PCI?
Neste ano comemoramos os 90 anos da Fundação do Partido Comunista Italiano, assim como os 20 anos da sua dissolução. Também comemoramos os 20 anos da criação do Partido da Refundação Comunista. Esse é um tema de discussão muito amplo, muito complicado. Pode-se dizer que foi um suicídio político.
O PCI, chefiado por um grupo eleito no fim dos anos 90, em um excesso de taticismo achou que a mudança de nome garantiria sua existência, diante da dissolução da URSS e do fim do Muro de Berlim. No fundo, a mudança de nome é uma mudança de caráter social e ideológico, e as bases do partido acreditaram que a mudança foi em razão da contrarrevolução que assolou o mundo naquela época.
De imediato, 500 mil militantes deixam o partido. Eles não migraram nem para o PDS nem para a Refundação Comunista. Simplesmente deixaram a militância. A mudança não é só tática, é estratégica. O PDS se converte em um partido social-liberal. Converte-se em um partido para ganhar as eleições, não mais para mudar o quadro social.
Depois de 1996, quando chega ao poder, abraça o neoliberalismo. A maior responsabilidade pela dissolução é do grupo dirigente. Para alguns, não era uma mudança para a direita, mas para uma premissa ideológica eclética e pela instância do poder.
Um partido com um eleitorado de 30% dos votos tem muito poder no país. O pragmatismo saiu-se vitorioso diante daqueles que viam o partido como um instrumento de mudança. Foi o que aconteceu com o PCI. O PDS agora transformou-se no Partido Democrático e está longe de ser de esquerda, é objeto de uma contínua renegação ideológica.
Naquela época, o grupo dirigente do PCI, liderado por Massimo D'Alema e Walter Veltroni, destruiu uma força democrática que garantia um país democrático, abrindo as portas ao que se pode chamar de berlusconismo e à crise politica que vive o país. Esse grupo dispendeu um patrimônio histórico e político muito grande, incomensurável.
E a situação da esquerda na Itália, o que pode dizer do fracasso eleitoral sofrido pelas forças progressistas nas últimas eleições?
Em 2006 tinhamos 12% dos votos, um ano e meio depois, em 2008, perdemos 6% deles. A base do desastre político foi a derrota política no governo.
A experiência da participação da Refundação Comunista no governo foi muito ruim, a expectativa das pessoas não foi satisfeita. A co-relação de forças não era a que esperávamos. Foi um erro estratégico o governo de 2006. A criação do PD, uma eleição antecipada para a qual não estávamos preparados e o grupo dirigente anterior da Refundação provoca a aceleração da construção de um bloco de esquerda, chamado A Esquerda Arco-Íris, que se situa fora do centro-esquerda. Isso provocou uma fuga de votos por todos os lados.
Mas também há uma contingência. Quando há uma eleição, o humor dos eleitores varia de diversos modos e, na época, a antiga direção cometeu todos os erros políticos possíveis. Políticos, táticos, de marketing eleitoral, de campanha, simbólicos.
E o que se pode dizer do momento atual da esquerda? Há perspectivas de uma unidade dos comunistas na Itália?
Queremos construir uma força de esquerda onde estejam os comunistas, que seja autônoma, independente, que não dependa de outros partidos, mas que também faça alianças.
O ponto que defendemos, para a Itália e para a Europa, é uma saída para o neoliberalismo. O que está matando o projeto da Europa, fora as questões do imperialismo, é permanecer fiel ao neoliberalismo.
Participamos da criação da Federação de Esquerda, que é a construção de um ator político, não só de um partido eleitoral, de um sujeito político. O problema agora é reconstruir nosso partido, sua credibilidade, sua capacidade de luta social, de participar nos movimentos sociais.
Não creio que uma questão organizativa vá resolver. A reunificação é um processo. O problema agora é reunir todas as forças, respeitando as entidades, a história e a identidades de todas as agremiações. Não podemos apressar o processo de modo a dividir as forças mais adiante.
Temos os exemplos de outros países, como a Frente Ampla do Uruguai, a Esquerda Unida da Espanha, a Frente de Esquerda da Índia, onde os comunistas trabalham e lutam juntos, mas ainda estão desenvolvendo suas próprias forças.
O importante agora é construir uma presença social, consolidar a unidade que conseguimos, sem pressa, porque dividir-se é muito simples, muito rápido. Reunificar-se para dividir-se pouco depois não faz sentido.
FIM
Extraído do site Portal Vermelho:
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=148272&id_secao=9
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