POR GABRIEL BRITO
No último dia 7 de novembro, o Brasil finalmente teve uma dura lição sobre as conseqüências da entrega da soberania nacional a empresas estrangeiras. Operadora do campo de Frade, na Bacia de Campos, a empresa anglo-americana Chevron causou o maior desastre ambiental da história do país ao permitir vazamento de óleo do poço que perfurava. Após primárias investigações, já se notou enorme negligência da empresa e uso de equipamentos ultrapassados e envelhecidos – além de fiscalização nula.
Ainda não se pode medir a proporção do desastre, mas sim a leniência do governo brasileiro, que, através do Ibama e ANP (a Agência Nacional do Petróleo, dominada pelo PC do B), anunciou multas irrisórias e pareceu mais trabalhar como advogado da empresa. Esta, por sua vez, repetiu sua conduta criminosa já vista em outros países e tratou o tempo todo de mentir e dissimular sobre o tamanho do vazamento. Para isso, contou com prestimosa ajuda da mídia, velha associada dos cartéis de petróleo, de modo que o desastre da BP no Golfo do México tomou conta dos nossos noticiários com muito mais força e rapidez do que o vazamento ocorrido em nosso próprio país...
Diante de tamanho quadro de confusão do público, o Correio da Cidadania entrevistou o economista e estudioso da área petrolífera Wladmir Coelho. Dono de blog que publica artigos sobre o assunto, Wladmir denuncia o caráter depredador e imediatista da exploração do ouro negro, dentro de um bizarro quadro de duas legislações para o setor: uma para o Pré-Sal, e outra para o petróleo que já se havia descoberto. A despeito da ninharia dos royalties, ambas as leis têm em comum o entreguismo e o objetivo de manter intactas as reservas e lucros de multinacionais cada vez mais desesperadas por novos pólos de exploração petrolífera.
Para se ter idéia da falta de qualquer caráter pró-pátria de nossos atuais dirigentes, o total de multas anunciado pelo Brasil mal atinge os 200 milhões de reais. Por desastre semelhante no Equador, o governo daquele país exige 18 bilhões de dólares! Aliás, vale a pena conferir a conduta da Chevron em alguns casos citados por Wladmir. “Má fé e Chevron, quando o assunto é tragédia ambiental, podem ser considerados sinônimos. O modelo de exploração do petróleo brasileiro, infelizmente, segue a nossa terrível tradição colonial”.
Ele lembra ainda de outro grande complicador para a difusão de um debate qualificado sobre nosso petróleo, conhecido por todos aqueles que lutam contra um governo magistral na arte de iludir o povo com ofensivas travestidas de redenção nacional: “A campanha publicitária em torno das potencialidades do pré-sal foi realizada a partir da idéia e necessidade de sua rápida exploração como forma de salvar o Brasil. Modificar este imaginário não será uma tarefa fácil”.
Correio da Cidadania: Em sua opinião, o que causou o vazamento de petróleo no campo de Frade, sob responsabilidade da multinacional Chevron?
Wladimir Coelho: A responsabilidade da Chevron está ligada à tradição dos oligopólios petrolíferos em disputar centímetro por centímetro as áreas com potencial produtivo em busca do lucro fácil e rápido.
Esta afirmativa pode soar repetitiva, afinal, sabemos todos que desde o início do século XX verifica-se uma evidente movimentação dos oligopólios no sentido de controlar o petróleo encontrado em terra, notadamente aquele existente na Ásia (Oriente Médio, Irã etc.), cuja exploração apresentava-se facilitada em função de sua abundância e baixo custo operacional, neste caso incluindo-se a subserviência dos governantes que lucravam e lucram entregando uma riqueza do povo às empresas petrolíferas.
Atualmente, estes campos antigos mostram sinais de esgotamento, tornando-se evidente a sombra da crise de abastecimento para os maiores consumidores. Restam, desta forma, as áreas preservadas ao longo dos anos localizadas nas profundezas marinhas ou no extremo norte do planeta atingido pelo aquecimento.
Brasil, México, Estados Unidos, Rússia, Noruega, Inglaterra apresentam áreas com potencial produtivo em locais de difícil acesso e se igualam no modelo exploratório quando o tema é irresponsabilidade quanto à segurança.
Para superar a queda na produção dos poços em terra, aceleram-se as licenças para a exploração nas profundidades oceânicas aplicando-se a máxima do fundamentalismo liberal de mínima regulação e crença na auto-fiscalização e gestão “responsável”. O resultado nós assistimos nos derramamentos do Mar do Norte, Golfo do México e agora no Brasil.
A crise geral do modelo regulatório financeiro repete-se nas tragédias ecológicas. Eficiência para a empresa não está associada à preservação da vida ou ganhos sociais. Eficiência para estes grupos significa lucro, pagamento de elevados benefícios aos executivos, dividendos aos acionistas, majoritariamente grandes bancos. E para este fim, o menor custo das operações torna-se a regra, mesmo que signifique a morte de operários em explosões de plataformas, poluição, prejuízos aos que vivem da pesca, turismo...
Correio da Cidadania: Como analisa a reação da empresa no primeiro momento e as informações que foram passadas ao governo e ao público? Fica evidente sua má-fé?
Wladimir Coelho: Má fé e Chevron, quando o assunto é tragédia ambiental, podem ser considerados sinônimos. Esta empresa apresenta-se envolvida em crimes terríveis contra populações inteiras, incluindo seu país de origem, os Estados Unidos.
No Equador, esta empresa envenenou a água da população amazônica derramando, conscientemente, refugo em rios. Ao ser denunciada, adulterou dados, subornou juízes e, quando condenada, falsificou uma limpeza. Até hoje a multa de U$18 bilhões não foi paga.
Na África, nos anos 90, promoveu um massacre contra camponeses nigerianos que “ousaram” protestar contra um derramamento de óleo que matou o gado, inutilizou a terra e envenenou a água. A Chevron contratou a polícia para matar os camponeses.
Em Angola, no ano de 2002, uma comissão concluiu que a causa de um grande vazamento foi decorrente da baixa qualidade dos canos usados para o transporte do óleo. A empresa foi multada e continua operando naquele país.
Nos Estados Unidos, os californianos exigem o pagamento de indenizações relativas à poluição de uma refinaria da empresa que opera desde o início do século XX, além de violação ao Clean Air Act.
Mentir e manter a mentira faz parte da estratégia da Chevron para manter os lucros, pouco importando os danos causados à vida e à natureza.
Correio da Cidadania: Diante de tamanho histórico, o que teria a dizer sobre a mídia, que levou cerca de uma semana para começar a noticiar seriamente este que já é um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil?
Wladimir Coelho: (Vício do historiador.) Durante anos, existiu no Brasil um noticiário, primeiro no rádio e depois na TV, intitulado Repórter Esso. Este programa ignorou toda a campanha ‘O petróleo é nosso!’ dos anos 50, caluniou os defensores da Petrobrás e ainda aparece em muitos manuais como exemplo de jornalismo.
O mineiro Arthur Bernardes, durante a campanha ‘O petróleo é nosso!’, levantou o problema da imprensa, ou grande imprensa, revelando a dependência desta das verbas publicitárias das companhias de petróleo.
O modelo Repórter Esso continua. O acidente aconteceu em um campo cuja operação de perfuração encontra-se sob responsabilidade da Chevron e os jornais ainda encontram meios de responsabilizar a Petrobras. Isso não é sério.
Limitam-se, os noticiários, ao fato do derramamento sem questionar o modelo de exploração que originou a prática predatória e ainda transmitem a idéia da simples “evaporação” do óleo, desconsiderando-se os prejuízos posteriores, além da idéia da multa como forma de punição.
Correio da Cidadania: E a reação do governo brasileiro? O que pensa das primeiras respostas dadas por seus representantes e as multas até agora anunciadas? Como avalia a atuação da ANP e do Ibama na questão até aqui?
Wladimir Coelho: O governo brasileiro, ao impor, seguindo a vontade dos oligopólios, a nova legislação petrolífera – temos duas e, neste caso, refiro-me à legislação do chamado Pré-Sal –, abriu mão do controle da política econômica do petróleo.
O modelo de regulação, simbolizado nesta representante dos oligopólios chamada ANP, torna o Estado fraco diante do poder econômico das petrolíferas. A resposta ideal do governo seria a imediata intervenção no atual modelo de exploração predatória, voltado à criação de meios rápidos para a exportação do petróleo e ignorando as normas básicas de segurança.
Entretanto, desde os anos 90, o Brasil abriu mão de sua soberania energética, submetendo-se aos ditames do fundamentalismo neoliberal. Acabar com o modelo de exploração predatória significa considerar a possibilidade de instituir o monopólio através de uma empresa nacional com responsabilidade de garantir a segurança energética nacional. Aliás, esta empresa existe desde 1953...
Fora desta fórmula, vamos continuar assistindo ao festival pirotécnico destas agências que seguem o mesmo modelo de suas similares mundo afora. Quanto à multa, a declaração de um executivo da Chevron a Reuters resume tudo: “A multa é pequena em relação ao valor de mercado da Chevron”. Em tempo: a multa foi estipulada em U$ 28 milhões, enquanto a empresa é avaliada em U$ 187 bilhões. Tem razão o executivo.
Correio da Cidadania: Acredita que o acidente possa ensejar discussões mais sérias acerca das leis de exploração do petróleo, tanto sobre os leilões já em andamento como do Pré-Sal ainda a ser explorado? Ou veremos meras cortinas de fumaça que em nada mudarão a lógica da exploração desse mineral?
Wladimir Coelho: Sem dúvida o momento possibilita o início da discussão do modelo de exploração. Todavia, sabemos dos limites oferecidos à análise do tema tendo em vista o poder econômico dos oligopólios.
A campanha publicitária em torno das potencialidades do Pré-Sal foi realizada a partir da idéia e necessidade de sua rápida exploração como forma de salvar o Brasil. Modificar este imaginário não será uma tarefa fácil. Entretanto, as forças identificadas com a defesa dos interesses nacionais deveriam aumentar as suas mobilizações neste momento, dissipando, pra usar o termo da pergunta, a cortina de fumaça dos Royalties como principal vantagem do Pré-Sal.
Correio da Cidadania: Mas o senhor não acredita que o governo brasileiro pode aproveitar esse enorme fiasco de uma multinacional estrangeira para levar adiante projetos que visem uma maior fatia da receita petrolífera para nosso país, sofrendo menos com o lobby escuso em favor de tais multinacionais? Ou o entreguismo continuará se disfarçando em medidas paliativas e discussões sobre as migalhas dos royalties, tal como se vê nos últimos tempos?
Wladimir Coelho: Nos Estados Unidos todas as limitações criadas para impedir a exploração de risco no mar ou no Alasca estão caindo. Enquanto o governo brasileiro sequer insinuou utilizar os termos da moratória da exploração do Pré-Sal, nos EUA isso chegou a acontecer no Golfo e no Alasca, para rever os métodos de extração, fiscalização e segurança aplicados.
Além disso, a exploração predatória do Pré-Sal assume hoje um papel pouco debatido diante da crise financeira mundial. Trata-se da destinação dos eventuais recursos decorrentes da exploração, pagos ao Estado, à formação de um fundo para compra de títulos (públicos e privados), contribuindo deste modo para a retirada de circulação dos famosos ativos tóxicos encalhados nos cofres dos banqueiros.
O modelo de exploração do petróleo brasileiro, infelizmente, segue a nossa terrível tradição colonial.
Correio da Cidadania: Em sua opinião, que modelo o Brasil deveria aplicar na exploração do petróleo do Pré-Sal?
Wladimir Coelho: Defendo o modelo que busca a auto-suficiência, cuja implantação iniciou-se em 1953 e nunca chegou a sua efetividade. Para este fim torna-se necessário o controle do petróleo em sua condição de bem mineral e econômico. Controlar o petróleo é controlar a base da produção.
Vejamos: o governo anuncia – como forma de superar a crise financeira internacional – a necessidade de fortalecimento do mercado interno. Todavia, para gerar esta riqueza nacional, sabemos todos, torna-se necessária uma política econômica que assegure o abastecimento de matéria prima e combustível. O petróleo é a base desta política.
Os meios para garantir tal segurança na produção não estão na existência de uma agência reguladora destinada à distribuição de áreas produtivas entre os oligopólios, mas no fortalecimento de uma empresa nacional comprometida com o projeto de desenvolvimento.
Acredito que o fortalecimento da Petrobras, retomando o papel de executora da política econômica do petróleo, torna-se necessário diante das evidentes intenções coloniais presentes na forma regulatória implantada no Brasil.
Gabriel Brito é jornalista.
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