Por Lilia Diniz em 16/2/2011
O terceiro episódio da série do Observatório da Imprensa gravada na Espanha teve como tema um dos jornais mais importantes do mundo, o El País. O programa, exibido na terça-feira (15/2) pela TV Brasil, entrevistou profissionais que trabalham no diário espanhol e mostrou as opiniões de jornalistas brasileiros.
Criado por um grupo de empresários e jornalistas em maio de 1976, após a morte do ditador Francisco Franco, El País hoje é um dos símbolos da Espanha moderna. Marco da transição para a democracia, o diário de centro-esquerda desde os primeiros números se pautou pela defesa das liberdades e o apoio às mudanças políticas e sociais na Espanha pós-Franco. Atualmente, a tiragem média diária do jornal gira em torno de 390 mil exemplares, é distribuído em diversos países e conta com um time de colunistas de primeira linha.
Na abertura do programa, Alberto Dines comentou que o El País é um jornal relativamente jovem que conseguiu imprimir uma grande harmonia da primeira à última página. "Tudo tem uma coerência. Qual é a química que fez este processo?", perguntou a Javier Moreno, diretor de Redação do jornal há cinco anos. Na avaliação de Moreno, a redação é a principal responsável por este entrosamento: os jornalistas baseados na sede e nas diversas sucursais espalhadas pelo país, os escritores, analistas e intelectuais na Espanha e na América Latina envolvidos nesta "aventura" jornalística.
"Um jornal não é o papel, um jornal não são as fotos, um jornal não é nada além da Redação – o grupo de jornalistas que compõe o núcleo intelectual de uma máquina de produzir informação como é um jornal. E é um grupo que compartilha um olhar com a sociedade a que se dirige", disse.
Este olhar não é estático, se renova a cada mudança na História. Ao longo desses 34 anos, a direção e o corpo de jornalistas transmitem a cultura e os valores da publicação às novas gerações que chegam ao jornal. "Manter esta continuidade, esta cultura, é muito importante", disse o diretor do diário.
Parte das normas está escrita no Manual de Redação e no Livro de Estilo, enquanto outras são "assumidas pelo coletivo" e transmitidas aos iniciantes por pequenos sinais. Um deles é a frase "Isto não é El País", dita aos mais jovens quando estes produzem algum material dissonante da linha do jornal.
Javier Moreno lembrou a resposta que o escritor norte-americano Henry Miller dava a quem perguntava o que era um bom jornal: "Um bom jornal é a nação dialogando consigo mesma".
Politizado e independente
Moreno disse que a linha editorial do jornal tem coincidido com as propostas de centro-esquerda, mas sublinhou que El País não é uma publicação partidária. "O jornal não só dá vez aos intelectuais, aos pensadores e aos escritores das mais variadas ideologias, como também tem defendido sempre um modelo de progresso e de modernidade para a Espanha, que eu acho que tem ido à frente da própria sociedade espanhola", destacou.
Moreno explicou que o projeto do jornal é autônomo e inclui outros elementos além da política, como uma visão humanista e um olhar amplo sobre o papel da cultura no progresso da sociedade.
Dines comentou que, em seu ponto de vista, a solução para a empresa jornalística moderna é ser mais completa do que produzir apenas um produto impresso ou da web. É produzir idéias.
Moreno completou que o jornalista não pode se limitar apenas a reproduzir os fatos. "Por isso, El País sempre conferiu tanta importância à cultura. Sempre abriu suas páginas específicas no diário e em suplementos como ‘Babelia’ aos escritores, aos intelectuais, à reflexão, à ação no mundo do espanhol.
E isso, naturalmente, e desde o princípio, tem significado Espanha e tem significado América Latina. Os principais escritores latino-americanos, desde Vargas Llosa a García Márquez, todos foram jornalistas e todos eles escreveram no El País. El País sempre foi, para eles, a porta aberta às sociedades de ambos os lados do Atlântico", afirmou.
Moreno explicou que El País considera o jornalismo como um ofício e, por isso, defende a formação de cinco anos em ensino superior. "É um ofício que se aprende com seu exercício e, a partir dessa convicção e da comprovação empírica de que as universidades espanholas há 25 anos não proporcionavam a suficiente qualidade aos estudos de jornalismo, decidimos fundar uma escola própria de jornalismo em colaboração com a Universidade Autônoma de Madri", disse Moreno.
A universidade funciona dentro das instalações do jornal e os professores do curso não são teóricos do jornalismo, mas os próprios jornalistas do El País. "Os alunos trabalham com o material que circula nas redações do El País em tempo real e elaboram produtos jornalísticos – jornais, programas de rádio, revistas – em tempo real, com o material próprio e das agências de que dispõe o jornal. E, naturalmente, lá se aprende não só algumas técnicas, não somente o ofício. Se aprende valores, uma maneira de abordar o ofício, e uma maneira de olhar para a sociedade", disse.
Referência na transição
Alfredo Relaño Estapé, diretor do diário esportivo ÁS, também editado pelo Grupo Prisa, destacou que El País "tomou para si" o papel de explicar à sociedade valores que vieram à tona após o fim do regime franquista.
"Não sabíamos se era bom ou não divorciar-se, se podíamos publicar livros em catalão, se podiam existir comunistas, se eram demônios. Era quase um manual de instruções para a democracia", lembrou. Em tom de brincadeira, recordou que algumas pessoas liam os editoriais do El País para descobrir o que pensar sobre determinado assunto. Estapé avalia que a influência que o jornal alcançou naquele período "foi enorme".
Cerca de um ano após o lançamento, El País viveu uma situação inusitada. Um grupo terrorista de esquerda seqüestrou um grande financista e um general e usava o jornal para comunicar-se com a polícia. Os seqüestradores deixavam mensagens em locais públicos e avisavam à redação.
Relaño Estapé contou que a situação tornou-se insustentável para o então diretor do jornal, Juan Luis Cebrián, hoje CEO do Grupo Prisa. "A Guarda Civil revistou a casa dele porque pensava que era o próprio diretor do El País que os tinha sequestrado e que, como em um filme americano, tinha feito isso para aumentar as vendas", lembrou.
Dines perguntou se a politização da imprensa espanhola dificulta a gestão das empresas jornalísticas. Carlos Yarnoz Garayoz, subdiretor do El País, ressaltou que a mídia na Espanha, historicamente, sempre esteve politizada.
"Na realidade, a própria sociedade é plural, os meios são plurais, nós jornalistas somos plurais também na hora de enfocar todas as coisas", disse. Para Garayoz, o problema não é a diversidade de enfoques, mas sim o sectarismo que pode acarretar perda de credibilidade.
"Não pode dar razão sempre ao mesmo ou tirar a razão sempre do mesmo", ponderou. Para Garayoz, este é um dos problemas mais graves que a mídia na Espanha enfrenta atualmente.
Olhar para a América Latina
El País conta com 17 correspondentes internacionais, um deles baseado na América Latina. "Recebemos uma demanda permanente para que prestemos mais atenção ao que acontece na América Latina", contou Garayoz.
Dines perguntou como o jornal consegue conciliar em uma única edição latino-americana países com problemas tão diversificados. "Nós não pretendemos ser especialistas no que acontece na Venezuela, especialistas no que acontece no Brasil, especialistas no que acontece na Argentina. Da mesma maneira que não pretendemos, aqui na Espanha – insisto, salvando as diferenças – ser grandes especialistas na política local, regional, na Andaluzia, na Catalunha. Nós somos um jornal de fala hispânica, somos um jornal nacional no sentido amplo da palavra ‘nacional’. O que nós, de alguma maneira ‘vendemos’ é a visão da Espanha", explicou.
Ariel Palácios, correspondente do Estado de S.Paulo e da Globonews baseado em Buenos Aires, contou que El País exerce grande influência entre os profissionais de imprensa na Argentina. É respeitado e temido pelos políticos, que sabem que uma crítica do El País não será lida somente na Espanha, mas em toda a Europa e no restante da América Latina.
O Observatório também mostrou a opinião de Ricardo Setti, colunista da Veja Online, que viveu um longo período na Espanha e constantemente passa uma temporada naquele país. Setti avalia que El País ainda é um bom jornal, no entanto tem apresentado deficiências. Como pontos positivos, ele destacou a edição de domingo, os articulistas e a revista dominical.
"No dia-a-dia, ele está se tornando um pouco burocrático. Não tem o ‘chip’ de memória das matérias. As matérias são feitas como se o leitor já soubesse do assunto, não tem os antecedentes", disse. O jornalista criticou a cobertura internacional do diário. Para Setti, El País não é mais uma referência em jornalismo.
A imprensa de amanhã
Outro ponto tratado na entrevista de Dines com Carlos Yarnoz Garayoz foi o futuro do jornalismo. "O futuro do jornalismo é o futuro do bom jornalismo. O que tem sido sempre. Obviamente, na medida em que o jornalista se preocupe em contar aquilo que as instituições e que os poderes não querem que se saiba e que, além do mais, interprete bem, contextualize bem e estude bem todas as questões que nos afetam e sobre as quais escrevemos – e, portanto, contribua com qualidade. Conteúdos e qualidade. Na medida em que façamos isso bem, esse é o nosso futuro. Como foi nosso bom passado e sempre será. Isso é jornalismo", disse Garayoz.
Para Garayoz, o jornalismo passou por distintas fases baseadas em diferentes atores condicionantes, entre eles os avanços tecnológicos. "Agora estamos vendo a grande explosão da digitalização, internet, das webs. Alguns avanços nos quais, a propósito, estamos ainda na Idade da Pedra, na Idade do Bronze. Isto acaba de começar. E isto nos tem levado a quê? Tem nos levado a uma crise não do jornalismo, mas do modelo de negócio", afirmou.
Se esse modelo está em crise, na visão de Garayoz, outros podem surgir: "Nossos clientes, nossos leitores, são muitos mais do que antes. Antes, no El País, os contávamos por centenas de milhares, agora os contamos por milhões".
Dines também conversou com Luis Prados de La Escosura, editor de Internacional do El País, sobre a ascensão de partidos de extrema-direita na Europa. O editor explicou que o diário defende o Estado de Direito e Estado de Bem-Estar Social. "Somos editorialmente inflexíveis com os abusos em direitos humanos", ressaltou.
Um exemplo desta postura foi a forte crítica do jornal à expulsão de ciganos pelo governo francês em 2010. "O que estamos vivendo nesses dois anos de crise financeira global é que o medo das classes médias aumenta na proporção direta do cinismo das elites", avaliou.
Escosura comentou que em muitos países há correntes de uma "xenofobia populista muito perigosa" que alcançaram resultados eleitorais expressivos. El País registrou. E criticou.
FIM
Extraído do Observatório da Imprensa
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=629IMQ008
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