quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
Valter Pomar: Os últimos assassinatos da Ditadura
Valter Pomar: Os últimos assassinatos da Ditadura: O texto abaixo foi escrito em 2000 por Carlos Eduardo Carvalho e divulgado sob o título A Chacina da Lapa. Os últimos assassinatos da Ditad...
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
A mídia não sabe o que fazer com o livro "A privataria tucana"
Um curioso espírito de ordem unida baixou sobre a Rede Globo, a Editora Abril, a Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e outros. Ninguém fura o bloqueio da mudez, numa sinistra brincadeira de “vaca amarela” entre senhores e senhoras respeitáveis. Como ficarão as listas dos mais vendidos, escancaradas por jornais e revistas? Ignorarão o fato de o livro ter esgotado 15 mil exemplares em 48 horas?
Por Gilberto Maringoni
(http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5354)
Há uma batata quente na agenda nacional. A mídia e o PSDB ainda não sabem o que fazer com A privataria tucana, de Amaury Ribeiro Jr. A cúpula do PT também ignora solenemente o assunto, assim como suas principais lideranças. O presidente da legenda, Rui Falcão, vai mais longe: abriu processo contra o autor da obra, por se sentir atingido em uma história na qual teria passado informações à revista Veja. O objetivo seria alimentar intrigas internas, durante a campanha presidencial de 2010. A frente mídia-PSDB-PT pareceria surreal meses atrás.
Três parlamentares petistas, no entanto, usaram a tribuna da Câmara, nesta segunda, para falar do livro. São eles Paulo Pimenta (RS), Claudio Puty (PA) e Amaury Teixeira (BA). O delegado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP) começa a colher assinaturas para a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os temas denunciados no livro. Já o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) indagou: "Nenhum jornalão comentou o procuradíssimo livro A privataria tucana. Reportagens sobre corrupção têm critérios seletivos?”
O silêncio dos coniventes
O silêncio maior, evidentemente, fica com os meios de comunicação. Desde o início da semana passada, quando a obra foi para as livrarias, um manto de silêncio se abateu sobre jornais, revistas e TVs, com a honrosa exceção de CartaCapital.
As grandes empresas de mídia adoram posar de campeãs da liberdade de expressão. Acusam seus adversários – aqueles que se batem por uma regulamentação da atividade de comunicação no Brasil – de desejarem a volta da censura ao Brasil.
O mutismo sobre o lançamento mais importante do ano deve ser chamado de que? De liberdade de decidir o que ocultar? De excesso de cuidado na edição?
Um curioso espírito de ordem unida baixou sobre a Rede Globo, a Editora Abril, a Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e outros. Ninguém fura o bloqueio da mudez, numa sinistra brincadeira de “vaca amarela” entre senhores e senhoras respeitáveis. Que acordo foi selado entre os grandes meios para que uma das grandes pautas do ano fosse um não tema, um não-fato, algo inexistente para grande parte do público?
Comissão da verdade
Privatização é um tema sensível em toda a América Latina. No Brasil, uma pesquisa de 2007, realizada pelo jornal O Estado de S. Paulo e pelo Instituto Ipsos detectou que 62% da população era contra a venda de patrimônio público. Nas eleições de 2006, o assunto foi decisivo para a vitória de Lula (PT) sobre Geraldo Alckmin (PSDB).
Que a imprensa discorde do conteúdo do livro, apesar da farta documentação, tudo bem. Mas a obra é, em si, um fato jornalístico. Revela as vísceras de um processo que está a merecer também uma comissão da verdade, para que o país tome ciência das reais motivações de um dos maiores processos de transferência patrimonial da História.
Como ficarão as listas dos mais vendidos, escancaradas por jornais e revistas? Ignorarão o fato de o livro ter esgotado 15 mil exemplares em 48 horas?
O expediente não é inédito. Há 12 anos, outra investigação sobre o mesmo tema – o clássico O Brasil privatizado, de Aloysio Biondi – alcançou a formidável marca de 170 mil exemplares vendidos. Nenhuma lista publicou o feito. O pretexto: foram vendas diretas, feitas por sindicatos e entidades populares, através de livreiros autônomos. O que valeria na contagem seriam livrarias comerciais.
E agora? A privataria tucana faz ótima carreira nas grandes livrarias e magazines virtuais.
Deu no New York Times
O cartunista Henfil (1944-1988) costumava dizer, nos anos 1970, que só se poderia ter certeza de algo que saísse no New York Times. Notícias sobre prisões, torturas, crise econômica no Brasil não eram estampadas pela mídia local, submetida a rígida censura. Mas dava no NYT. Aliás, esse era o título de seu único longa metragem, Tanga: deu no New York Times, de 1987. Era a história de um ditador caribenho que tomava conhecimento dos fatos do mundo através do único exemplar do jornal enviado ao seu país. As informações eram sonegadas ao restante da população.
Hoje quem sonega informação no Brasil é a própria grande mídia, numa espécie de censura privada. O título do filme do Henfil poderia ser atualizado para “Deu na internet”. As redes virtuais furaram um bloqueio que parecia inexpugnável. E deixam a mídia bem mal na foto...
Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
‘Governo brasileiro abriu mão do controle da política econômica do petróleo’
POR GABRIEL BRITO
No último dia 7 de novembro, o Brasil finalmente teve uma dura lição sobre as conseqüências da entrega da soberania nacional a empresas estrangeiras. Operadora do campo de Frade, na Bacia de Campos, a empresa anglo-americana Chevron causou o maior desastre ambiental da história do país ao permitir vazamento de óleo do poço que perfurava. Após primárias investigações, já se notou enorme negligência da empresa e uso de equipamentos ultrapassados e envelhecidos – além de fiscalização nula.
Ainda não se pode medir a proporção do desastre, mas sim a leniência do governo brasileiro, que, através do Ibama e ANP (a Agência Nacional do Petróleo, dominada pelo PC do B), anunciou multas irrisórias e pareceu mais trabalhar como advogado da empresa. Esta, por sua vez, repetiu sua conduta criminosa já vista em outros países e tratou o tempo todo de mentir e dissimular sobre o tamanho do vazamento. Para isso, contou com prestimosa ajuda da mídia, velha associada dos cartéis de petróleo, de modo que o desastre da BP no Golfo do México tomou conta dos nossos noticiários com muito mais força e rapidez do que o vazamento ocorrido em nosso próprio país...
Diante de tamanho quadro de confusão do público, o Correio da Cidadania entrevistou o economista e estudioso da área petrolífera Wladmir Coelho. Dono de blog que publica artigos sobre o assunto, Wladmir denuncia o caráter depredador e imediatista da exploração do ouro negro, dentro de um bizarro quadro de duas legislações para o setor: uma para o Pré-Sal, e outra para o petróleo que já se havia descoberto. A despeito da ninharia dos royalties, ambas as leis têm em comum o entreguismo e o objetivo de manter intactas as reservas e lucros de multinacionais cada vez mais desesperadas por novos pólos de exploração petrolífera.
Para se ter idéia da falta de qualquer caráter pró-pátria de nossos atuais dirigentes, o total de multas anunciado pelo Brasil mal atinge os 200 milhões de reais. Por desastre semelhante no Equador, o governo daquele país exige 18 bilhões de dólares! Aliás, vale a pena conferir a conduta da Chevron em alguns casos citados por Wladmir. “Má fé e Chevron, quando o assunto é tragédia ambiental, podem ser considerados sinônimos. O modelo de exploração do petróleo brasileiro, infelizmente, segue a nossa terrível tradição colonial”.
Ele lembra ainda de outro grande complicador para a difusão de um debate qualificado sobre nosso petróleo, conhecido por todos aqueles que lutam contra um governo magistral na arte de iludir o povo com ofensivas travestidas de redenção nacional: “A campanha publicitária em torno das potencialidades do pré-sal foi realizada a partir da idéia e necessidade de sua rápida exploração como forma de salvar o Brasil. Modificar este imaginário não será uma tarefa fácil”.
Correio da Cidadania: Em sua opinião, o que causou o vazamento de petróleo no campo de Frade, sob responsabilidade da multinacional Chevron?
Wladimir Coelho: A responsabilidade da Chevron está ligada à tradição dos oligopólios petrolíferos em disputar centímetro por centímetro as áreas com potencial produtivo em busca do lucro fácil e rápido.
Esta afirmativa pode soar repetitiva, afinal, sabemos todos que desde o início do século XX verifica-se uma evidente movimentação dos oligopólios no sentido de controlar o petróleo encontrado em terra, notadamente aquele existente na Ásia (Oriente Médio, Irã etc.), cuja exploração apresentava-se facilitada em função de sua abundância e baixo custo operacional, neste caso incluindo-se a subserviência dos governantes que lucravam e lucram entregando uma riqueza do povo às empresas petrolíferas.
Atualmente, estes campos antigos mostram sinais de esgotamento, tornando-se evidente a sombra da crise de abastecimento para os maiores consumidores. Restam, desta forma, as áreas preservadas ao longo dos anos localizadas nas profundezas marinhas ou no extremo norte do planeta atingido pelo aquecimento.
Brasil, México, Estados Unidos, Rússia, Noruega, Inglaterra apresentam áreas com potencial produtivo em locais de difícil acesso e se igualam no modelo exploratório quando o tema é irresponsabilidade quanto à segurança.
Para superar a queda na produção dos poços em terra, aceleram-se as licenças para a exploração nas profundidades oceânicas aplicando-se a máxima do fundamentalismo liberal de mínima regulação e crença na auto-fiscalização e gestão “responsável”. O resultado nós assistimos nos derramamentos do Mar do Norte, Golfo do México e agora no Brasil.
A crise geral do modelo regulatório financeiro repete-se nas tragédias ecológicas. Eficiência para a empresa não está associada à preservação da vida ou ganhos sociais. Eficiência para estes grupos significa lucro, pagamento de elevados benefícios aos executivos, dividendos aos acionistas, majoritariamente grandes bancos. E para este fim, o menor custo das operações torna-se a regra, mesmo que signifique a morte de operários em explosões de plataformas, poluição, prejuízos aos que vivem da pesca, turismo...
Correio da Cidadania: Como analisa a reação da empresa no primeiro momento e as informações que foram passadas ao governo e ao público? Fica evidente sua má-fé?
Wladimir Coelho: Má fé e Chevron, quando o assunto é tragédia ambiental, podem ser considerados sinônimos. Esta empresa apresenta-se envolvida em crimes terríveis contra populações inteiras, incluindo seu país de origem, os Estados Unidos.
No Equador, esta empresa envenenou a água da população amazônica derramando, conscientemente, refugo em rios. Ao ser denunciada, adulterou dados, subornou juízes e, quando condenada, falsificou uma limpeza. Até hoje a multa de U$18 bilhões não foi paga.
Na África, nos anos 90, promoveu um massacre contra camponeses nigerianos que “ousaram” protestar contra um derramamento de óleo que matou o gado, inutilizou a terra e envenenou a água. A Chevron contratou a polícia para matar os camponeses.
Em Angola, no ano de 2002, uma comissão concluiu que a causa de um grande vazamento foi decorrente da baixa qualidade dos canos usados para o transporte do óleo. A empresa foi multada e continua operando naquele país.
Nos Estados Unidos, os californianos exigem o pagamento de indenizações relativas à poluição de uma refinaria da empresa que opera desde o início do século XX, além de violação ao Clean Air Act.
Mentir e manter a mentira faz parte da estratégia da Chevron para manter os lucros, pouco importando os danos causados à vida e à natureza.
Correio da Cidadania: Diante de tamanho histórico, o que teria a dizer sobre a mídia, que levou cerca de uma semana para começar a noticiar seriamente este que já é um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil?
Wladimir Coelho: (Vício do historiador.) Durante anos, existiu no Brasil um noticiário, primeiro no rádio e depois na TV, intitulado Repórter Esso. Este programa ignorou toda a campanha ‘O petróleo é nosso!’ dos anos 50, caluniou os defensores da Petrobrás e ainda aparece em muitos manuais como exemplo de jornalismo.
O mineiro Arthur Bernardes, durante a campanha ‘O petróleo é nosso!’, levantou o problema da imprensa, ou grande imprensa, revelando a dependência desta das verbas publicitárias das companhias de petróleo.
O modelo Repórter Esso continua. O acidente aconteceu em um campo cuja operação de perfuração encontra-se sob responsabilidade da Chevron e os jornais ainda encontram meios de responsabilizar a Petrobras. Isso não é sério.
Limitam-se, os noticiários, ao fato do derramamento sem questionar o modelo de exploração que originou a prática predatória e ainda transmitem a idéia da simples “evaporação” do óleo, desconsiderando-se os prejuízos posteriores, além da idéia da multa como forma de punição.
Correio da Cidadania: E a reação do governo brasileiro? O que pensa das primeiras respostas dadas por seus representantes e as multas até agora anunciadas? Como avalia a atuação da ANP e do Ibama na questão até aqui?
Wladimir Coelho: O governo brasileiro, ao impor, seguindo a vontade dos oligopólios, a nova legislação petrolífera – temos duas e, neste caso, refiro-me à legislação do chamado Pré-Sal –, abriu mão do controle da política econômica do petróleo.
O modelo de regulação, simbolizado nesta representante dos oligopólios chamada ANP, torna o Estado fraco diante do poder econômico das petrolíferas. A resposta ideal do governo seria a imediata intervenção no atual modelo de exploração predatória, voltado à criação de meios rápidos para a exportação do petróleo e ignorando as normas básicas de segurança.
Entretanto, desde os anos 90, o Brasil abriu mão de sua soberania energética, submetendo-se aos ditames do fundamentalismo neoliberal. Acabar com o modelo de exploração predatória significa considerar a possibilidade de instituir o monopólio através de uma empresa nacional com responsabilidade de garantir a segurança energética nacional. Aliás, esta empresa existe desde 1953...
Fora desta fórmula, vamos continuar assistindo ao festival pirotécnico destas agências que seguem o mesmo modelo de suas similares mundo afora. Quanto à multa, a declaração de um executivo da Chevron a Reuters resume tudo: “A multa é pequena em relação ao valor de mercado da Chevron”. Em tempo: a multa foi estipulada em U$ 28 milhões, enquanto a empresa é avaliada em U$ 187 bilhões. Tem razão o executivo.
Correio da Cidadania: Acredita que o acidente possa ensejar discussões mais sérias acerca das leis de exploração do petróleo, tanto sobre os leilões já em andamento como do Pré-Sal ainda a ser explorado? Ou veremos meras cortinas de fumaça que em nada mudarão a lógica da exploração desse mineral?
Wladimir Coelho: Sem dúvida o momento possibilita o início da discussão do modelo de exploração. Todavia, sabemos dos limites oferecidos à análise do tema tendo em vista o poder econômico dos oligopólios.
A campanha publicitária em torno das potencialidades do Pré-Sal foi realizada a partir da idéia e necessidade de sua rápida exploração como forma de salvar o Brasil. Modificar este imaginário não será uma tarefa fácil. Entretanto, as forças identificadas com a defesa dos interesses nacionais deveriam aumentar as suas mobilizações neste momento, dissipando, pra usar o termo da pergunta, a cortina de fumaça dos Royalties como principal vantagem do Pré-Sal.
Correio da Cidadania: Mas o senhor não acredita que o governo brasileiro pode aproveitar esse enorme fiasco de uma multinacional estrangeira para levar adiante projetos que visem uma maior fatia da receita petrolífera para nosso país, sofrendo menos com o lobby escuso em favor de tais multinacionais? Ou o entreguismo continuará se disfarçando em medidas paliativas e discussões sobre as migalhas dos royalties, tal como se vê nos últimos tempos?
Wladimir Coelho: Nos Estados Unidos todas as limitações criadas para impedir a exploração de risco no mar ou no Alasca estão caindo. Enquanto o governo brasileiro sequer insinuou utilizar os termos da moratória da exploração do Pré-Sal, nos EUA isso chegou a acontecer no Golfo e no Alasca, para rever os métodos de extração, fiscalização e segurança aplicados.
Além disso, a exploração predatória do Pré-Sal assume hoje um papel pouco debatido diante da crise financeira mundial. Trata-se da destinação dos eventuais recursos decorrentes da exploração, pagos ao Estado, à formação de um fundo para compra de títulos (públicos e privados), contribuindo deste modo para a retirada de circulação dos famosos ativos tóxicos encalhados nos cofres dos banqueiros.
O modelo de exploração do petróleo brasileiro, infelizmente, segue a nossa terrível tradição colonial.
Correio da Cidadania: Em sua opinião, que modelo o Brasil deveria aplicar na exploração do petróleo do Pré-Sal?
Wladimir Coelho: Defendo o modelo que busca a auto-suficiência, cuja implantação iniciou-se em 1953 e nunca chegou a sua efetividade. Para este fim torna-se necessário o controle do petróleo em sua condição de bem mineral e econômico. Controlar o petróleo é controlar a base da produção.
Vejamos: o governo anuncia – como forma de superar a crise financeira internacional – a necessidade de fortalecimento do mercado interno. Todavia, para gerar esta riqueza nacional, sabemos todos, torna-se necessária uma política econômica que assegure o abastecimento de matéria prima e combustível. O petróleo é a base desta política.
Os meios para garantir tal segurança na produção não estão na existência de uma agência reguladora destinada à distribuição de áreas produtivas entre os oligopólios, mas no fortalecimento de uma empresa nacional comprometida com o projeto de desenvolvimento.
Acredito que o fortalecimento da Petrobras, retomando o papel de executora da política econômica do petróleo, torna-se necessário diante das evidentes intenções coloniais presentes na forma regulatória implantada no Brasil.
Gabriel Brito é jornalista.
No último dia 7 de novembro, o Brasil finalmente teve uma dura lição sobre as conseqüências da entrega da soberania nacional a empresas estrangeiras. Operadora do campo de Frade, na Bacia de Campos, a empresa anglo-americana Chevron causou o maior desastre ambiental da história do país ao permitir vazamento de óleo do poço que perfurava. Após primárias investigações, já se notou enorme negligência da empresa e uso de equipamentos ultrapassados e envelhecidos – além de fiscalização nula.
Ainda não se pode medir a proporção do desastre, mas sim a leniência do governo brasileiro, que, através do Ibama e ANP (a Agência Nacional do Petróleo, dominada pelo PC do B), anunciou multas irrisórias e pareceu mais trabalhar como advogado da empresa. Esta, por sua vez, repetiu sua conduta criminosa já vista em outros países e tratou o tempo todo de mentir e dissimular sobre o tamanho do vazamento. Para isso, contou com prestimosa ajuda da mídia, velha associada dos cartéis de petróleo, de modo que o desastre da BP no Golfo do México tomou conta dos nossos noticiários com muito mais força e rapidez do que o vazamento ocorrido em nosso próprio país...
Diante de tamanho quadro de confusão do público, o Correio da Cidadania entrevistou o economista e estudioso da área petrolífera Wladmir Coelho. Dono de blog que publica artigos sobre o assunto, Wladmir denuncia o caráter depredador e imediatista da exploração do ouro negro, dentro de um bizarro quadro de duas legislações para o setor: uma para o Pré-Sal, e outra para o petróleo que já se havia descoberto. A despeito da ninharia dos royalties, ambas as leis têm em comum o entreguismo e o objetivo de manter intactas as reservas e lucros de multinacionais cada vez mais desesperadas por novos pólos de exploração petrolífera.
Para se ter idéia da falta de qualquer caráter pró-pátria de nossos atuais dirigentes, o total de multas anunciado pelo Brasil mal atinge os 200 milhões de reais. Por desastre semelhante no Equador, o governo daquele país exige 18 bilhões de dólares! Aliás, vale a pena conferir a conduta da Chevron em alguns casos citados por Wladmir. “Má fé e Chevron, quando o assunto é tragédia ambiental, podem ser considerados sinônimos. O modelo de exploração do petróleo brasileiro, infelizmente, segue a nossa terrível tradição colonial”.
Ele lembra ainda de outro grande complicador para a difusão de um debate qualificado sobre nosso petróleo, conhecido por todos aqueles que lutam contra um governo magistral na arte de iludir o povo com ofensivas travestidas de redenção nacional: “A campanha publicitária em torno das potencialidades do pré-sal foi realizada a partir da idéia e necessidade de sua rápida exploração como forma de salvar o Brasil. Modificar este imaginário não será uma tarefa fácil”.
Correio da Cidadania: Em sua opinião, o que causou o vazamento de petróleo no campo de Frade, sob responsabilidade da multinacional Chevron?
Wladimir Coelho: A responsabilidade da Chevron está ligada à tradição dos oligopólios petrolíferos em disputar centímetro por centímetro as áreas com potencial produtivo em busca do lucro fácil e rápido.
Esta afirmativa pode soar repetitiva, afinal, sabemos todos que desde o início do século XX verifica-se uma evidente movimentação dos oligopólios no sentido de controlar o petróleo encontrado em terra, notadamente aquele existente na Ásia (Oriente Médio, Irã etc.), cuja exploração apresentava-se facilitada em função de sua abundância e baixo custo operacional, neste caso incluindo-se a subserviência dos governantes que lucravam e lucram entregando uma riqueza do povo às empresas petrolíferas.
Atualmente, estes campos antigos mostram sinais de esgotamento, tornando-se evidente a sombra da crise de abastecimento para os maiores consumidores. Restam, desta forma, as áreas preservadas ao longo dos anos localizadas nas profundezas marinhas ou no extremo norte do planeta atingido pelo aquecimento.
Brasil, México, Estados Unidos, Rússia, Noruega, Inglaterra apresentam áreas com potencial produtivo em locais de difícil acesso e se igualam no modelo exploratório quando o tema é irresponsabilidade quanto à segurança.
Para superar a queda na produção dos poços em terra, aceleram-se as licenças para a exploração nas profundidades oceânicas aplicando-se a máxima do fundamentalismo liberal de mínima regulação e crença na auto-fiscalização e gestão “responsável”. O resultado nós assistimos nos derramamentos do Mar do Norte, Golfo do México e agora no Brasil.
A crise geral do modelo regulatório financeiro repete-se nas tragédias ecológicas. Eficiência para a empresa não está associada à preservação da vida ou ganhos sociais. Eficiência para estes grupos significa lucro, pagamento de elevados benefícios aos executivos, dividendos aos acionistas, majoritariamente grandes bancos. E para este fim, o menor custo das operações torna-se a regra, mesmo que signifique a morte de operários em explosões de plataformas, poluição, prejuízos aos que vivem da pesca, turismo...
Correio da Cidadania: Como analisa a reação da empresa no primeiro momento e as informações que foram passadas ao governo e ao público? Fica evidente sua má-fé?
Wladimir Coelho: Má fé e Chevron, quando o assunto é tragédia ambiental, podem ser considerados sinônimos. Esta empresa apresenta-se envolvida em crimes terríveis contra populações inteiras, incluindo seu país de origem, os Estados Unidos.
No Equador, esta empresa envenenou a água da população amazônica derramando, conscientemente, refugo em rios. Ao ser denunciada, adulterou dados, subornou juízes e, quando condenada, falsificou uma limpeza. Até hoje a multa de U$18 bilhões não foi paga.
Na África, nos anos 90, promoveu um massacre contra camponeses nigerianos que “ousaram” protestar contra um derramamento de óleo que matou o gado, inutilizou a terra e envenenou a água. A Chevron contratou a polícia para matar os camponeses.
Em Angola, no ano de 2002, uma comissão concluiu que a causa de um grande vazamento foi decorrente da baixa qualidade dos canos usados para o transporte do óleo. A empresa foi multada e continua operando naquele país.
Nos Estados Unidos, os californianos exigem o pagamento de indenizações relativas à poluição de uma refinaria da empresa que opera desde o início do século XX, além de violação ao Clean Air Act.
Mentir e manter a mentira faz parte da estratégia da Chevron para manter os lucros, pouco importando os danos causados à vida e à natureza.
Correio da Cidadania: Diante de tamanho histórico, o que teria a dizer sobre a mídia, que levou cerca de uma semana para começar a noticiar seriamente este que já é um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil?
Wladimir Coelho: (Vício do historiador.) Durante anos, existiu no Brasil um noticiário, primeiro no rádio e depois na TV, intitulado Repórter Esso. Este programa ignorou toda a campanha ‘O petróleo é nosso!’ dos anos 50, caluniou os defensores da Petrobrás e ainda aparece em muitos manuais como exemplo de jornalismo.
O mineiro Arthur Bernardes, durante a campanha ‘O petróleo é nosso!’, levantou o problema da imprensa, ou grande imprensa, revelando a dependência desta das verbas publicitárias das companhias de petróleo.
O modelo Repórter Esso continua. O acidente aconteceu em um campo cuja operação de perfuração encontra-se sob responsabilidade da Chevron e os jornais ainda encontram meios de responsabilizar a Petrobras. Isso não é sério.
Limitam-se, os noticiários, ao fato do derramamento sem questionar o modelo de exploração que originou a prática predatória e ainda transmitem a idéia da simples “evaporação” do óleo, desconsiderando-se os prejuízos posteriores, além da idéia da multa como forma de punição.
Correio da Cidadania: E a reação do governo brasileiro? O que pensa das primeiras respostas dadas por seus representantes e as multas até agora anunciadas? Como avalia a atuação da ANP e do Ibama na questão até aqui?
Wladimir Coelho: O governo brasileiro, ao impor, seguindo a vontade dos oligopólios, a nova legislação petrolífera – temos duas e, neste caso, refiro-me à legislação do chamado Pré-Sal –, abriu mão do controle da política econômica do petróleo.
O modelo de regulação, simbolizado nesta representante dos oligopólios chamada ANP, torna o Estado fraco diante do poder econômico das petrolíferas. A resposta ideal do governo seria a imediata intervenção no atual modelo de exploração predatória, voltado à criação de meios rápidos para a exportação do petróleo e ignorando as normas básicas de segurança.
Entretanto, desde os anos 90, o Brasil abriu mão de sua soberania energética, submetendo-se aos ditames do fundamentalismo neoliberal. Acabar com o modelo de exploração predatória significa considerar a possibilidade de instituir o monopólio através de uma empresa nacional com responsabilidade de garantir a segurança energética nacional. Aliás, esta empresa existe desde 1953...
Fora desta fórmula, vamos continuar assistindo ao festival pirotécnico destas agências que seguem o mesmo modelo de suas similares mundo afora. Quanto à multa, a declaração de um executivo da Chevron a Reuters resume tudo: “A multa é pequena em relação ao valor de mercado da Chevron”. Em tempo: a multa foi estipulada em U$ 28 milhões, enquanto a empresa é avaliada em U$ 187 bilhões. Tem razão o executivo.
Correio da Cidadania: Acredita que o acidente possa ensejar discussões mais sérias acerca das leis de exploração do petróleo, tanto sobre os leilões já em andamento como do Pré-Sal ainda a ser explorado? Ou veremos meras cortinas de fumaça que em nada mudarão a lógica da exploração desse mineral?
Wladimir Coelho: Sem dúvida o momento possibilita o início da discussão do modelo de exploração. Todavia, sabemos dos limites oferecidos à análise do tema tendo em vista o poder econômico dos oligopólios.
A campanha publicitária em torno das potencialidades do Pré-Sal foi realizada a partir da idéia e necessidade de sua rápida exploração como forma de salvar o Brasil. Modificar este imaginário não será uma tarefa fácil. Entretanto, as forças identificadas com a defesa dos interesses nacionais deveriam aumentar as suas mobilizações neste momento, dissipando, pra usar o termo da pergunta, a cortina de fumaça dos Royalties como principal vantagem do Pré-Sal.
Correio da Cidadania: Mas o senhor não acredita que o governo brasileiro pode aproveitar esse enorme fiasco de uma multinacional estrangeira para levar adiante projetos que visem uma maior fatia da receita petrolífera para nosso país, sofrendo menos com o lobby escuso em favor de tais multinacionais? Ou o entreguismo continuará se disfarçando em medidas paliativas e discussões sobre as migalhas dos royalties, tal como se vê nos últimos tempos?
Wladimir Coelho: Nos Estados Unidos todas as limitações criadas para impedir a exploração de risco no mar ou no Alasca estão caindo. Enquanto o governo brasileiro sequer insinuou utilizar os termos da moratória da exploração do Pré-Sal, nos EUA isso chegou a acontecer no Golfo e no Alasca, para rever os métodos de extração, fiscalização e segurança aplicados.
Além disso, a exploração predatória do Pré-Sal assume hoje um papel pouco debatido diante da crise financeira mundial. Trata-se da destinação dos eventuais recursos decorrentes da exploração, pagos ao Estado, à formação de um fundo para compra de títulos (públicos e privados), contribuindo deste modo para a retirada de circulação dos famosos ativos tóxicos encalhados nos cofres dos banqueiros.
O modelo de exploração do petróleo brasileiro, infelizmente, segue a nossa terrível tradição colonial.
Correio da Cidadania: Em sua opinião, que modelo o Brasil deveria aplicar na exploração do petróleo do Pré-Sal?
Wladimir Coelho: Defendo o modelo que busca a auto-suficiência, cuja implantação iniciou-se em 1953 e nunca chegou a sua efetividade. Para este fim torna-se necessário o controle do petróleo em sua condição de bem mineral e econômico. Controlar o petróleo é controlar a base da produção.
Vejamos: o governo anuncia – como forma de superar a crise financeira internacional – a necessidade de fortalecimento do mercado interno. Todavia, para gerar esta riqueza nacional, sabemos todos, torna-se necessária uma política econômica que assegure o abastecimento de matéria prima e combustível. O petróleo é a base desta política.
Os meios para garantir tal segurança na produção não estão na existência de uma agência reguladora destinada à distribuição de áreas produtivas entre os oligopólios, mas no fortalecimento de uma empresa nacional comprometida com o projeto de desenvolvimento.
Acredito que o fortalecimento da Petrobras, retomando o papel de executora da política econômica do petróleo, torna-se necessário diante das evidentes intenções coloniais presentes na forma regulatória implantada no Brasil.
Gabriel Brito é jornalista.
Afinal, quem é nosso inimigo?
ESCRITO POR WLADIMIR POMAR
Tenho um medo que me pela da geração que se acha treinada em ler nas entrelinhas e pensa poder decifrar as intenções dos discursos oficiais. O mesmo em relação à geração de nacionalistas, como muitos dos militares do regime ditatorial, que confundiram os inimigos e tudo fizeram para destruir justamente aqueles que lutavam por um Brasil independente e soberano.
Percebo um crescente número de nacionalistas desse tipo preocupados com a ausência de compras chinesas de produtos industriais brasileiros. Eles acusam a China de ter transformado o Brasil em simples exportador de alimentos e matérias-primas. Eles também reclamam que, em passado recente, exportamos geradores para Três Gargantas, e agora estamos importando geradores da China. Afirmam que, ingenuamente, aceitamos instalar uma filial da Embraer na China, mas que os chineses clonaram o avião brasileiro e hoje competem com ele no mercado mundial.
Supondo que tudo isso seja verdadeiro, o que nos impediu de ser mais rápidos do que os chineses, industrializando o Brasil e elevando a competitividade de nossos produtos? Afinal, até os anos 1970, a indústria brasileira era mais adiantada e competitiva do que a chinesa, e de lá para cá, se tornou muito mais atrasada e menos competitiva. Culpa da China, ou das classes dominantes brasileiras e de seu espírito de colonizado?
O pior é que esses nacionalistas, numa leitura simplista, consideram que a China está em situação pior que o Brasil, não no passado, mas atualmente. Por que? Porque, segundo eles, mais de 80% da população brasileira está em áreas urbanas, 50% em metropolitanas, e nem chegamos aos 200 milhões de habitantes, enquanto menos de 50% da população chinesa, de 1,36 bilhão de habitantes, estariam nas áreas urbanas.
Conclusão: a renda rural média chinesa, sendo um terço da renda urbana média, tornaria inexorável a transferência de mais de 400 milhões de pessoas para as cidades chinesas, nos próximos 20 anos. Em conseqüência, a "favelização" das áreas urbanas se tornaria insuportável, tornando impensável o futuro demográfico chinês.
Essa análise é típica de quem não conhece a China, nem distingue a diferença entre os conceitos chinês e brasileiro de área urbana e área rural. No Brasil, vilas de 1500 habitantes são consideradas urbanas.
Na China, só são classificadas como urbanas aglomerações acima de 100 mil habitantes. Se considerarmos que povoados na China podem ter mais de 50 mil habitantes, enquanto aldeias podem chegar até esse número, é preciso ter cuidado para não falar bobagens a respeito.
Se tomarmos a população chinesa pelo conceito brasileiro de área urbana, incluindo aí as aglomerações acima de 20 mil habitantes, talvez a China seja mais urbanizada do que o Brasil. Mesmo porque, ao contrário do Brasil, a industrialização chinesa foi realizada com acentuada dispersão e, desde os anos 1960, incluiu aquilo que mais tarde foi chamado de indústrias de cantões e povoados, ou indústrias rurais.
Ou seja, a China criou e desenvolveu diferentes tipos de indústrias nessas áreas, que hoje envolvem mais de 22 milhões de unidades e 140 milhões de trabalhadores. Em outras palavras, a China vem, há muito, criando condições para evitar a favelização de suas cidades. O que não significa que ela não tenha problemas de desequilíbrios regionais, tanto econômicos, quanto de renda.
Resolver problemas herdados do passado feudal e semicolonial, numa população de mais de um bilhão de pessoas, não é missão que possa ser completada em 60 anos. As políticas de filho único, que não estão sendo relaxadas, como pensam alguns desavisados; de proteção dos lençóis freáticos; de desenvolvimento científico da agricultura, para garantir a segurança alimentar; de reflorestamento e proteção ambiental; e várias outras, fazem parte de um conjunto de estratégias que permitiu à China não apenas desenvolver sua economia, mas também retirar da linha da pobreza e elevar ao nível de classe média, nos últimos 30 anos, mais de 800 milhões de pessoas.
O mesmo tipo de bobagem que deveria ser evitado é comparar, num critério linear, os salários no Brasil e na China. Afirmar que o salário médio brasileiro é muito baixo, o que é verdade, mas que um brasileiro pobre ganha 12 vezes mais que o chinês pobre, significa desconhecer a diferença entre salário nominal e salário real, e as diferenças de poder de compra entre ambos. Os salários nominais chineses são baixos em relação aos padrões internacionais, mas seu poder de compra interno é elevado. Cem dólares na China compram muito mais produtos do que no Brasil.
Apesar desses deslizes na apreciação da situação interna da China, porém, o que mais espanta na análise de vários de nossos nacionalistas é sua visão de não diferir um til sequer do discurso norte-americano e europeu sobre o que chamam de projeto geopolítico e a geoeconômico chinês. Tal projeto estaria transformando a África, a Ásia e a América Latina em simples fornecedores de alimentos e matérias-primas. Em busca de minério de ferro e petróleo, a China teria “ocupado” economicamente o Gabão e Angola, e se expandido pelo extremo sul da América Latina, ameaçando transformar o Mercosul em pura retórica.
A China estaria, assim, repetindo a estratégia do capitalismo do final do século 19: tornar a periferia mundial em fonte de matérias-primas e alimentos. Sua proposta seria neocolonizadora, um risco de "conto do vigário". Os que se contrapõem a essa visão sobre a China seriam vendilhões da pátria, dispostos a entregar energia e alimentos para o neo-sonho imperial chinês. Em resumo, a China amarela passou a ser o inimigo principal para esses nacionalistas.
Isso embora todas as evidências apontem que são os Estados Unidos o pólo do sistema capitalista mundial e o inimigo principal de todos os povos. Embora sua hegemonia pareça estar em declínio, é o império norte-americano que ameaça todos os demais países com guerras. As classes dominantes da Big Apple supõem que as guerras podem não só manter sua economia em funcionamento, como evitar o colapso da indústria bélica e de sua cadeia produtiva, reduzir o número de desempregados e sustar a bancarrota de estados americanos, cuja receita depende da produção de armas.
São os Estados Unidos, chafurdados em dívidas, que dependem, para sua sobrevivência, das riquezas dos países mais pobres. Para sustentar suas políticas e práticas de déficits fiscais, insuficiência de recursos para infra-estrutura, saúde e programas sociais, e para a manutenção de sua máquina militar espalhada pelo mundo, o império norte-americano ingressou no mesmo tipo de política que levou o Império Romano a espalhar conflitos por toda a Europa e Oriente Médio, culpando os bárbaros da época por seu declínio.
É pena que alguns nacionalistas brasileiros não enxerguem essa realidade e tentem tirar o império norte-americano de foco, elevando os bárbaros amarelos a inimigos principais.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
Tenho um medo que me pela da geração que se acha treinada em ler nas entrelinhas e pensa poder decifrar as intenções dos discursos oficiais. O mesmo em relação à geração de nacionalistas, como muitos dos militares do regime ditatorial, que confundiram os inimigos e tudo fizeram para destruir justamente aqueles que lutavam por um Brasil independente e soberano.
Percebo um crescente número de nacionalistas desse tipo preocupados com a ausência de compras chinesas de produtos industriais brasileiros. Eles acusam a China de ter transformado o Brasil em simples exportador de alimentos e matérias-primas. Eles também reclamam que, em passado recente, exportamos geradores para Três Gargantas, e agora estamos importando geradores da China. Afirmam que, ingenuamente, aceitamos instalar uma filial da Embraer na China, mas que os chineses clonaram o avião brasileiro e hoje competem com ele no mercado mundial.
Supondo que tudo isso seja verdadeiro, o que nos impediu de ser mais rápidos do que os chineses, industrializando o Brasil e elevando a competitividade de nossos produtos? Afinal, até os anos 1970, a indústria brasileira era mais adiantada e competitiva do que a chinesa, e de lá para cá, se tornou muito mais atrasada e menos competitiva. Culpa da China, ou das classes dominantes brasileiras e de seu espírito de colonizado?
O pior é que esses nacionalistas, numa leitura simplista, consideram que a China está em situação pior que o Brasil, não no passado, mas atualmente. Por que? Porque, segundo eles, mais de 80% da população brasileira está em áreas urbanas, 50% em metropolitanas, e nem chegamos aos 200 milhões de habitantes, enquanto menos de 50% da população chinesa, de 1,36 bilhão de habitantes, estariam nas áreas urbanas.
Conclusão: a renda rural média chinesa, sendo um terço da renda urbana média, tornaria inexorável a transferência de mais de 400 milhões de pessoas para as cidades chinesas, nos próximos 20 anos. Em conseqüência, a "favelização" das áreas urbanas se tornaria insuportável, tornando impensável o futuro demográfico chinês.
Essa análise é típica de quem não conhece a China, nem distingue a diferença entre os conceitos chinês e brasileiro de área urbana e área rural. No Brasil, vilas de 1500 habitantes são consideradas urbanas.
Na China, só são classificadas como urbanas aglomerações acima de 100 mil habitantes. Se considerarmos que povoados na China podem ter mais de 50 mil habitantes, enquanto aldeias podem chegar até esse número, é preciso ter cuidado para não falar bobagens a respeito.
Se tomarmos a população chinesa pelo conceito brasileiro de área urbana, incluindo aí as aglomerações acima de 20 mil habitantes, talvez a China seja mais urbanizada do que o Brasil. Mesmo porque, ao contrário do Brasil, a industrialização chinesa foi realizada com acentuada dispersão e, desde os anos 1960, incluiu aquilo que mais tarde foi chamado de indústrias de cantões e povoados, ou indústrias rurais.
Ou seja, a China criou e desenvolveu diferentes tipos de indústrias nessas áreas, que hoje envolvem mais de 22 milhões de unidades e 140 milhões de trabalhadores. Em outras palavras, a China vem, há muito, criando condições para evitar a favelização de suas cidades. O que não significa que ela não tenha problemas de desequilíbrios regionais, tanto econômicos, quanto de renda.
Resolver problemas herdados do passado feudal e semicolonial, numa população de mais de um bilhão de pessoas, não é missão que possa ser completada em 60 anos. As políticas de filho único, que não estão sendo relaxadas, como pensam alguns desavisados; de proteção dos lençóis freáticos; de desenvolvimento científico da agricultura, para garantir a segurança alimentar; de reflorestamento e proteção ambiental; e várias outras, fazem parte de um conjunto de estratégias que permitiu à China não apenas desenvolver sua economia, mas também retirar da linha da pobreza e elevar ao nível de classe média, nos últimos 30 anos, mais de 800 milhões de pessoas.
O mesmo tipo de bobagem que deveria ser evitado é comparar, num critério linear, os salários no Brasil e na China. Afirmar que o salário médio brasileiro é muito baixo, o que é verdade, mas que um brasileiro pobre ganha 12 vezes mais que o chinês pobre, significa desconhecer a diferença entre salário nominal e salário real, e as diferenças de poder de compra entre ambos. Os salários nominais chineses são baixos em relação aos padrões internacionais, mas seu poder de compra interno é elevado. Cem dólares na China compram muito mais produtos do que no Brasil.
Apesar desses deslizes na apreciação da situação interna da China, porém, o que mais espanta na análise de vários de nossos nacionalistas é sua visão de não diferir um til sequer do discurso norte-americano e europeu sobre o que chamam de projeto geopolítico e a geoeconômico chinês. Tal projeto estaria transformando a África, a Ásia e a América Latina em simples fornecedores de alimentos e matérias-primas. Em busca de minério de ferro e petróleo, a China teria “ocupado” economicamente o Gabão e Angola, e se expandido pelo extremo sul da América Latina, ameaçando transformar o Mercosul em pura retórica.
A China estaria, assim, repetindo a estratégia do capitalismo do final do século 19: tornar a periferia mundial em fonte de matérias-primas e alimentos. Sua proposta seria neocolonizadora, um risco de "conto do vigário". Os que se contrapõem a essa visão sobre a China seriam vendilhões da pátria, dispostos a entregar energia e alimentos para o neo-sonho imperial chinês. Em resumo, a China amarela passou a ser o inimigo principal para esses nacionalistas.
Isso embora todas as evidências apontem que são os Estados Unidos o pólo do sistema capitalista mundial e o inimigo principal de todos os povos. Embora sua hegemonia pareça estar em declínio, é o império norte-americano que ameaça todos os demais países com guerras. As classes dominantes da Big Apple supõem que as guerras podem não só manter sua economia em funcionamento, como evitar o colapso da indústria bélica e de sua cadeia produtiva, reduzir o número de desempregados e sustar a bancarrota de estados americanos, cuja receita depende da produção de armas.
São os Estados Unidos, chafurdados em dívidas, que dependem, para sua sobrevivência, das riquezas dos países mais pobres. Para sustentar suas políticas e práticas de déficits fiscais, insuficiência de recursos para infra-estrutura, saúde e programas sociais, e para a manutenção de sua máquina militar espalhada pelo mundo, o império norte-americano ingressou no mesmo tipo de política que levou o Império Romano a espalhar conflitos por toda a Europa e Oriente Médio, culpando os bárbaros da época por seu declínio.
É pena que alguns nacionalistas brasileiros não enxerguem essa realidade e tentem tirar o império norte-americano de foco, elevando os bárbaros amarelos a inimigos principais.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
terça-feira, 22 de novembro de 2011
Como o capital financeiro privatizou o Estado nos EUA
O ex-economista chefe do Fundo Monetário Internacional, Simon Johnson, escreveu, em 2009, sobre o golpe silencioso que levou à “reemergência de uma oligarquia financeira americana”. Johnson deixou claro que não tinha a intenção de usar “golpe” como um floreio retórico nem como uma metáfora. O capital financeiro tinha efetivamente privatizado o Estado. O neoliberalismo havia sido bem sucedido não só em permanentemente garantir um governo reacionário, mas tinha capturado o próprio Estado. O artigo é de Alan Nasser.
Por Alan Nasser (*)
(Extraído do Carta Maior: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19009)
O desempenho da economia norte-americana desde meados da década de 1970 até o presente não se iguala com a sua relativa robustez durante o período que economistas chamam de Idade de Ouro – 1949-1973. Este foi o mais longo período de crescimento sustentado na história dos EUA, quando a maioria dos trabalhadores (brancos) conseguiram alcançar um grau de segurança material que não se conhecia até então, e que se tornou inalcançável desde então. Mas a partir do fim da década de 1960 e pelos anos 1970 o mal-estar econômico se tornava cada vez mais evidente, dando sinais de que algo pior viria: Não se pensava ser possível ter altas porcentagens de inflação e desemprego – estagflação – em um mundo keynesiano (1), mas havia, e era aparentemente incurável. Ao mesmo tempo, a produtividade dos trabalhadores diminuiu drasticamente. As margens de lucro foram continuamente caindo por mais de dez anos na medida em que concorrentes econômicos japoneses e europeus pegavam um pedaço cada vez maior da porção da produção norteamericana tanto doméstica quanto internacional.
As elites corporativas e políticas responderam com um tratamento de banho frio. “O padrão de vida do americano médio”, pronunciou Paul Volker, presidente do Banco Central dos Estados Unidos, em 17 outubro de 1979, “tem que cair. Eu não acho que podemos escapar disso.” A taxa de juros foi às alturas. A parcimônia era a ordem do dia, e ainda é.
Em 1983 uma análise do declínio dos EUA e a subsequente ascensão do Thatcher-Reaganismo apareceu no livro Beyond the Waste Land, escrito pelos economistas radicais baseados em Harvard Sam Bowles, David M. Gordon e Thomas Weisskopf. O livro recebeu várias resenhas positivas, como no The New York Times e no The New York Review of Books. Entre os revisores estavam os conhecidos economistas americanos John Kenneth Galbraith, James Tobin e Kenneth Arrow.
Os autores argumentavam que um fator sócio-político de grande importância era crucial no declínio da hegemonia dos Estados Unidos: os trabalhadores tinham se tornado mais seguros e mais encorajados pelos benefícios do New-Deal Keynesiano, como a previdência social e o seguro desemprego, e também por programas sociais favoráveis aos trabalhadores da Great Society feitos por Lyndon Johnson.
A coragem dos trabalhadores foi especialmente marcante nos anos 1960 e no começo dos anos 1970. Houve um aumento notável em ações dos trabalhadores, desde greves até sabotagem industrial. Com menos trabalhadores se preocupando de onde sairia a sua próxima refeição, viu-se um aumento do relaxamento no trabalho, atrasos, troca de empregos, pressão para a melhora na segurança do local de trabalho e demanda por salários mais altos e mais benefícios. O resultado foi um declínio na produtividade (output por unidade de input de trabalho) uma diminuição do lucro pressionada pelo aumento dos salários.
Mais importante ainda, o legado do New Deal e da Great Society resultou em um deslocamento na distribuição de renda do capital em direção ao trabalho.
Bowles, Gordon e Weisskopf argumentavam que com uniões de trabalhadores eficazes e uma segurança de trabalho sem precedentes, o trabalho tinha alcançado um grau de poder sobre o capital até então nunca visto. Esta análise foi desenvolvida mais recentemente pelos economistas Jonathan Goldstein e David Kotz, que mostram que toda recessão da Idade de Ouro foi gerada por uma redução nas margens de lucro pressionada pelo aumento de salários na expansão econômica que a antecedeu. De acordo com Bowles, Gordon e Weisskopf, o capital não aceitou isso passivamente. A América corporativa iniciou uma contraofensiva que os autores chamaram de Grande Repressão. E podemos dizer que o contra-ataque do capital persiste até hoje.
Pensamento liberal sobre a política da elite
Muitos dos mais proeminentes revisores de Beyond the Waste Land ficaram escandalizados pela asserção dos autores de que o capital deliberadamente organizava resistência política ativa contra os avanços da classe dos trabalhadores. No New York Times (31 Julho, 1983) Peter Passell, que na época escrevia editoriais sobre economia para o Times, reclamou que o livro mostrava uma “ênfase em teorias da conspiração.” John Kenneth Galbraith compreendia melhor e era mais desdenhoso da ortodoxia do que liberais do tipo Paul Krugman ou Robert Reich. Mesmo assim ele também não conseguia imaginar que aqueles interessados pudessem deliberadamente reunir forças contra os interesses da classe dos trabalhadores.
Em sua generosa aclamação do livro no New York Review of Books (2 Julho, 1983) Galbraith registrou uma “séria queixa contra a posição dos autores sobre o poder político... Eles veem o atual comportamento deplorável da economia como sendo o resultado de um exercício pensado e deliberado do poder corporativo.” Galbraith repudiou a convicção dos autores “de que o desastre atual foi planejado – que ele reflete de um modo deliberado o interesse das corporações. Nisso eu não acredito. Eu atribuiria [esse desastre] muito mais à aderência do mundo corporativo a uma ideologia irrelevante e ultrapassada, e aos lideres políticos, sem exclusão do presidente, que não veem os danos que estão causando.”
É como se reconhecer o ativismo politico das elites desse crédito à analise de classes, que é considerada muito marxista para nosso próprio bem. A fala sobre o domínio corporativo do Estado abre as portas para reconceptualizações inaceitavelmente subversivas sobre questões que fomos treinados a entender em termos mais seguros e menos sediciosos. Ver uma recessão como um ataque do capital, por exemplo, nos força a fazer os ajustes apropriados em uma gama de conceitos políticos e econômicos.
Na verdade, como Galbraith reconheceu, Beyond the Waste Land demanda que pensemos e agimos de modo diferente em relação ao que consideramos ser poder político. É menos inquietante imaginar que “ideologia irrelevante” e ignorância política estão no centro do enfrentamento econômico atual do que ver a depressão econômica como o resultado de um ataque deliberado dos oligarcas nos trabalhadores.
Estas objeções liberais são muito menos críveis agora do que eram 28 anos atrás. A elite é como um filósofo tentando se guiar pela teoria intelectualmente mais cogente. O poder politico não é uma questão de defender esta ou aquela ideologia; é uma questão de legislar de acordo com o interesse deste ou aquele grupo. O poder político é exercitado com mais sucesso quando aqueles cujos interesses são mais consistentemente preenchidos pelo exercício do poder do Estado. Cui bono? permanece sendo o melhor teste para saber quem é que interessa para os administradores do Estado. Os últimos governam, os primeiros guiam o Estado.
Por este teste só os mais cegos não conseguem ver que Wall Street agora coordena o show. Os cegos abundam entre os intelectuais liberais. Em sua coluna no New York Times de 23 novembro de 2009, Paul Krugmann confessa que “levei um tempo para entender isso. Mas as preocupações expressas do Sr. Obama se tornam compreensíveis se supomos que ele está recebendo as suas ideias, direta ou indiretamente, de Wall Street.” Não diga.
A epifania de Krugman já estava disponível antes de Obama ser eleito. Em setembro de 2008, o capital financeiro avançou e aberta e desenvergonhadamente deixou de lado seus representantes políticos e começou a ditar diretamente politicas para o Congresso e a Casa Branca. Hank Paulson demandou $700 bilhões para os banksters, sem compromissos: não haveria restrições em como o dinheiro seria gasto, sem audiências, sem debate no Congresso, sem avaliações de especialistas e nenhuma responsabilidade recairia sobre Paulson. Obama suspendeu sua campanha por um dia para pedir que os congressistas democratas obedecessem as ordens de Paulson. Seus melhores conselheiros econômicos, seu ministro da Fazenda, o presidente de seu Banco Central revelaram-se ser na sua maioria desreguladores ligados a Wall Street.
Passou-se mais de um ano até que Krugman se desse conta de que Obama pudesse ser o Charley McCarthy para o Edgar Bergen de Wall Street.
A resposta da elite à crise
O ativismo politico da elite fica evidente em tempos de crise, quando ele toma a forma ou de uma contração econômica forte ou de militância da classe dos trabalhadores, ou ambos. Vamos dar uma olhada mais de perto.
A classe dominante tentou lidar diretamente com situações de crise em cada um dos três períodos de retração econômica desde 1823. Eu lido com o capitalismo americano do século dezenove (1823 -1899) como um único período de depressão, já que ao curso de mais de sessenta anos ele apresentou três fortes depressões, 1837-1843, 1873-1878 e 1893-1897. Na verdade, em todo o período de 1823-1898, com exclusão da Guerra Civil, a nação esteve em depressão mais frequentemente do que não. A Grande Depressão dos anos 1930 foi, claro, o segundo período, e os anos desde o final de 2007 até o presente compõem o terceiro período.
A oligarquia corporativa também respondeu à Idade de Ouro do New Deal/Great Society como outro período de crise, mas nesta instância como um tipo especial de crise. Neste caso, a crise não foi percebida pela elite como sendo puramente de origem econômica, mas também politica, que envolvia uma transferência tanto de renda como de poder dos mais ricos para o resto das pessoas. O resultado foi a mobilização da classe dominante. Os plutocratas abertamente resolveram assumir o comando da política. O neoliberalismo começou a tomar forma.
Depois de uma breve revisão das respostas dos plutocratas aos períodos de depressão e à Idade de Ouro, irei analisar mais profundamente o período entre meados da década de 1970 e o final do século vinte como representando uma insurgência prolongada dos interesses estabelecidos contra um capitalismo americano regulado e relativamente amistoso aos trabalhadores, e como escalando para a atual bagunça.
Comecemos com a primeira tentativa histórica da classe corporativa em tentar coordenar o seu poder como uma classe. Essa foi uma tentativa confinada inicialmente à esfera econômica. Uma vez que a elite tivesse estabelecido um regime privado de colaboração no mercado, tornou-se claro que as subsequente ameaças aos seus interesses requereria mobilização política. O que encaramos hoje é uma classe governante politicamente organizada como nunca antes, com um aperto firme no poder do Estado.
Século 19: A depressão abre as portas para a organização corporativa
Foram as ferrovias e o aço que serviram de exemplo para a instabilidade econômica crônica do capitalismo americano do século dezenove. Em todos casos as empresas repetidamente diminuíam seus lucros para competir até falir ou serem liquidadas. O capital financeiro respondeu colocando pressão em sua contraparte industrial para que ela se consolidasse, para então poder evitar a perpetuação do que estava muito perto de ser quase três quartos de século de depressão continuada.
Em famosa descrição, Keynes mostrou um caso claro de competição irracional: “Duas missas para os mortos, duas pirâmides são melhor do que uma; mas não duas ferrovias de Londres a York.” Na verdade, no Reino Unido e nos Estados Unidos os magnatas das ferrovias tinham mais de uma vez construído duas ou mais ferrovias de A a B, com consequências previsíveis: bancarrotas proliferaram. Ao final do século dezenove as grandes malhas ferroviárias eram as maiores empresas de negócios do mundo, no entanto, até 1900 metade delas tinham sido liquidadas.
O magnata das finanças J. P. Morgan estava a par da contribuição da concorrência fratricida às recorrentes recessões econômicas e não acidentalmente à consequente ameça ao lucro dos bancos. Ele convenceu os maiores barões das ferrovias a se organizarem. Ele fez com que eles formassem “comunidades de interesse” para reduzir a concorrência destrutiva, fixando tarifas e/ou alocando tráfego entre ferrovias rivais. A maior parte deste esforço falhou; invariavelmente pelo menos uma das companhias quebraria sua promessa para tentar tirar vantagem das outras.
Em retrospecto, a resposta de Morgan foi marcante. Ele implorou para que suas contrapartidas da economia se consolidassem como uma questão de política. A consolidação, ele incitou, era o antídoto mais efetivo contra depressão e a queda dos lucros dos bancos induzidos pela concorrência feroz. Tal consolidação era do interesse do capital. Praticando o que ele tinha pregado, Morgan tomou controle de um sexto das maiores ferrovias dos EUA.
A indústria do aço mostrava uma dinâmica parecida. O superinovador Andrew Carnegie introduziu avanços tecnológicos que aumentavam a produtividade com uma frequência incomum. Sua taxa alta de renovação de capital acabava por diminuir seu custo unitário, aumentava os custos da concorrência e desvalorizava seu capital obsoleto, permitindo a ele levar muitos deles à falência através da concorrência de preços.
Isso fez com que grandes banqueiros como J. P. Morgan tivessem em suas mãos grande devedores incapacitados de pagar seus empréstimos. A concorrência feroz foi de novo corretamente vista por Morgan como contrária aos interesses do capital.
Carnegie era um incômodo em especial para Morgan, que repetidamente pedia a ele desacelerar suas inovações. Quando Carnegie resistiu, Morgan simplesmente o comprou e consolidou a Carnegie Steel Company com alguns de seus concorrentes mais fracos. Em 1901 o monstro do aço criado por Morgan se tornou a US Steel. Isso criou um precedente e também um ímpeto para a oligopolização de grandes indústrias, que se tornaria a marca característica do capitalismo do século vinte. A concorrência feroz foi substituída pela concorrência “correspectiva”, efetivada principalmente por meio de propaganda, novos produtos, tecnologia melhorada e mudança organizacional.
Morgan tornou-se o primeiro crítico ativo proeminente da concorrência feroz. Seu esforço consciente de tentar limitar a concorrência foi a primeira tentativa histórica de um grande ativista da classe dominante de deliberadamente intervir na dinâmica da economia em resposta a falências e depressão econômica.
As lições de Morgan são implicitamente subversivas. Ele mostrou aos seus irmãos da indústria que seus interesses individuais eram melhor alcançados através de ação conjunta. Morgan entendeu que o agente capitalista de maior sucesso não é o indivíduo, mas a classe. O mesmo, claro, se aplica ao sucesso anti-capitalista. Isto Morgan não endereçou.
O capitalismo organizado era muito diferente do seu antecessor do século dezenove, com apenas uma exceção. Em ambas as épocas o liberalismo econômico se mantinha; a regulação do mercado pelo governo era praticamente inexistente. A falta de regulação foi um fator importante na formação tanto da Grande Depressão quando da atual recessão grave.
A Grande Depressão: Golpe de Estado como resposta à politização do Estado criada pelo New Deal.
A resposta de J. P. Morgan à crise foi recomendar à sua classe formar uma nova organização industrial. A reconfiguração resultante da economia privada foi alcançada sem praticamente nenhuma participação aberta do Estado, de acordo com a ideologia predominante do laissez faire. A ideia de que o Estado pudesse dar uma resposta aos problemas econômicos através de uma intervenção ativa ainda não era parte do pensamento oficial.
Durante a crise dos anos 1930 a ortodoxia dominante foi severamente desafiada. O precedente gerado por Morgan para lidar com o colapso econômico resultante da concorrência desenfreada era o de que eles poderiam se juntar para colocar a sua casa em ordem. Em contraste, o capital dos anos 1930 não tinha controle privado e nem estrategias adequadas para controlar a Grande Depressão.
As sementes da Depressão haviam sido plantadas nos anos 1920, quando a cena econômica era muito parecida como que precipitou a atual recessão. A produção, o investimento e os lucros cresceram muito mais rápido do que os salários. As uniões de trabalhadores eram fracas e a desigualdade cresceu – em 1928 foi o ano recorde de desigualdade de renda de então – e os trabalhadores dependiam muito na criação de dívidas para poder comprar a avalanche dos novos produtos de consumo. Durante a segunda metade da década o crescimento econômico era devido em grande parte ao consumo bancado pelo crédito financeiro.
A desigualdade sem precedentes resultante dessa configuração aumentou ainda mais a distância entre a capacidade produtiva e a demanda, e foi causa, a partir do começo de 1926, do arrefecimento das vendas dos bens de consumo duráveis – rádios, refrigeradores, torradeiras, carros – das quais a saúde da economia de produção era dependente. A taxa de crescimento da produção recuou drasticamente, o que causou a fuga do capital de investimento para mercados financeiros, ultimamente induzindo a quebra de 1929. Você já ouviu isso antes?
Refletindo sobre esses acontecimentos, os Keynesianos em volta de Roosevelt propuseram a idéia de que a economia tinha alcançado “maturidade” durante o estágio final da industrialização dos anos 1920. Todas a expansões precedentes que se seguiram das recessões tinham sido impulsionadas por investimentos feitos nos meios de produção e nos lugares de trabalho; a nação ainda estava se industrializando. Desta vez, e pela primeira vez, era diferente. A capacidade de produção em excesso era muito grande ao final da década, mas isso não ocorrera do mesmo modo que no final do século dezenove, cuja causa foram as falências em série. O flagelo tríplice de desigualdade, excesso de investimento e baixo consumo foram os culpados. Com a base da infraestrutura no lugar, e as instalações produtivas obviamente supérfluas, o único modo da economia se recuperar era se o consumo fosse ressuscitado. Mas o estado da economia privada não permitia que isso ocorresse, isto era o que Keynes tinha entendido. A sua prescrição foi feita para a recuperação de uma economia industrial madura que se encontrava em uma recessão autoperpetuante grave e contínua.
O cenário histórico estava agora pronto para o aparecimento da resposta Keynesiana de que somente um agente de fora do mercado, que não seja impulsionado pela busca do lucro, pode restabelecer uma economia capitalista madura que se encontra em depressão profunda. Muitos dos conselheiros econômicos de Roosevelt eram Keynesianos, e a combinação de sua tutela com a crescente mobilização dos trabalhadores convenceu o presidente a inciar uma importante ruptura com o precedente do mercado livre. Roosevelt iniciou um grande plano de investimento público e de empregos oferecidos pelo governo que não só reverteu a recessão de 1929-1933, mas que também gerou a maior expansão cíclica dos EUA até aquele momento, em 1934-1938.
Para a classe de negócios essa parecia ser uma guinada revolucionária exagerada. A forte denúncia dos banksters feita por Roosevelt no mesmo momento em que ele politizava o Estado em nome dos interesses da classe dos trabalhadores foi vista como uma ação terrível e sem precedentes, como se fosse um ataque popular feito pelo Estado ao poder da Grande Fortuna. A resposta óbvia da classe de negócios não foi tentar reconfigurar o setor privado como Morgan tinha feito, mas foi tentar capturar o Estado, que eles viam como sendo um perigo maior para o seu domínio do que a própria Depressão. Morgan tinha lidado com questões econômicas. Mas o surgimento de uma forma madura de organização econômica oligopolizada demandou dos líderes uma resposta política.
A elite dominante organizou em 1933 um golpe para tentar retirar a administração de Roosevelt do poder e tentar substituí-la com um governo nos moldes dos de Adolf Hitler e Benito Mussolini. (Um Comite do Congresso de 1934 determinou que Prescott Bush, avô de George W. Bush, estava em contato com Hitler.) Entre os conspiradores estavam alguns dos mais proeminentes membros da classe de negócios, muitos deles nomes familiares da época. Entre eles estavam Rockefeller, Mellon, Pew, Morgan e Dupont, assim como empresas como Remington, Anaconda, Bethlehem e Goodyear, e os donos de Bird's Eye, Maxwell House e Heinz. Cerca de vinte dos maiores homens de negócios e de finanças de Wall Street planejavam juntar um exército de quinhentos mil homens, formado em sua maioria por veteranos desempregados. Essas tropas constituiriam as forças armadas por trás do golpe e serviriam para combater qualquer resistência gerada pela revolução.
Os revolucionários escolheram o general Smedley Butler, que havia recebido a Medalha de Honra, para organizar as suar forças armadas. Butler ficou chocado com o plano e o contou para jornalistas e para o Congresso. Roosevelt rapidamente acabou com o plano.
A tentativa de efetivar um golpe foi um evento marcante na história dos EUA, mostrando claramente o que pensavam os americanos ricos. (Não há menção desse evento nos livros de história dos EUA. Ela não é considerada adequada para ser vista impressa.) Não temos motivo para pensar que os instintos fascistas foram purgados do caráter da classe dos que guiam o Estado. Também notável, o escândalo nos alerta para o Leninismo da elite, a sua identificação com o Estado como sendo o maior prêmio político alcançável, o lugar do poder de classe.
Ironicamente, foi Keynes que colocou a captura do Estado na agenda nos anos pós-guerra. O Keynesianismo dos anos 1930 testemunhou o Estado legislando de acordo com os interesse dos trabalhadores, e concorrendo com sucesso com as empresas privadas no mercado de trabalho. Este era um Estado funcionando de modo explicitamente politizado, e nos olhos da elite, como sendo um comitê executivo da classe dos trabalhadores.
O capital aprendeu uma lição de grande importância: controlar o poder do Estado deveria figurar como a sua principal agenda politica. Também aprenderam que é mais fácil planejar do que efetivar a tomada do controle do Estado. Nos últimos anos da Era de Ouro os capitães da riqueza estabeleceram uma estratégia politica de longo prazo para desfazer o New Deal e a Great Society, e para colocar no lugar mecanismos que prevenissem o seu reaparecimento. Desta vez era para ser um New Deal para o capital, um Estado descaradamente politizado para a classe que realmente conta. Estes foram os anos de formação do neoliberalismo.
A Idade de Ouro não tão dourada para o Capital
A Idade de Ouro tem como marca característica a incrível taxa de crescimento e a segurança material sem precedentes gozada por um bom número de trabalhadores. Mas as taxas de crescimento não nos dizem nada a respeito de como os frutos do crescimento são distribuídos. O momento atual ilustra esse ponto muito bem. A taxa de crescimento da economia tem sido muito baixa, enquanto que os lucros das corporações e a renda dos 0.01% do topo tem alcançado novos recordes. Junte isto com a deliberada distribuição de renda e riquezas dos resto para os mais ricos. A distribuição é muito importante para os ricos. Se a riqueza e/ou a renda fosse redistribuída para outra classe, então o poder também seria redistribuído. E isso não é benquisto por aqueles que guiam o Estado.
O período do New Deal/Great Society viu uma crescente redistribuição de riquezas do capital em direção ao trabalho. A fatia da renda nacional apropriada pelos 1% do topo declinou gradualmente durante aqueles anos. Em 1928, o ano com maior desigualdade desde 1900, a fatia desses 1% era de mais de 23%; ao final dos anos 1930 ela tinha baixado para 16%. E caiu para 11-15% nos anos 1940, para 9-11% nos anos 1950 e 1960, e finalmente caiu para seu ponto mais baixo de 8-9% nos anos 1970.
Estes foram os primeiros 50 anos de redistribuição de renda dos mais ricos para o resto dos americanos em sua história. Os oligarcas iriam tomar providências para que isso jamais acontecesse novamente.
As elites viram a redistribuição de renda como sendo inerente a qualquer política do Estado, distribuindo para os trabalhadores benefícios que o mercado não providenciaria se deixado por ele mesmo. Se você dá a eles um pouco, então aos poucos eles irão querer tudo. Para aqueles acostumados a estar no comando, Lyndon Johnson parecia estar respondendo à pressão popular para fazer ainda mais do que o New Deal já tinha feito; ele expandiu o programa para incluir pagamentos por incapacidade ou invalidez e mais ainda. Johnson e um Congresso Democrata aprovou novas leis e emendas, em sua maioria em torno de questões ambientais e para o consumidor, que teve como resultado o corte dos lucros das empresas ao forçar as corporações a absorver alguns dos custos que antes eles externalizavam para o resto dos consumidores.
Em menos de quatro anos o Congresso aprovou uma série de leis: a Lei da Verdade no Empréstimo, a Lei do Embalamento e Rotulamento Justo, a Lei Nacional do Trafego e Segurança de Veículos, a Lei Nacional de Segurança de Gasodutos, a Lei Federal de Substâncias Perigosas, a Lei de Tecidos Inflamáveis, a Lei Federal de Inspeção de Carnes e a Lei de Proteção da Criança. Ufa!
As relações entre o governo e os negócios jamais tinham tido tamanha avalanche de legislação que limitasse a liberdade do capital pelos interesses dos trabalhadores.
Entre 1964 e 1968 o Congresso aprovou 226 das 256 leis favoráveis aos trabalhadores. Os recursos federais transferidos para os pobres aumentou de U$9.9 bilhões em 1960 para U$30 bilhões em 1968. Um milhão de trabalhadores receberam treinamento para o trabalho por causa dessas leis e dois milhões de crianças foram matriculadas em programas de pré-escola até 1968.
O que fez tudo isso especialmente assustador nos olhos dos grandes ricos era que os Republicanos pareciam ter aceitado a idéia de redistribuição de renda. Em 1971 Richard Nixon anunciou: “Agora sou um Keynesiano no que concerne a economia” (e não “Somos todos Keynesianos agora”, como a sentença é no geral erroneamente citada). Na verdade Nixon era um gastador não-militar doméstico maior do que Johnson fora. Durante seu primeiro mandato ele aprovou uma lei de reforma fiscal muito importante, criou a Agência de Proteção Ambiental junto com quatro leis ambientais, a Administração de Segurança e Saúde Ocupacional, e a Comissão de Segurança dos Bens de Consumo.
A combinação de regulamentação e redistribuição de renda deixou a classe dos trabalhadores materialmente segura de um modo que jamais tinha sido, e também a deixou mais inclinada a se sentir importante. Quando a economia começou se aproximar do pleno emprego, perto do pico da expansão da Idade de Ouro, em geral aumentaram os atrasos, relaxamento, troca de empregos e a militância por parte dos trabalhadores. Os EUA alcançaram o topo das tabelas da OCDE de greves por trabalhadores em 1954, 1955, 1959, 1960, 1967 e 1970.
Logo as empresas notaram esse dado. Comentando sobre as causas da recessão de 1970-1971 que se seguiu depois da expansão dos anos 1960, um artigo de primeira página do Wall Street Journal (26 Janeiro, 1972) notou que:
'Muitos executivos de fábricas reclamaram abertamente que nos últimos anos muito controle tinha passado da administração para os trabalhadores. Com as vendas se arrastando e a concorrência aumentando, eles se sentem mais seguros para tentar restabelecer o que eles chamam de “balanço”.'
É difícil subestimar o impacto dos novos regulamentos, da redistribuição de renda e da militância dos trabalhadores nos negócios. Os regulamentos dizem respeito à classe, e veremos como eles inspiraram aqueles que estavam sendo regulados a responder como uma classe para poder se defenderem. Nós podemos começar contrastando o anti-Keynesianismo neoliberal com as tentativas padrões das empresas de tentar influenciar o governo no período pós-guerra.
Na mesma medida em que as empresas tentaram se mobilizar antes do neoliberalismo, as suas táticas eram fragmentadas e limitadas em alcance. A indústria aérea pressionaria o Conselho de Aviação Civil e/ou subornaria um senador (e.g. O senador de Washington Scoop Jackson, conhecido como “O Senador da Boeing”), empresas siderúrgicas se aproximariam do Congresso para tentar obter leis protecionistas, produtores de energia ganhariam descontos nos impostos devidos por influência de seus congressistas favoritos, e as empresas atacariam as uniões de trabalhadores. Muito disso era feito através de contato pessoal. Empresas individuais e indústrias específicas tinham estratégias próprias; não havia nenhum meio de resistência trans-setorial às ameaças das empresas como um todo. Mas é da natureza da regulação impor esse tipo de ameaça ao afetar muitas indústrias ao mesmo tempo. Não é de se surpreender que as empresas iriam responder a isso com uma nova forma de mobilização, uma tentativa das empresas de tentar tomar conta do poder do Estado através de meios políticos, uma tentativa menos dramática, mas não menos efetiva do que um golpe de Estado.
A Contrarevolta do Capital: O Legado do Relatório Powel
Ao final do século dezenove, Morgan havia incitado os donos de indústrias a se organizarem dentro do setor privado. Durante a Grande Depressão o grande capital reuniu politicamente as suas energias na tentativa de tomar o poder do Estado em um golpe. A próxima tentativa notável das empresas de coordenação e mobilização também foi através de uma ação política, novamente com o intuito de tomar controle do Estado, somente desta vez a estratégia seria uma guerra de classes metódica e a longo prazo.
Em 1971 o futuro juiz da Corte Suprema Lewis Powell distribuiu em um círculo de empresários um relatório cuja intenção era politizar os capitães da indústria como forma de resistência ao legado do New Deal e da Great Society. O relatório fora escrito como um manual neoliberal.
“o sistema econômico Americano está sendo atacado. As empresas devem aprender a lição … de que o poder político é necessário; e que tal poder deve ser cultivado de modo assíduo; e que quando for necessário ele deve ser usado agressivamente e com determinação – sem vergonha e sem a relutância que tem sido tão característica das empresas Americanas … A força está na organização, no planejamento cuidadoso e na implementação a longo prazo, em ações consistentes ao longo de um período indefinido de tempo, e em uma escala financeira que só está disponível através da ação conjunta, e no poder político que só está disponível através da ação conjunta e de organizações nacionais.”
Em seu livro notável Winner-Take-All Politics, os cientistas políticos Jacob Hacker e Paul Pierson descrevem o contra-ataque organizacional das empresas como “sendo uma versão doméstica do Choque e Pavor.” As realizações foram impressionantes:
“O número de corporações com escritórios de assuntos públicos em Washington cresceu de 100 em 1968 para mais de 500 em 1978. Em 1971 somente 175 empresas tinhas lobistas registrados em Washington, mas em 1982 haviam quase 2500. O número de Comitês de Ação Política (PAC) cresceu de menos de 300 em 1976 para mais de 1200 em meados dos anos 1980. Em todas as dimensões de atividade política corporativa os números revelam uma rápida e dramática mobilização dos recursos das empresas em meados dos anos 1970.”
Este período também viu o nascimento de mega-organizações militantes representantes tanto de pequenas quanto de grandes empresas. Em 1972 a Mesa Resonda de Negócios foi formada, e a sua associação incluía os CEOs de 113 das 200 empresas do topo da lista de revista Fortune. O presidente tanto da Mesa Redonda quando da Exxon nos primeiros anos do mandato de Reagan, Clifton Garvin, disse “A Mesa Redonda tenta trabalhar com qualquer partido político que esteja no poder … como um grupo a Mesa Redonda trabalha com todos os governos na medida em que nos deixam.”
A Câmara de Conferência (Conference Board) focou ainda mais o capital ao unir executivos de empresas particularmente bem posicionados para entrar em contato pessoalmente com legisladores-chave. A Câmara desenvolveu uma agenda engenhosa: aprender as táticas dos grupos de interesse público e do trabalho organizado para poder subverter a agenda desses grupos.
A Mesa Redonda e a Câmara de Conferência fizeram lobbies e estabeleceram relações com funcionários do Congresso. As organizações representantes de empresas menores também cresceram rapidamente nos anos 1970. Com o custo unitário mais alto, e sem o poder de estabelecer preços que só os oligopólios têm para poder balancear os custos administrativos da regulamentação, as empresas estavam altamente motivadas a se mobilizar. A Câmara do Comércio e a Federação Nacional das Empresas Independentes dobraram o número de seus membros, tendo a Câmara triplicado o seu orçamento.
Foi durante este período que a presença corporativa em Washington tornou-se manifestamente presente. Enquanto as empresas sempre foram bem representadas na capital federal, as câmaras legislativas jamais tinham visto tamanha corporativação.
Mas a estratégia corporativa não se limitava a somente subornar políticos. As maiores organizações aprenderam a sua lição vendo seus antagonistas, os grupos de interesse público, avançando a demanda popular por mais regulamentação e trabalho organizado. A contrarevolta das empresas imitou a estratégia desses grupos. Os grupos corporativos fizeram uso de seus amplos recursos, incluindo técnicas sofisticadas de propaganda e comunicação para organizar campanhas em massa compostas de um grupo heterogêneo de acionistas, empresas locais, empregados e empresas mutuamente dependentes, como fornecedores e varejistas. Washington iria sofrer uma torrente de ligações, petições e cartas avançando os interesses das empresas.
Em pouco tempo as elites ultrapassaram tanto as organizações de serviços públicas quanto os trabalhadores organizados no que eles faziam de melhor – organização de baixo para cima.
Dentro de dez anos o controle corporativo estava bem estabelecido. Nos anos 1980 os PACs corporativos repassaram cinco vezes mais dinheiro a aqueles que avançavam seus interesses no congresso do que eles tinham feito nos anos 1970.
O programa da infraestrutura política do capital unido iria desfazer as políticas e prioridades do Estado que tinham gerado a redistribuição de renda e o ativismo dos trabalhadores através da limitação do capital e do aumento do poder dos trabalhadores por quase três décadas. Em suma, o legado do New Deal e da Great Society tinha que ser desfeito. Mas estes eram projetos político-econômicos que iriam requer um impulso continuado do Estado para poder continuarem a ter efeito. O capital mobilizado tinha que capturar o Estado e o tornar inoperativo para os fins dos proletários. O Estado tinha que ser reconstituído explicitamente como um Estado capitalista já que a elite o via até então como organizado para os trabalhadores e contra o capital. Para tanto, era requerido o equivalente funcional de um golpe de Estado.
E houve um golpe. O ex economista chefe do Fundo Monetário Internacional, Simon Johnson, escreveu em um dos maiores semanários sobre “a reemergência de uma oligarquia financeira americana” em “O Golpe Silencioso”, The Atlantic (Maio 2009). Johnson deixou claro que não tinha a intenção de usar “golpe” como um floreio retórico nem como uma metáfora. O capital financeiro tinha efetivamente privatizado o Estado. O neoliberalismo havia sido bem sucedido não só em permanentemente garantir um governo reacionário, mas tinha capturado o próprio Estado.
Anteriormente, uma mudança de governo - por exemplo do governo de Eisenhower para o de Kennedy – poderia levar a uma mudança significativa nas políticas domésticas dentro do contexto de um Estado Keynesiano. Já o neoliberalismo procurou mudar as prioridades mais fundamentais do Estado.
Missão Cumprida: O Estado Neoliberal Privatizado
Todos os principais países capitalistas se desindustrializaram nos últimos trinta anos. A capacidade industrial do Ocidente já está demasiadamente madura, a produção de widgets tem explicado a queda na porcentagem do total da produção, do total de empregos e do total de lucros nestes países que uma vez foram democracias. A participação do FIRE tem aumentado, e seus chefes agora dão as cartas. Esses acontecimentos ocorreram concomitantemente com uma sequência de crises financeiras (2) . Esta configuração requer muito mais – ao invés de menos – atuação do governo na vida econômica.
Resgatar ou não resgatar – e quem deve ser resgatado às custas de quem? Como a produção pode prosperar se o clima econômico atual aumentou a concorrência entre os países desenvolvidos desindustrializados, e com os mercados emergentes prontos a entrar na briga? As respostas para estas perguntas são claras. A elite financeira recebe tudo, enquanto que a produção é “reestruturada” como um setor de salários baixos que tem como alvo os mercados que mais crescem no mundo, que não estão nas metrópoles imperiais.
A taxa de desemprego deve ser mantida alta até que os salários baixem o suficiente para fazer com que os EUA se torne um concorrente no mercado global. Nada disso poderia começar a ser feito sem a união do Estado com os interesses corporativos. O resgate financeiro e a resestruturação da indústria automobilística feita por Obama são os exemplos mais claros disto. O novo Estado deve se tornar – ou se tornou? - um Estado capitalista, mas não no sentido trivial de ser um Estado em um país capitalista, e sim como um Estado que é de forma não ambígua a favor das grandes riquezas .
Colocando o caráter de classe do Estado na agenda política
O governo não é o mesmo que o Estado. As alternativas de governo – Republicano ou Democrata – dentro do contexto de um Estado neoliberal anti-Keynesiano devem ser tão limitadas a ponto de não figurarem como alternativas. Já deveríamos esperar que não houvesse nada de diferente entre os partidos, dada a dissolução das funções sociais do Estado no período pós-guerra. Se o que sobrou do New Deal e da Great Society for considerado pelos administradores do Estado como a “religião antiga”, como Obama as caracterizou em A Audácia da Esperança, então as políticas alternativas devem ser uma bagatela, da perspectiva dos interesses da classe dos trabalhadores, e as pseudo-disputas entre os partidos devem ser vistas como não sendo importantes.
O desdobramento histórico do capitalismo norteamericano colocou o caráter de classe do Estado diretamente na agenda política. Isso foi a prioridade número um da plutocracia por um longo período de tempo. Está mais claro do que nunca para muitos americanos que todo o estabelecimento político não está preparado e não quer lidar com a economia e com o Estado a partir dos interesses dos trabalhadores. As preocupações da classe dominante do Estado neoliberal homogeniza as opções de políticas e torna a politica partidária padrão odiosa e obsoleta.
Um programa político de esquerda efetivo deve dar aos seus constituintes uma concepção radicalmente revisada do que significa fazer política. E não menos importante é a formação de uma prática política que encarna de modo atrativo esta reconcepção radical. Um OWS independente é exatamente como tal prática se pareceria em seu estágio embrionário. Muito depende de como tal movimento irá se desenvolver.
(FIM)
Notas
(1) Referências à política Keynesiana requer a lembrança de de Keynes encorajava uma política econômica muito mais radical do que o New Deal e a Great Society ofereciam. Talvez a prescrição Keynesiana mais negligenciada seja a insistência de que a politica fiscal e os empregos criados pelo governo não são ferramentas com uso limitado a recessões. Keynes acreditava que o pleno emprego requeria um estimulo constante do governo, mesmo durante períodos de expansão econômica.
(2) Economias e empréstimos (começo dos anos 1980), a crise da dívida Mexicana (1982), o colapso do peso Mexicano (1994, um ano depois da aprovação da NAFTA), a crise financeira asiática (1997), A desvalorização e calotes Russos (1998), a crise da dívida Argentina (2001), Enron (2001), Worldcom (2002), as bolhas das companhias .com no final dos anos 1990 e a atual turbulência, que não tem precedentes de seu tipo na história do capitalismo.
(*) Alan Nasser é Professor Emeritus de Economia Política no Evergreen State College em Olympia, Washington. Este texto é uma adaptação de seu livro que está sendo escrito, O “Novo Normal”: Austeridade Crônica e o Declínio da Democracia. Ele pode ser contatado em nassera@evergreen.edu
Tradução: Márcio Larruscahim
Por Alan Nasser (*)
(Extraído do Carta Maior: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19009)
O desempenho da economia norte-americana desde meados da década de 1970 até o presente não se iguala com a sua relativa robustez durante o período que economistas chamam de Idade de Ouro – 1949-1973. Este foi o mais longo período de crescimento sustentado na história dos EUA, quando a maioria dos trabalhadores (brancos) conseguiram alcançar um grau de segurança material que não se conhecia até então, e que se tornou inalcançável desde então. Mas a partir do fim da década de 1960 e pelos anos 1970 o mal-estar econômico se tornava cada vez mais evidente, dando sinais de que algo pior viria: Não se pensava ser possível ter altas porcentagens de inflação e desemprego – estagflação – em um mundo keynesiano (1), mas havia, e era aparentemente incurável. Ao mesmo tempo, a produtividade dos trabalhadores diminuiu drasticamente. As margens de lucro foram continuamente caindo por mais de dez anos na medida em que concorrentes econômicos japoneses e europeus pegavam um pedaço cada vez maior da porção da produção norteamericana tanto doméstica quanto internacional.
As elites corporativas e políticas responderam com um tratamento de banho frio. “O padrão de vida do americano médio”, pronunciou Paul Volker, presidente do Banco Central dos Estados Unidos, em 17 outubro de 1979, “tem que cair. Eu não acho que podemos escapar disso.” A taxa de juros foi às alturas. A parcimônia era a ordem do dia, e ainda é.
Em 1983 uma análise do declínio dos EUA e a subsequente ascensão do Thatcher-Reaganismo apareceu no livro Beyond the Waste Land, escrito pelos economistas radicais baseados em Harvard Sam Bowles, David M. Gordon e Thomas Weisskopf. O livro recebeu várias resenhas positivas, como no The New York Times e no The New York Review of Books. Entre os revisores estavam os conhecidos economistas americanos John Kenneth Galbraith, James Tobin e Kenneth Arrow.
Os autores argumentavam que um fator sócio-político de grande importância era crucial no declínio da hegemonia dos Estados Unidos: os trabalhadores tinham se tornado mais seguros e mais encorajados pelos benefícios do New-Deal Keynesiano, como a previdência social e o seguro desemprego, e também por programas sociais favoráveis aos trabalhadores da Great Society feitos por Lyndon Johnson.
A coragem dos trabalhadores foi especialmente marcante nos anos 1960 e no começo dos anos 1970. Houve um aumento notável em ações dos trabalhadores, desde greves até sabotagem industrial. Com menos trabalhadores se preocupando de onde sairia a sua próxima refeição, viu-se um aumento do relaxamento no trabalho, atrasos, troca de empregos, pressão para a melhora na segurança do local de trabalho e demanda por salários mais altos e mais benefícios. O resultado foi um declínio na produtividade (output por unidade de input de trabalho) uma diminuição do lucro pressionada pelo aumento dos salários.
Mais importante ainda, o legado do New Deal e da Great Society resultou em um deslocamento na distribuição de renda do capital em direção ao trabalho.
Bowles, Gordon e Weisskopf argumentavam que com uniões de trabalhadores eficazes e uma segurança de trabalho sem precedentes, o trabalho tinha alcançado um grau de poder sobre o capital até então nunca visto. Esta análise foi desenvolvida mais recentemente pelos economistas Jonathan Goldstein e David Kotz, que mostram que toda recessão da Idade de Ouro foi gerada por uma redução nas margens de lucro pressionada pelo aumento de salários na expansão econômica que a antecedeu. De acordo com Bowles, Gordon e Weisskopf, o capital não aceitou isso passivamente. A América corporativa iniciou uma contraofensiva que os autores chamaram de Grande Repressão. E podemos dizer que o contra-ataque do capital persiste até hoje.
Pensamento liberal sobre a política da elite
Muitos dos mais proeminentes revisores de Beyond the Waste Land ficaram escandalizados pela asserção dos autores de que o capital deliberadamente organizava resistência política ativa contra os avanços da classe dos trabalhadores. No New York Times (31 Julho, 1983) Peter Passell, que na época escrevia editoriais sobre economia para o Times, reclamou que o livro mostrava uma “ênfase em teorias da conspiração.” John Kenneth Galbraith compreendia melhor e era mais desdenhoso da ortodoxia do que liberais do tipo Paul Krugman ou Robert Reich. Mesmo assim ele também não conseguia imaginar que aqueles interessados pudessem deliberadamente reunir forças contra os interesses da classe dos trabalhadores.
Em sua generosa aclamação do livro no New York Review of Books (2 Julho, 1983) Galbraith registrou uma “séria queixa contra a posição dos autores sobre o poder político... Eles veem o atual comportamento deplorável da economia como sendo o resultado de um exercício pensado e deliberado do poder corporativo.” Galbraith repudiou a convicção dos autores “de que o desastre atual foi planejado – que ele reflete de um modo deliberado o interesse das corporações. Nisso eu não acredito. Eu atribuiria [esse desastre] muito mais à aderência do mundo corporativo a uma ideologia irrelevante e ultrapassada, e aos lideres políticos, sem exclusão do presidente, que não veem os danos que estão causando.”
É como se reconhecer o ativismo politico das elites desse crédito à analise de classes, que é considerada muito marxista para nosso próprio bem. A fala sobre o domínio corporativo do Estado abre as portas para reconceptualizações inaceitavelmente subversivas sobre questões que fomos treinados a entender em termos mais seguros e menos sediciosos. Ver uma recessão como um ataque do capital, por exemplo, nos força a fazer os ajustes apropriados em uma gama de conceitos políticos e econômicos.
Na verdade, como Galbraith reconheceu, Beyond the Waste Land demanda que pensemos e agimos de modo diferente em relação ao que consideramos ser poder político. É menos inquietante imaginar que “ideologia irrelevante” e ignorância política estão no centro do enfrentamento econômico atual do que ver a depressão econômica como o resultado de um ataque deliberado dos oligarcas nos trabalhadores.
Estas objeções liberais são muito menos críveis agora do que eram 28 anos atrás. A elite é como um filósofo tentando se guiar pela teoria intelectualmente mais cogente. O poder politico não é uma questão de defender esta ou aquela ideologia; é uma questão de legislar de acordo com o interesse deste ou aquele grupo. O poder político é exercitado com mais sucesso quando aqueles cujos interesses são mais consistentemente preenchidos pelo exercício do poder do Estado. Cui bono? permanece sendo o melhor teste para saber quem é que interessa para os administradores do Estado. Os últimos governam, os primeiros guiam o Estado.
Por este teste só os mais cegos não conseguem ver que Wall Street agora coordena o show. Os cegos abundam entre os intelectuais liberais. Em sua coluna no New York Times de 23 novembro de 2009, Paul Krugmann confessa que “levei um tempo para entender isso. Mas as preocupações expressas do Sr. Obama se tornam compreensíveis se supomos que ele está recebendo as suas ideias, direta ou indiretamente, de Wall Street.” Não diga.
A epifania de Krugman já estava disponível antes de Obama ser eleito. Em setembro de 2008, o capital financeiro avançou e aberta e desenvergonhadamente deixou de lado seus representantes políticos e começou a ditar diretamente politicas para o Congresso e a Casa Branca. Hank Paulson demandou $700 bilhões para os banksters, sem compromissos: não haveria restrições em como o dinheiro seria gasto, sem audiências, sem debate no Congresso, sem avaliações de especialistas e nenhuma responsabilidade recairia sobre Paulson. Obama suspendeu sua campanha por um dia para pedir que os congressistas democratas obedecessem as ordens de Paulson. Seus melhores conselheiros econômicos, seu ministro da Fazenda, o presidente de seu Banco Central revelaram-se ser na sua maioria desreguladores ligados a Wall Street.
Passou-se mais de um ano até que Krugman se desse conta de que Obama pudesse ser o Charley McCarthy para o Edgar Bergen de Wall Street.
A resposta da elite à crise
O ativismo politico da elite fica evidente em tempos de crise, quando ele toma a forma ou de uma contração econômica forte ou de militância da classe dos trabalhadores, ou ambos. Vamos dar uma olhada mais de perto.
A classe dominante tentou lidar diretamente com situações de crise em cada um dos três períodos de retração econômica desde 1823. Eu lido com o capitalismo americano do século dezenove (1823 -1899) como um único período de depressão, já que ao curso de mais de sessenta anos ele apresentou três fortes depressões, 1837-1843, 1873-1878 e 1893-1897. Na verdade, em todo o período de 1823-1898, com exclusão da Guerra Civil, a nação esteve em depressão mais frequentemente do que não. A Grande Depressão dos anos 1930 foi, claro, o segundo período, e os anos desde o final de 2007 até o presente compõem o terceiro período.
A oligarquia corporativa também respondeu à Idade de Ouro do New Deal/Great Society como outro período de crise, mas nesta instância como um tipo especial de crise. Neste caso, a crise não foi percebida pela elite como sendo puramente de origem econômica, mas também politica, que envolvia uma transferência tanto de renda como de poder dos mais ricos para o resto das pessoas. O resultado foi a mobilização da classe dominante. Os plutocratas abertamente resolveram assumir o comando da política. O neoliberalismo começou a tomar forma.
Depois de uma breve revisão das respostas dos plutocratas aos períodos de depressão e à Idade de Ouro, irei analisar mais profundamente o período entre meados da década de 1970 e o final do século vinte como representando uma insurgência prolongada dos interesses estabelecidos contra um capitalismo americano regulado e relativamente amistoso aos trabalhadores, e como escalando para a atual bagunça.
Comecemos com a primeira tentativa histórica da classe corporativa em tentar coordenar o seu poder como uma classe. Essa foi uma tentativa confinada inicialmente à esfera econômica. Uma vez que a elite tivesse estabelecido um regime privado de colaboração no mercado, tornou-se claro que as subsequente ameaças aos seus interesses requereria mobilização política. O que encaramos hoje é uma classe governante politicamente organizada como nunca antes, com um aperto firme no poder do Estado.
Século 19: A depressão abre as portas para a organização corporativa
Foram as ferrovias e o aço que serviram de exemplo para a instabilidade econômica crônica do capitalismo americano do século dezenove. Em todos casos as empresas repetidamente diminuíam seus lucros para competir até falir ou serem liquidadas. O capital financeiro respondeu colocando pressão em sua contraparte industrial para que ela se consolidasse, para então poder evitar a perpetuação do que estava muito perto de ser quase três quartos de século de depressão continuada.
Em famosa descrição, Keynes mostrou um caso claro de competição irracional: “Duas missas para os mortos, duas pirâmides são melhor do que uma; mas não duas ferrovias de Londres a York.” Na verdade, no Reino Unido e nos Estados Unidos os magnatas das ferrovias tinham mais de uma vez construído duas ou mais ferrovias de A a B, com consequências previsíveis: bancarrotas proliferaram. Ao final do século dezenove as grandes malhas ferroviárias eram as maiores empresas de negócios do mundo, no entanto, até 1900 metade delas tinham sido liquidadas.
O magnata das finanças J. P. Morgan estava a par da contribuição da concorrência fratricida às recorrentes recessões econômicas e não acidentalmente à consequente ameça ao lucro dos bancos. Ele convenceu os maiores barões das ferrovias a se organizarem. Ele fez com que eles formassem “comunidades de interesse” para reduzir a concorrência destrutiva, fixando tarifas e/ou alocando tráfego entre ferrovias rivais. A maior parte deste esforço falhou; invariavelmente pelo menos uma das companhias quebraria sua promessa para tentar tirar vantagem das outras.
Em retrospecto, a resposta de Morgan foi marcante. Ele implorou para que suas contrapartidas da economia se consolidassem como uma questão de política. A consolidação, ele incitou, era o antídoto mais efetivo contra depressão e a queda dos lucros dos bancos induzidos pela concorrência feroz. Tal consolidação era do interesse do capital. Praticando o que ele tinha pregado, Morgan tomou controle de um sexto das maiores ferrovias dos EUA.
A indústria do aço mostrava uma dinâmica parecida. O superinovador Andrew Carnegie introduziu avanços tecnológicos que aumentavam a produtividade com uma frequência incomum. Sua taxa alta de renovação de capital acabava por diminuir seu custo unitário, aumentava os custos da concorrência e desvalorizava seu capital obsoleto, permitindo a ele levar muitos deles à falência através da concorrência de preços.
Isso fez com que grandes banqueiros como J. P. Morgan tivessem em suas mãos grande devedores incapacitados de pagar seus empréstimos. A concorrência feroz foi de novo corretamente vista por Morgan como contrária aos interesses do capital.
Carnegie era um incômodo em especial para Morgan, que repetidamente pedia a ele desacelerar suas inovações. Quando Carnegie resistiu, Morgan simplesmente o comprou e consolidou a Carnegie Steel Company com alguns de seus concorrentes mais fracos. Em 1901 o monstro do aço criado por Morgan se tornou a US Steel. Isso criou um precedente e também um ímpeto para a oligopolização de grandes indústrias, que se tornaria a marca característica do capitalismo do século vinte. A concorrência feroz foi substituída pela concorrência “correspectiva”, efetivada principalmente por meio de propaganda, novos produtos, tecnologia melhorada e mudança organizacional.
Morgan tornou-se o primeiro crítico ativo proeminente da concorrência feroz. Seu esforço consciente de tentar limitar a concorrência foi a primeira tentativa histórica de um grande ativista da classe dominante de deliberadamente intervir na dinâmica da economia em resposta a falências e depressão econômica.
As lições de Morgan são implicitamente subversivas. Ele mostrou aos seus irmãos da indústria que seus interesses individuais eram melhor alcançados através de ação conjunta. Morgan entendeu que o agente capitalista de maior sucesso não é o indivíduo, mas a classe. O mesmo, claro, se aplica ao sucesso anti-capitalista. Isto Morgan não endereçou.
O capitalismo organizado era muito diferente do seu antecessor do século dezenove, com apenas uma exceção. Em ambas as épocas o liberalismo econômico se mantinha; a regulação do mercado pelo governo era praticamente inexistente. A falta de regulação foi um fator importante na formação tanto da Grande Depressão quando da atual recessão grave.
A Grande Depressão: Golpe de Estado como resposta à politização do Estado criada pelo New Deal.
A resposta de J. P. Morgan à crise foi recomendar à sua classe formar uma nova organização industrial. A reconfiguração resultante da economia privada foi alcançada sem praticamente nenhuma participação aberta do Estado, de acordo com a ideologia predominante do laissez faire. A ideia de que o Estado pudesse dar uma resposta aos problemas econômicos através de uma intervenção ativa ainda não era parte do pensamento oficial.
Durante a crise dos anos 1930 a ortodoxia dominante foi severamente desafiada. O precedente gerado por Morgan para lidar com o colapso econômico resultante da concorrência desenfreada era o de que eles poderiam se juntar para colocar a sua casa em ordem. Em contraste, o capital dos anos 1930 não tinha controle privado e nem estrategias adequadas para controlar a Grande Depressão.
As sementes da Depressão haviam sido plantadas nos anos 1920, quando a cena econômica era muito parecida como que precipitou a atual recessão. A produção, o investimento e os lucros cresceram muito mais rápido do que os salários. As uniões de trabalhadores eram fracas e a desigualdade cresceu – em 1928 foi o ano recorde de desigualdade de renda de então – e os trabalhadores dependiam muito na criação de dívidas para poder comprar a avalanche dos novos produtos de consumo. Durante a segunda metade da década o crescimento econômico era devido em grande parte ao consumo bancado pelo crédito financeiro.
A desigualdade sem precedentes resultante dessa configuração aumentou ainda mais a distância entre a capacidade produtiva e a demanda, e foi causa, a partir do começo de 1926, do arrefecimento das vendas dos bens de consumo duráveis – rádios, refrigeradores, torradeiras, carros – das quais a saúde da economia de produção era dependente. A taxa de crescimento da produção recuou drasticamente, o que causou a fuga do capital de investimento para mercados financeiros, ultimamente induzindo a quebra de 1929. Você já ouviu isso antes?
Refletindo sobre esses acontecimentos, os Keynesianos em volta de Roosevelt propuseram a idéia de que a economia tinha alcançado “maturidade” durante o estágio final da industrialização dos anos 1920. Todas a expansões precedentes que se seguiram das recessões tinham sido impulsionadas por investimentos feitos nos meios de produção e nos lugares de trabalho; a nação ainda estava se industrializando. Desta vez, e pela primeira vez, era diferente. A capacidade de produção em excesso era muito grande ao final da década, mas isso não ocorrera do mesmo modo que no final do século dezenove, cuja causa foram as falências em série. O flagelo tríplice de desigualdade, excesso de investimento e baixo consumo foram os culpados. Com a base da infraestrutura no lugar, e as instalações produtivas obviamente supérfluas, o único modo da economia se recuperar era se o consumo fosse ressuscitado. Mas o estado da economia privada não permitia que isso ocorresse, isto era o que Keynes tinha entendido. A sua prescrição foi feita para a recuperação de uma economia industrial madura que se encontrava em uma recessão autoperpetuante grave e contínua.
O cenário histórico estava agora pronto para o aparecimento da resposta Keynesiana de que somente um agente de fora do mercado, que não seja impulsionado pela busca do lucro, pode restabelecer uma economia capitalista madura que se encontra em depressão profunda. Muitos dos conselheiros econômicos de Roosevelt eram Keynesianos, e a combinação de sua tutela com a crescente mobilização dos trabalhadores convenceu o presidente a inciar uma importante ruptura com o precedente do mercado livre. Roosevelt iniciou um grande plano de investimento público e de empregos oferecidos pelo governo que não só reverteu a recessão de 1929-1933, mas que também gerou a maior expansão cíclica dos EUA até aquele momento, em 1934-1938.
Para a classe de negócios essa parecia ser uma guinada revolucionária exagerada. A forte denúncia dos banksters feita por Roosevelt no mesmo momento em que ele politizava o Estado em nome dos interesses da classe dos trabalhadores foi vista como uma ação terrível e sem precedentes, como se fosse um ataque popular feito pelo Estado ao poder da Grande Fortuna. A resposta óbvia da classe de negócios não foi tentar reconfigurar o setor privado como Morgan tinha feito, mas foi tentar capturar o Estado, que eles viam como sendo um perigo maior para o seu domínio do que a própria Depressão. Morgan tinha lidado com questões econômicas. Mas o surgimento de uma forma madura de organização econômica oligopolizada demandou dos líderes uma resposta política.
A elite dominante organizou em 1933 um golpe para tentar retirar a administração de Roosevelt do poder e tentar substituí-la com um governo nos moldes dos de Adolf Hitler e Benito Mussolini. (Um Comite do Congresso de 1934 determinou que Prescott Bush, avô de George W. Bush, estava em contato com Hitler.) Entre os conspiradores estavam alguns dos mais proeminentes membros da classe de negócios, muitos deles nomes familiares da época. Entre eles estavam Rockefeller, Mellon, Pew, Morgan e Dupont, assim como empresas como Remington, Anaconda, Bethlehem e Goodyear, e os donos de Bird's Eye, Maxwell House e Heinz. Cerca de vinte dos maiores homens de negócios e de finanças de Wall Street planejavam juntar um exército de quinhentos mil homens, formado em sua maioria por veteranos desempregados. Essas tropas constituiriam as forças armadas por trás do golpe e serviriam para combater qualquer resistência gerada pela revolução.
Os revolucionários escolheram o general Smedley Butler, que havia recebido a Medalha de Honra, para organizar as suar forças armadas. Butler ficou chocado com o plano e o contou para jornalistas e para o Congresso. Roosevelt rapidamente acabou com o plano.
A tentativa de efetivar um golpe foi um evento marcante na história dos EUA, mostrando claramente o que pensavam os americanos ricos. (Não há menção desse evento nos livros de história dos EUA. Ela não é considerada adequada para ser vista impressa.) Não temos motivo para pensar que os instintos fascistas foram purgados do caráter da classe dos que guiam o Estado. Também notável, o escândalo nos alerta para o Leninismo da elite, a sua identificação com o Estado como sendo o maior prêmio político alcançável, o lugar do poder de classe.
Ironicamente, foi Keynes que colocou a captura do Estado na agenda nos anos pós-guerra. O Keynesianismo dos anos 1930 testemunhou o Estado legislando de acordo com os interesse dos trabalhadores, e concorrendo com sucesso com as empresas privadas no mercado de trabalho. Este era um Estado funcionando de modo explicitamente politizado, e nos olhos da elite, como sendo um comitê executivo da classe dos trabalhadores.
O capital aprendeu uma lição de grande importância: controlar o poder do Estado deveria figurar como a sua principal agenda politica. Também aprenderam que é mais fácil planejar do que efetivar a tomada do controle do Estado. Nos últimos anos da Era de Ouro os capitães da riqueza estabeleceram uma estratégia politica de longo prazo para desfazer o New Deal e a Great Society, e para colocar no lugar mecanismos que prevenissem o seu reaparecimento. Desta vez era para ser um New Deal para o capital, um Estado descaradamente politizado para a classe que realmente conta. Estes foram os anos de formação do neoliberalismo.
A Idade de Ouro não tão dourada para o Capital
A Idade de Ouro tem como marca característica a incrível taxa de crescimento e a segurança material sem precedentes gozada por um bom número de trabalhadores. Mas as taxas de crescimento não nos dizem nada a respeito de como os frutos do crescimento são distribuídos. O momento atual ilustra esse ponto muito bem. A taxa de crescimento da economia tem sido muito baixa, enquanto que os lucros das corporações e a renda dos 0.01% do topo tem alcançado novos recordes. Junte isto com a deliberada distribuição de renda e riquezas dos resto para os mais ricos. A distribuição é muito importante para os ricos. Se a riqueza e/ou a renda fosse redistribuída para outra classe, então o poder também seria redistribuído. E isso não é benquisto por aqueles que guiam o Estado.
O período do New Deal/Great Society viu uma crescente redistribuição de riquezas do capital em direção ao trabalho. A fatia da renda nacional apropriada pelos 1% do topo declinou gradualmente durante aqueles anos. Em 1928, o ano com maior desigualdade desde 1900, a fatia desses 1% era de mais de 23%; ao final dos anos 1930 ela tinha baixado para 16%. E caiu para 11-15% nos anos 1940, para 9-11% nos anos 1950 e 1960, e finalmente caiu para seu ponto mais baixo de 8-9% nos anos 1970.
Estes foram os primeiros 50 anos de redistribuição de renda dos mais ricos para o resto dos americanos em sua história. Os oligarcas iriam tomar providências para que isso jamais acontecesse novamente.
As elites viram a redistribuição de renda como sendo inerente a qualquer política do Estado, distribuindo para os trabalhadores benefícios que o mercado não providenciaria se deixado por ele mesmo. Se você dá a eles um pouco, então aos poucos eles irão querer tudo. Para aqueles acostumados a estar no comando, Lyndon Johnson parecia estar respondendo à pressão popular para fazer ainda mais do que o New Deal já tinha feito; ele expandiu o programa para incluir pagamentos por incapacidade ou invalidez e mais ainda. Johnson e um Congresso Democrata aprovou novas leis e emendas, em sua maioria em torno de questões ambientais e para o consumidor, que teve como resultado o corte dos lucros das empresas ao forçar as corporações a absorver alguns dos custos que antes eles externalizavam para o resto dos consumidores.
Em menos de quatro anos o Congresso aprovou uma série de leis: a Lei da Verdade no Empréstimo, a Lei do Embalamento e Rotulamento Justo, a Lei Nacional do Trafego e Segurança de Veículos, a Lei Nacional de Segurança de Gasodutos, a Lei Federal de Substâncias Perigosas, a Lei de Tecidos Inflamáveis, a Lei Federal de Inspeção de Carnes e a Lei de Proteção da Criança. Ufa!
As relações entre o governo e os negócios jamais tinham tido tamanha avalanche de legislação que limitasse a liberdade do capital pelos interesses dos trabalhadores.
Entre 1964 e 1968 o Congresso aprovou 226 das 256 leis favoráveis aos trabalhadores. Os recursos federais transferidos para os pobres aumentou de U$9.9 bilhões em 1960 para U$30 bilhões em 1968. Um milhão de trabalhadores receberam treinamento para o trabalho por causa dessas leis e dois milhões de crianças foram matriculadas em programas de pré-escola até 1968.
O que fez tudo isso especialmente assustador nos olhos dos grandes ricos era que os Republicanos pareciam ter aceitado a idéia de redistribuição de renda. Em 1971 Richard Nixon anunciou: “Agora sou um Keynesiano no que concerne a economia” (e não “Somos todos Keynesianos agora”, como a sentença é no geral erroneamente citada). Na verdade Nixon era um gastador não-militar doméstico maior do que Johnson fora. Durante seu primeiro mandato ele aprovou uma lei de reforma fiscal muito importante, criou a Agência de Proteção Ambiental junto com quatro leis ambientais, a Administração de Segurança e Saúde Ocupacional, e a Comissão de Segurança dos Bens de Consumo.
A combinação de regulamentação e redistribuição de renda deixou a classe dos trabalhadores materialmente segura de um modo que jamais tinha sido, e também a deixou mais inclinada a se sentir importante. Quando a economia começou se aproximar do pleno emprego, perto do pico da expansão da Idade de Ouro, em geral aumentaram os atrasos, relaxamento, troca de empregos e a militância por parte dos trabalhadores. Os EUA alcançaram o topo das tabelas da OCDE de greves por trabalhadores em 1954, 1955, 1959, 1960, 1967 e 1970.
Logo as empresas notaram esse dado. Comentando sobre as causas da recessão de 1970-1971 que se seguiu depois da expansão dos anos 1960, um artigo de primeira página do Wall Street Journal (26 Janeiro, 1972) notou que:
'Muitos executivos de fábricas reclamaram abertamente que nos últimos anos muito controle tinha passado da administração para os trabalhadores. Com as vendas se arrastando e a concorrência aumentando, eles se sentem mais seguros para tentar restabelecer o que eles chamam de “balanço”.'
É difícil subestimar o impacto dos novos regulamentos, da redistribuição de renda e da militância dos trabalhadores nos negócios. Os regulamentos dizem respeito à classe, e veremos como eles inspiraram aqueles que estavam sendo regulados a responder como uma classe para poder se defenderem. Nós podemos começar contrastando o anti-Keynesianismo neoliberal com as tentativas padrões das empresas de tentar influenciar o governo no período pós-guerra.
Na mesma medida em que as empresas tentaram se mobilizar antes do neoliberalismo, as suas táticas eram fragmentadas e limitadas em alcance. A indústria aérea pressionaria o Conselho de Aviação Civil e/ou subornaria um senador (e.g. O senador de Washington Scoop Jackson, conhecido como “O Senador da Boeing”), empresas siderúrgicas se aproximariam do Congresso para tentar obter leis protecionistas, produtores de energia ganhariam descontos nos impostos devidos por influência de seus congressistas favoritos, e as empresas atacariam as uniões de trabalhadores. Muito disso era feito através de contato pessoal. Empresas individuais e indústrias específicas tinham estratégias próprias; não havia nenhum meio de resistência trans-setorial às ameaças das empresas como um todo. Mas é da natureza da regulação impor esse tipo de ameaça ao afetar muitas indústrias ao mesmo tempo. Não é de se surpreender que as empresas iriam responder a isso com uma nova forma de mobilização, uma tentativa das empresas de tentar tomar conta do poder do Estado através de meios políticos, uma tentativa menos dramática, mas não menos efetiva do que um golpe de Estado.
A Contrarevolta do Capital: O Legado do Relatório Powel
Ao final do século dezenove, Morgan havia incitado os donos de indústrias a se organizarem dentro do setor privado. Durante a Grande Depressão o grande capital reuniu politicamente as suas energias na tentativa de tomar o poder do Estado em um golpe. A próxima tentativa notável das empresas de coordenação e mobilização também foi através de uma ação política, novamente com o intuito de tomar controle do Estado, somente desta vez a estratégia seria uma guerra de classes metódica e a longo prazo.
Em 1971 o futuro juiz da Corte Suprema Lewis Powell distribuiu em um círculo de empresários um relatório cuja intenção era politizar os capitães da indústria como forma de resistência ao legado do New Deal e da Great Society. O relatório fora escrito como um manual neoliberal.
“o sistema econômico Americano está sendo atacado. As empresas devem aprender a lição … de que o poder político é necessário; e que tal poder deve ser cultivado de modo assíduo; e que quando for necessário ele deve ser usado agressivamente e com determinação – sem vergonha e sem a relutância que tem sido tão característica das empresas Americanas … A força está na organização, no planejamento cuidadoso e na implementação a longo prazo, em ações consistentes ao longo de um período indefinido de tempo, e em uma escala financeira que só está disponível através da ação conjunta, e no poder político que só está disponível através da ação conjunta e de organizações nacionais.”
Em seu livro notável Winner-Take-All Politics, os cientistas políticos Jacob Hacker e Paul Pierson descrevem o contra-ataque organizacional das empresas como “sendo uma versão doméstica do Choque e Pavor.” As realizações foram impressionantes:
“O número de corporações com escritórios de assuntos públicos em Washington cresceu de 100 em 1968 para mais de 500 em 1978. Em 1971 somente 175 empresas tinhas lobistas registrados em Washington, mas em 1982 haviam quase 2500. O número de Comitês de Ação Política (PAC) cresceu de menos de 300 em 1976 para mais de 1200 em meados dos anos 1980. Em todas as dimensões de atividade política corporativa os números revelam uma rápida e dramática mobilização dos recursos das empresas em meados dos anos 1970.”
Este período também viu o nascimento de mega-organizações militantes representantes tanto de pequenas quanto de grandes empresas. Em 1972 a Mesa Resonda de Negócios foi formada, e a sua associação incluía os CEOs de 113 das 200 empresas do topo da lista de revista Fortune. O presidente tanto da Mesa Redonda quando da Exxon nos primeiros anos do mandato de Reagan, Clifton Garvin, disse “A Mesa Redonda tenta trabalhar com qualquer partido político que esteja no poder … como um grupo a Mesa Redonda trabalha com todos os governos na medida em que nos deixam.”
A Câmara de Conferência (Conference Board) focou ainda mais o capital ao unir executivos de empresas particularmente bem posicionados para entrar em contato pessoalmente com legisladores-chave. A Câmara desenvolveu uma agenda engenhosa: aprender as táticas dos grupos de interesse público e do trabalho organizado para poder subverter a agenda desses grupos.
A Mesa Redonda e a Câmara de Conferência fizeram lobbies e estabeleceram relações com funcionários do Congresso. As organizações representantes de empresas menores também cresceram rapidamente nos anos 1970. Com o custo unitário mais alto, e sem o poder de estabelecer preços que só os oligopólios têm para poder balancear os custos administrativos da regulamentação, as empresas estavam altamente motivadas a se mobilizar. A Câmara do Comércio e a Federação Nacional das Empresas Independentes dobraram o número de seus membros, tendo a Câmara triplicado o seu orçamento.
Foi durante este período que a presença corporativa em Washington tornou-se manifestamente presente. Enquanto as empresas sempre foram bem representadas na capital federal, as câmaras legislativas jamais tinham visto tamanha corporativação.
Mas a estratégia corporativa não se limitava a somente subornar políticos. As maiores organizações aprenderam a sua lição vendo seus antagonistas, os grupos de interesse público, avançando a demanda popular por mais regulamentação e trabalho organizado. A contrarevolta das empresas imitou a estratégia desses grupos. Os grupos corporativos fizeram uso de seus amplos recursos, incluindo técnicas sofisticadas de propaganda e comunicação para organizar campanhas em massa compostas de um grupo heterogêneo de acionistas, empresas locais, empregados e empresas mutuamente dependentes, como fornecedores e varejistas. Washington iria sofrer uma torrente de ligações, petições e cartas avançando os interesses das empresas.
Em pouco tempo as elites ultrapassaram tanto as organizações de serviços públicas quanto os trabalhadores organizados no que eles faziam de melhor – organização de baixo para cima.
Dentro de dez anos o controle corporativo estava bem estabelecido. Nos anos 1980 os PACs corporativos repassaram cinco vezes mais dinheiro a aqueles que avançavam seus interesses no congresso do que eles tinham feito nos anos 1970.
O programa da infraestrutura política do capital unido iria desfazer as políticas e prioridades do Estado que tinham gerado a redistribuição de renda e o ativismo dos trabalhadores através da limitação do capital e do aumento do poder dos trabalhadores por quase três décadas. Em suma, o legado do New Deal e da Great Society tinha que ser desfeito. Mas estes eram projetos político-econômicos que iriam requer um impulso continuado do Estado para poder continuarem a ter efeito. O capital mobilizado tinha que capturar o Estado e o tornar inoperativo para os fins dos proletários. O Estado tinha que ser reconstituído explicitamente como um Estado capitalista já que a elite o via até então como organizado para os trabalhadores e contra o capital. Para tanto, era requerido o equivalente funcional de um golpe de Estado.
E houve um golpe. O ex economista chefe do Fundo Monetário Internacional, Simon Johnson, escreveu em um dos maiores semanários sobre “a reemergência de uma oligarquia financeira americana” em “O Golpe Silencioso”, The Atlantic (Maio 2009). Johnson deixou claro que não tinha a intenção de usar “golpe” como um floreio retórico nem como uma metáfora. O capital financeiro tinha efetivamente privatizado o Estado. O neoliberalismo havia sido bem sucedido não só em permanentemente garantir um governo reacionário, mas tinha capturado o próprio Estado.
Anteriormente, uma mudança de governo - por exemplo do governo de Eisenhower para o de Kennedy – poderia levar a uma mudança significativa nas políticas domésticas dentro do contexto de um Estado Keynesiano. Já o neoliberalismo procurou mudar as prioridades mais fundamentais do Estado.
Missão Cumprida: O Estado Neoliberal Privatizado
Todos os principais países capitalistas se desindustrializaram nos últimos trinta anos. A capacidade industrial do Ocidente já está demasiadamente madura, a produção de widgets tem explicado a queda na porcentagem do total da produção, do total de empregos e do total de lucros nestes países que uma vez foram democracias. A participação do FIRE tem aumentado, e seus chefes agora dão as cartas. Esses acontecimentos ocorreram concomitantemente com uma sequência de crises financeiras (2) . Esta configuração requer muito mais – ao invés de menos – atuação do governo na vida econômica.
Resgatar ou não resgatar – e quem deve ser resgatado às custas de quem? Como a produção pode prosperar se o clima econômico atual aumentou a concorrência entre os países desenvolvidos desindustrializados, e com os mercados emergentes prontos a entrar na briga? As respostas para estas perguntas são claras. A elite financeira recebe tudo, enquanto que a produção é “reestruturada” como um setor de salários baixos que tem como alvo os mercados que mais crescem no mundo, que não estão nas metrópoles imperiais.
A taxa de desemprego deve ser mantida alta até que os salários baixem o suficiente para fazer com que os EUA se torne um concorrente no mercado global. Nada disso poderia começar a ser feito sem a união do Estado com os interesses corporativos. O resgate financeiro e a resestruturação da indústria automobilística feita por Obama são os exemplos mais claros disto. O novo Estado deve se tornar – ou se tornou? - um Estado capitalista, mas não no sentido trivial de ser um Estado em um país capitalista, e sim como um Estado que é de forma não ambígua a favor das grandes riquezas .
Colocando o caráter de classe do Estado na agenda política
O governo não é o mesmo que o Estado. As alternativas de governo – Republicano ou Democrata – dentro do contexto de um Estado neoliberal anti-Keynesiano devem ser tão limitadas a ponto de não figurarem como alternativas. Já deveríamos esperar que não houvesse nada de diferente entre os partidos, dada a dissolução das funções sociais do Estado no período pós-guerra. Se o que sobrou do New Deal e da Great Society for considerado pelos administradores do Estado como a “religião antiga”, como Obama as caracterizou em A Audácia da Esperança, então as políticas alternativas devem ser uma bagatela, da perspectiva dos interesses da classe dos trabalhadores, e as pseudo-disputas entre os partidos devem ser vistas como não sendo importantes.
O desdobramento histórico do capitalismo norteamericano colocou o caráter de classe do Estado diretamente na agenda política. Isso foi a prioridade número um da plutocracia por um longo período de tempo. Está mais claro do que nunca para muitos americanos que todo o estabelecimento político não está preparado e não quer lidar com a economia e com o Estado a partir dos interesses dos trabalhadores. As preocupações da classe dominante do Estado neoliberal homogeniza as opções de políticas e torna a politica partidária padrão odiosa e obsoleta.
Um programa político de esquerda efetivo deve dar aos seus constituintes uma concepção radicalmente revisada do que significa fazer política. E não menos importante é a formação de uma prática política que encarna de modo atrativo esta reconcepção radical. Um OWS independente é exatamente como tal prática se pareceria em seu estágio embrionário. Muito depende de como tal movimento irá se desenvolver.
(FIM)
Notas
(1) Referências à política Keynesiana requer a lembrança de de Keynes encorajava uma política econômica muito mais radical do que o New Deal e a Great Society ofereciam. Talvez a prescrição Keynesiana mais negligenciada seja a insistência de que a politica fiscal e os empregos criados pelo governo não são ferramentas com uso limitado a recessões. Keynes acreditava que o pleno emprego requeria um estimulo constante do governo, mesmo durante períodos de expansão econômica.
(2) Economias e empréstimos (começo dos anos 1980), a crise da dívida Mexicana (1982), o colapso do peso Mexicano (1994, um ano depois da aprovação da NAFTA), a crise financeira asiática (1997), A desvalorização e calotes Russos (1998), a crise da dívida Argentina (2001), Enron (2001), Worldcom (2002), as bolhas das companhias .com no final dos anos 1990 e a atual turbulência, que não tem precedentes de seu tipo na história do capitalismo.
(*) Alan Nasser é Professor Emeritus de Economia Política no Evergreen State College em Olympia, Washington. Este texto é uma adaptação de seu livro que está sendo escrito, O “Novo Normal”: Austeridade Crônica e o Declínio da Democracia. Ele pode ser contatado em nassera@evergreen.edu
Tradução: Márcio Larruscahim
domingo, 20 de novembro de 2011
DEPOIMENTO DE VERA PAIVA, FILHA DO EX-DEPUTADO RUBENS PAIVA, SOBRE O QUE OCORREU NO PLANALTO
Seguem as anotações da minha fala que foi cancelada, segundo os jornais de hoje, por pressão dos militares. Assim começa muito mal...
Não fui desconvidada, simplesmente não falei! A minha volta diziam que a Pres. Dilma tinha que viajar e encurtaram a cerimônia, que alguém tinha falado um tempo a mais. Sai para uma reunião na UNB, ainda emocionada com o carinho que dispensou aos familiares e ex-presos políticos, um a um.
Agora entendo o pedido de desculpas da Ministra Maria do Rosário.
O discurso que não foi lido
Sexta-feira, 18 de Novembro de 2011, 11:00. Palácio do Planalto, Brasília.
Excelentíssima Sra. Presidenta Dilma, querida ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário. Demais ministros presentes. Senhores representantes do Congresso Nacional, das Forças Armadas. Caríssimos ex-presos políticos e familiares de desaparecidos aqui presentes, tanto tempo nessa luta.
Agradecemos a honra, meu filho João Paiva Avelino e eu, filha e neto de Rubens Paiva, de estarmos aqui presenciando esse momento histórico e, dentre as centenas de famílias de mortos e desaparecidos, de milhares de adolescentes, mulheres e homens presos e torturados durante o regime militar, o privilégio de poder falar.
Ao enfrentar a verdade sobre esse período, ao impedir que violações contra direitos humanos de qualquer espécie permaneçam sob sigilo, estamos mais perto de enfrentar a herança que ainda assombra a vida cotidiana dos brasileiros. Não falo apenas do cotidiano das famílias marcadas pelo período de exceção. Incontáveis famílias ainda hoje, em 2011, sofrem em todo o Brasil com prisões arbitrárias, seqüestros, humilhação e a tortura. Sem advogado de defesa, sem fiança. Não é isso que está em todos os jornais e na televisão quase todo dia, denunciando, por exemplo, como se deturpa a retomada da cidadania nos morros do Rio de Janeiro? Inúmeros dados indicam que especialmente brasileiros mais pobres e mais pretos, ou interpretados como homossexuais, ainda são cotidianamente agredidos sem defesa nas ruas, ou são presos arbitrariamente, sem direito ao respeito, sem garantia de seus direitos mais básicos à não discriminação e a integridade física e moral que a Declaração dos Direitos Humanos consagrou na ONU depois dos horrores do nazismo em 1948.
Isso tudo continua acontecendo, Excelentíssima Presidenta. Continua acontecendo pela ação de pessoas que desrespeitam sua obrigação constitucional e perpetuam ações herdeiras do estado de exceção que vivemos de modo acirrado de 1964 a 1988.
O respeito aos direitos humanos, o respeito democrático à diferença de opiniões assim como a construção da paz se constrói todo dia e a cada geração! Todos, civis e militares, devemos compromissos com sua sustentação.
Nossa história familiar é uma entre tantas registradas em livros e exposições. Aqui em Brasília a exposição sobre o calvário de Frei Tito pode ser mais uma lição sobre o período que se deve investigar.
Em Março desse ano, na inauguração da exposição sobre meu pai no Congresso Nacional, ressaltei que há exatos 40 anos o tínhamos visto pela última vez. Rubens Paiva que foi um combativo líder estudantil na luta “Pelo Petróleo é Nosso”, depois engenheiro construtor de Brasília, depois deputado eleito pelo povo, cassado e exilado em 1964. Em 1971 era um bem sucedido engenheiro, democrata preocupado com o seu país e pai de 5 filhos. Foi preso em casa quando voltava da praia, feliz por ter jogado vôlei e poder almoçar com sua família em um feriado. Intimado, foi dirigindo seu carro, cujo recibo de entrega dias depois é a única prova de que foi preso. Minha mãe, dedicada mãe de família, foi presa no dia seguinte, com minha irmã de 15 anos. Ficaram dias no DOI-CODI, um dos cenário de horror naqueles tempos. Revi minha irmã com a alma partida e minha mãe esquálida. De quartel em quartel, gabinete em gabinete passou anos a fio tentando encontrá-lo, ou pelo menos ter noticias. Nenhuma noticia.
Apenas na inauguração da exposição em São Paulo, 40 anos depois, fizemos pela primeira vez um Memorial onde juntamos família e amigos para honrar sua memória. Descobrimos que a data em que cada um de nós decidiu que Rubens Paiva tinha morrido variava muito, meses e anos diferentes...Aceitar que ele tinha sido assassinado, era matá-lo mais uma vez.
Essa cicatriz fica menos dolorida hoje, diante de mais um passo para que nada disso se repita, para que o Brasil consolide sua democracia e um caminho para a paz.
Excelentíssima Presidenta: temos muitas coisas em comum, além das marcas na alma do período de exceção e de sermos mulheres, mãe, funcionária pública. Compartilhamos os direitos humanos como referência ética e para as políticas públicas para o Brasil. Também com 19 anos me envolvi com movimentos de jovens que queriam mudar o pais. Enquanto esperava essa cerimônia começar, preparando o que ia falar, lembrava de como essa mobilização começou. Na diretoria do recém fundado DCE-Livre da USP, Alexandre Vanucci Leme, um dos jovens colegas da USP sacrificados pela ditadura, ajudei a organizar a 1a mobilização nas ruas desde o AI-5, contra prisões arbitrárias de colegas presos e pela anistia aos presos políticos. Era maio de 1977 e até sermos parados pelas bombas do Coronel Erasmo Dias, andávamos pacificamente pelas ruas do centro distribuindo uma carta aberta a população cuja palavra de ordem era
HOJE, CONSENTE QUEM CALA.
Acho essa carta absolutamente adequada para expressar nosso desejo hoje, no ato que sanciona a Comissão da Verdade. Para esclarecer de fato o que aconteceu nos chamados anos de chumbo, quem calar consentirá, não é mesmo?
Se a Comissão da Verdade não tiver autonomia e soberania para investigar, e uma grande equipe que a auxilie em seu trabalho, estaremos consentindo. Consentindo, quero ressaltar, seremos cúmplices do sofrimento de milhares de famílias ainda afetadas por essa herança de horror que agora não está apoiada em leis de exceção, mas segue inquestionada nos fatos.
A nossa carta de 1977, publicada na primeira página do jornal o Estado de São Paulo no dia seguinte, expressava a indignação juvenil com a falta de democracia e justiça social, que seguem nos desafiando. O Brasil foi o último país a encerrar o período de escravidão, os recentes dados do IBGE confirmam que continuamos uma país rico, mas absurdamente desigual... Hoje somos o último país a, muito timidamente mas com esperança, começar a fazer o que outros países que viveram ditaduras no mesmo período fizeram. Somos cobrados pela ONU, pelos organismos internacionais e até pela Revista Economist, a avançar nesse processo. Todos concordam que re-estabelecer a verdade e preservar a memória não é revanchismo, que responsáveis pela barbárie sejam julgadas, com o direito a defesa que os presos políticos nunca tiveram, é fundamental para que os torturadores de hoje não se sintam impunes para impedir a paz e a justiça de todo dia. Chile e Argentina já o fizeram, a África do Sul deu um exemplo magnífico de como enfrentar a verdade e resgatar a memória. Para que anos de chumbo não se repitam, para que cada geração a valorize.
Termino insistindo que a DEMOCRACIA SE CONSTRÓI E RECONSTRÓI A CADA DIA. Deve ser valorizada e reconstruída a CADA GERAÇÃO.
E que hoje, quem cala, consente, mais uma vez.
Obrigada.
***
Depois de saber que fui impedida de falar ontem, lembro de um texto de meu irmão Marcelo Paiva em sua coluna, dirigida aos militares:
“Vocês pertencem a uma nova geração de generais, almirantes, tenentes-brigadeiros. Eram jovens durante a ditadura (…) Por que não limpar a fama da corporação? Não se comparem a eles. Não devem nada a eles, que sujaram o nome das Forças Armadas. Vocês devem seguir uma tradição que nos honra, garantiu a República, o fim da ditadura de Getúlio, depois de combater os nazistas, e que hoje lidera a campanha no Haiti."
Vera Paiva
Universidade de São Paulo - PST & NEPAIDS
av. Prof. Mello Moraes, 1721 SP- Brasil 05508-030
tel 55-11-30914184 /30914362 fax 30914460
Não fui desconvidada, simplesmente não falei! A minha volta diziam que a Pres. Dilma tinha que viajar e encurtaram a cerimônia, que alguém tinha falado um tempo a mais. Sai para uma reunião na UNB, ainda emocionada com o carinho que dispensou aos familiares e ex-presos políticos, um a um.
Agora entendo o pedido de desculpas da Ministra Maria do Rosário.
O discurso que não foi lido
Sexta-feira, 18 de Novembro de 2011, 11:00. Palácio do Planalto, Brasília.
Excelentíssima Sra. Presidenta Dilma, querida ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário. Demais ministros presentes. Senhores representantes do Congresso Nacional, das Forças Armadas. Caríssimos ex-presos políticos e familiares de desaparecidos aqui presentes, tanto tempo nessa luta.
Agradecemos a honra, meu filho João Paiva Avelino e eu, filha e neto de Rubens Paiva, de estarmos aqui presenciando esse momento histórico e, dentre as centenas de famílias de mortos e desaparecidos, de milhares de adolescentes, mulheres e homens presos e torturados durante o regime militar, o privilégio de poder falar.
Ao enfrentar a verdade sobre esse período, ao impedir que violações contra direitos humanos de qualquer espécie permaneçam sob sigilo, estamos mais perto de enfrentar a herança que ainda assombra a vida cotidiana dos brasileiros. Não falo apenas do cotidiano das famílias marcadas pelo período de exceção. Incontáveis famílias ainda hoje, em 2011, sofrem em todo o Brasil com prisões arbitrárias, seqüestros, humilhação e a tortura. Sem advogado de defesa, sem fiança. Não é isso que está em todos os jornais e na televisão quase todo dia, denunciando, por exemplo, como se deturpa a retomada da cidadania nos morros do Rio de Janeiro? Inúmeros dados indicam que especialmente brasileiros mais pobres e mais pretos, ou interpretados como homossexuais, ainda são cotidianamente agredidos sem defesa nas ruas, ou são presos arbitrariamente, sem direito ao respeito, sem garantia de seus direitos mais básicos à não discriminação e a integridade física e moral que a Declaração dos Direitos Humanos consagrou na ONU depois dos horrores do nazismo em 1948.
Isso tudo continua acontecendo, Excelentíssima Presidenta. Continua acontecendo pela ação de pessoas que desrespeitam sua obrigação constitucional e perpetuam ações herdeiras do estado de exceção que vivemos de modo acirrado de 1964 a 1988.
O respeito aos direitos humanos, o respeito democrático à diferença de opiniões assim como a construção da paz se constrói todo dia e a cada geração! Todos, civis e militares, devemos compromissos com sua sustentação.
Nossa história familiar é uma entre tantas registradas em livros e exposições. Aqui em Brasília a exposição sobre o calvário de Frei Tito pode ser mais uma lição sobre o período que se deve investigar.
Em Março desse ano, na inauguração da exposição sobre meu pai no Congresso Nacional, ressaltei que há exatos 40 anos o tínhamos visto pela última vez. Rubens Paiva que foi um combativo líder estudantil na luta “Pelo Petróleo é Nosso”, depois engenheiro construtor de Brasília, depois deputado eleito pelo povo, cassado e exilado em 1964. Em 1971 era um bem sucedido engenheiro, democrata preocupado com o seu país e pai de 5 filhos. Foi preso em casa quando voltava da praia, feliz por ter jogado vôlei e poder almoçar com sua família em um feriado. Intimado, foi dirigindo seu carro, cujo recibo de entrega dias depois é a única prova de que foi preso. Minha mãe, dedicada mãe de família, foi presa no dia seguinte, com minha irmã de 15 anos. Ficaram dias no DOI-CODI, um dos cenário de horror naqueles tempos. Revi minha irmã com a alma partida e minha mãe esquálida. De quartel em quartel, gabinete em gabinete passou anos a fio tentando encontrá-lo, ou pelo menos ter noticias. Nenhuma noticia.
Apenas na inauguração da exposição em São Paulo, 40 anos depois, fizemos pela primeira vez um Memorial onde juntamos família e amigos para honrar sua memória. Descobrimos que a data em que cada um de nós decidiu que Rubens Paiva tinha morrido variava muito, meses e anos diferentes...Aceitar que ele tinha sido assassinado, era matá-lo mais uma vez.
Essa cicatriz fica menos dolorida hoje, diante de mais um passo para que nada disso se repita, para que o Brasil consolide sua democracia e um caminho para a paz.
Excelentíssima Presidenta: temos muitas coisas em comum, além das marcas na alma do período de exceção e de sermos mulheres, mãe, funcionária pública. Compartilhamos os direitos humanos como referência ética e para as políticas públicas para o Brasil. Também com 19 anos me envolvi com movimentos de jovens que queriam mudar o pais. Enquanto esperava essa cerimônia começar, preparando o que ia falar, lembrava de como essa mobilização começou. Na diretoria do recém fundado DCE-Livre da USP, Alexandre Vanucci Leme, um dos jovens colegas da USP sacrificados pela ditadura, ajudei a organizar a 1a mobilização nas ruas desde o AI-5, contra prisões arbitrárias de colegas presos e pela anistia aos presos políticos. Era maio de 1977 e até sermos parados pelas bombas do Coronel Erasmo Dias, andávamos pacificamente pelas ruas do centro distribuindo uma carta aberta a população cuja palavra de ordem era
HOJE, CONSENTE QUEM CALA.
Acho essa carta absolutamente adequada para expressar nosso desejo hoje, no ato que sanciona a Comissão da Verdade. Para esclarecer de fato o que aconteceu nos chamados anos de chumbo, quem calar consentirá, não é mesmo?
Se a Comissão da Verdade não tiver autonomia e soberania para investigar, e uma grande equipe que a auxilie em seu trabalho, estaremos consentindo. Consentindo, quero ressaltar, seremos cúmplices do sofrimento de milhares de famílias ainda afetadas por essa herança de horror que agora não está apoiada em leis de exceção, mas segue inquestionada nos fatos.
A nossa carta de 1977, publicada na primeira página do jornal o Estado de São Paulo no dia seguinte, expressava a indignação juvenil com a falta de democracia e justiça social, que seguem nos desafiando. O Brasil foi o último país a encerrar o período de escravidão, os recentes dados do IBGE confirmam que continuamos uma país rico, mas absurdamente desigual... Hoje somos o último país a, muito timidamente mas com esperança, começar a fazer o que outros países que viveram ditaduras no mesmo período fizeram. Somos cobrados pela ONU, pelos organismos internacionais e até pela Revista Economist, a avançar nesse processo. Todos concordam que re-estabelecer a verdade e preservar a memória não é revanchismo, que responsáveis pela barbárie sejam julgadas, com o direito a defesa que os presos políticos nunca tiveram, é fundamental para que os torturadores de hoje não se sintam impunes para impedir a paz e a justiça de todo dia. Chile e Argentina já o fizeram, a África do Sul deu um exemplo magnífico de como enfrentar a verdade e resgatar a memória. Para que anos de chumbo não se repitam, para que cada geração a valorize.
Termino insistindo que a DEMOCRACIA SE CONSTRÓI E RECONSTRÓI A CADA DIA. Deve ser valorizada e reconstruída a CADA GERAÇÃO.
E que hoje, quem cala, consente, mais uma vez.
Obrigada.
***
Depois de saber que fui impedida de falar ontem, lembro de um texto de meu irmão Marcelo Paiva em sua coluna, dirigida aos militares:
“Vocês pertencem a uma nova geração de generais, almirantes, tenentes-brigadeiros. Eram jovens durante a ditadura (…) Por que não limpar a fama da corporação? Não se comparem a eles. Não devem nada a eles, que sujaram o nome das Forças Armadas. Vocês devem seguir uma tradição que nos honra, garantiu a República, o fim da ditadura de Getúlio, depois de combater os nazistas, e que hoje lidera a campanha no Haiti."
Vera Paiva
Universidade de São Paulo - PST & NEPAIDS
av. Prof. Mello Moraes, 1721 SP- Brasil 05508-030
tel 55-11-30914184 /30914362 fax 30914460
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
Europa, la desaparición de la democracia
François Bonnet
Mediapart
Traducido del francés para Rebelión por Beatriz Morales Bastos
¿Nos encontramos en un momento crucial histórico, uno de la magnitud de la caída de la URSS (cuyo 20 aniversario se conmemora el mes que viene)? ¿Un momento crucial que sería el desmoronamiento financiero y político de Europa, el final de sesenta años de construcción europea?
Es lo que se constata con la aceleración, desde hace una semana y el fracaso del a cumbre del G-20, de una crisis monetaria que, convertida en una crisis política, acaba de provocar lo que hay que denominar dos golpes de Estado. Georges Papandreu en Grecia, Silvio Berlusconi en Italia no han dimitido debido a derrotas electorales, ni siquiera al voto de censura de sus respectivos parlamentos: estos votos de censura nunca tuvieron lugar, ni en Atenas ni en Roma.
No, ambos hombres, eslabones débiles de la cadena de jefes de gobierno de la zona euro, cayeron derrocados por los mercados y por unos socios europeos bajo presión. Los mercados, es decir, los banqueros y otros establecimientos financieros (fondos de pensión, hedge funds, fondos de inversión, etc.). Sus socios europeos, es decir, Angela Merkel, Nicolas Sarkozy, los dirigentes del banco Central Europero (BCE) y de la Comisión Europea, que afirmaban actuar en nombre de lo que ellos presentan como su deber: aislar el incendio, salvar el euro (y salvarse a sí mismos).
En menos de una semana tres hombres acaban de encarnar y de prestar su rostro a los golpes de Estado de los mercados.
Mario Draghi: este banquero, vicepresidente del banco de negocios Goldmann Sachs-Europa, el cual había ayudado a Grecia a maquillar sus cuentas, y después gobernador del banco de Italia, toma la presidencia del Banco Central Europeo.
Lucas Papademos: este ex dirigente del Banco Central Griego (1994-2002), más tarde vicepresidente del BCE durante ocho años (2002-2010), y que después de desempeñar estos dos cargos no podía ignorar nada de las cuentas falsas griegas, se convierte en primer ministro griego. Su condición: un gobierno de unión nacional que va de la extrema derecha al partido socialista.
Mario Monti: este economista de la derecha liberal, comisario europeo al cargo de la competencia durante diez años (1994-2004) y a este título decidido actor de la desregulación de los mercados europeos, nombrado senador vitalicio, debe convertirse en primer ministro italiano. Su condició: un gobierno de unión nacional que debería ir de la xenófoba y populista Liga Norte al principal partido de oposición de izquierda a Berlusconi, el Partido Demócrata.
Esto no ha acabado. Dentro una semana, para el domingo 20 de noviembre, está programada la muerte (esta vez en las urnas) del gobierno español. Sale el gobierno socialista: bajo la presión de los mercados financieros Zapatero decidió anticipar las elecciones. Lo mismo que en 2010 había hecho en Irlanda Brian Cowen para ser derrotado él también y dimitir.
¿Por qué, entonces, no seguir la curva de estos regímenes caídos o derrocados? Y escribir, por ejemplo, que a principios de enero, cuando las tasas de interés a 10 años sobre la deuda francesa se hayan duplicado (de 3,4% el jueves, superarían el 7%), Nicolas Sarkozy pedirá formar un gobierno de unión nacional.
¿[Por qué no escribir] Que nombrará a su cabeza a un tecnócrata (Jean-Claude Trichet, el cual acaba de abandonar la presidencia del BCE y está disponible…) o un técnico, por ejemplo Michel Pébereau, un ex empleado del Tesoro, que pasó por el gabinete del ministro Monory y hoy es poderoso jefe de BNP-Paribas ?
¿Y que si por ventura la izquierda rechazara este gobierno de unión nacional a pesar de las repetidas presiones de los mercados se vería acusada de la política de lo peor como ya lo fue por haber rechazado la “regla de oro”?
Ciencia ficción estúpida: ¿estamos tan seguros de ello? Desde hace un mes Dominique de Villepin pide un plan de austeridad de al menos 20.000 millones de euros dirigido por un gobierno de unión nacional al que él se uniría enérgicamente. François Bayrou, que se quiere profeta en materia de denuncia de la deuda, blande su concepto de mayoría central, nueva unión nacional del círculo de la razón ( véase nuestra entrevista aquí ). Y no nos quepa duda de que un Jean-Louis Borloo se uniría sin dudar a este dispositivo.
¿Se miden bien las escandalosas denegaciones democráticas que tienen que padecer hoy los ciudadanos griegos e italianos? A diferentes títulos, puesto que no se puede comparar a ambos hombres, Papandreu y Berlusconi pueden encarnar o ser percibidos como unos modelos de hombres incompetentes o corruptos. Pero el primero fue elegido por un amplio margen en 2009 y el segundo también fue elegido por un amplio margen en 2008. Y ahora se les ha quitado de en medio, al margen de cualquier procedimiento democrático, en un pánico europeo provocado por las tasas de interés y las cotizaciones bursátiles.
“Los locos han tomado el control del manicomio”, dice el economista Pierre Larrouturou en una entrevista para Mediapart. Los financieros “que han arruinado a gran cantidad de personas siguen explicándonos lo que se debe hacer… Estoy condenado a leer unos artículos económicos que no comprendo”, se hace eco en una entrevistas a Le Monde e l escritor franco-griego Vassilis Alexakis.
A partir de ahora es inútil hablar de izquierda, de derecha, de paro, de derechos sociales, de redistribución, de revolución fiscal: hay que vigilar los créditos swap, las tendencias de las Bolsas asiáticas y estadounidenses, la cotización de Crédit agricole, de la Société générale et de la Commerzbank, el diferencial franco-alemán, el estado del mercado de obligaciones y después analizar con lupa lo que puede querer decir el último comunicado del BCE que respondía al de la Reserva Federal estadounidense (FED, por sus siglas en inglés) y anticipaba la apertura de los mercados asiáticos. No, no es una broma: el presidente de la República Italiana, Giorgio Napolitano, de 86 años y ex comunista, quiere un nuevo gobierno, a cualquier precio ¡antes del domingo por la noche y la “apertura de los mercados”!
Y así es como nuestras democracias desaparecen ante las fuerzas del mercado, las histerias especuladoras y las crispaciones nacionalistas.
Y es que nuestros dirigentes han dejado hacer. De pronto emerge una Europa de la urgencia, no “postdemocrática”, como escribe y dice el ex ministro de Asuntos Exteriores [francés] Hubert Védrine (véase el vídeo), sino a-democrática, la de una democracia que se ha desvanecido, la de una democracia que se ha dejado de lado hasta una eventual vuelta a una fortuna mejor.
Nos dicen que serán una verdaderas elecciones legislativas en Grecia dentro de quince semanas las que permitirán devolver la palabra al pueblo, pero mientras tanto ¡se habrá adoptado el plan de austeridad que endeudará al país durante la próxima década! En Italia ni siquiera son seguras estas elecciones anticipadas… Por lo que se refiere a España, el Partido Popular (derecha), seguro de ganar a los socialistas, se ha cuidado sobre todo de exponer el menor programa económico y simplemente ha argumentado que era mejor estar en condiciones de aplicar las recetas europeas.
La Europa de urgencia, a-democrática, es la de los banqueros y de los tecnócratas. Pero una vez que la política ha salido por la puerta, no tenemos duda de que va a apresurarse a volver a entrar por la ventana en su peor forma: la extrema derecha xenófoba y populista. Y es que en cuanto se trata de Europa, tecnócratas y populistas se alimentan unos a otros: la denuncia de los primeros alimenta a los segundos y el miedo a los segundos arroja en los brazos de los primeros.
Librarse de los tecnócratas que son apoderados de los mercados financieros locos; librarse de los populismos extremistas y de los retrocesos de las naciones. Este es finalmente el verdadero reto de esta crisis sin precedentes. Y esto plantea a la vez la cuestión de las responsabilidades pasadas y de los esquemas de futuras reconstrucciones.
Las responsabilidades pasadas Nicolas Sarkozy las ha identificado claramente: son las de sus predecesores, con Lionel Jospin y Jacques Chirac a la cabeza. Lo volvió a repetir el martes con ocasión de un viaje a Estrasburgo. Grecia no hubiera debido integrarse en la zona euro; el euro se hizo sin ninguna herramienta de coordinación de las políticas económicas (la famosa gobernanza económica), sin integración o armonización de las políticas de los Estados y de las dos primeras economías europeas, Alemania y Francia.
El jefe de Estado se limita a enunciar ahí manidas banalidades. Sí, se conocían las carencias griegas, pero el débil peso de su economía (2% del PIB europeo) debía permitir absorberlas fácilmente (¿acaso no se aceptó a Bulgaria y Rumanía en la Unión Europea sabiendo perfectamente que estos dos países no estaban preparados?).
La crisis actual no es consecuencia de malas decisiones en el momento decisivo de la década de 2000, sino de la gestión irresponsable de la zona euro realizada desde 2008 tanto por Nicolas Sarkozy como por Angela Merkel. En vista de la situación se mide mejor hasta qué punto el “minitratado” de Lisboa, iniciado por los alemanes y promovido por Sarkozy desde su elección en 2007, no ha hecho sino instalar todas las palancas de una crisis política que hoy estalla a plena luz.
Mediapart ha publicado varias investigaciones al respecto ( por ejemplo, ésta ) . ¿Podemos recordar simplemente que desde 2008 Sarkozy y Merkel hubieran podido obligar a Silvio Berlusconi a modificar su política económica? ¿Que nada les impedía pedir a la derecha griega (entonces en el poder) que dejara de amañar las cuentas del país? ¿Que tanto la canciller alemana como el jefe del Estado francés hubiera podido exigir igualmente a los grandes bancos franceses y alemanes que actuaran de otra manera en sus contratos especulativos sobre las deudas de los Estados?
Como no se hizo nada de eso, las tareas de la reconstrucción europea se inician en las peores condiciones. Se mencionan varios escenarios: todos ellos comportan peligros extremos que van desde una posible desintegración de la zona euro o la desmembración de la Unión Europea a una huida hacia adelante federalista y tecnócrata. En este momento ninguno de los escenarios implica nuevas consultas a los ciudadanos europeos ni planea aumentar de nuevo los poderes del Parlamento europeo.
El “gran salto adelante” federalista, tan deseado en Bruselas ( véase aquí nuestro artículo ) sólo podrá hacer el juego de los populismos. Hubert Védrine tiene razón al señalar hasta qué punto este término de federalismo es una “palabra maleta” que contiene todo y su contrario. Se puede deplorar, pero hoy es sobre todo un palabra-espantapájaros para una gran mayoría de los ciudadanos europeos.
Otro peligro es el proyecto claramente expuesto por Nicolas Sarkozy de un núcleo duro europeo en una Unión Europea de 27 miembros. Es el viejo proyecto de un “grupo avanzado”, algunos países que aceleran su integración económica: esto se puede hacer a la escala de la zona euro (17 países), pero también a escala menor, los cinco o siete más cercanos.
Berlín lo desmiente en este memento y París también, pero es una posibilidad que, sin embrago, se ha considerado en el Elíseo y que se expresó en el discurso de Estrasburgo del jefe de Estado. Además, Barroso, presidente de la Comisión Europea, no se equivocó cuando desde el día siguiente en Berlín se declaraba completamente opuesto a una zona euro que dejaría tras de sí y en una Unión Europea desmembrada a los otros diez países miembros de la UE pero no de la zona euro: “Quiero ser claro, es indefendible”, insistió.
Así que puede que haya que leer, con ojos nuevos, la declaración fundadora del 9 de mayo de 1950, la de Robert Schuman, que lanzaba el proceso de construcción europea. Y volver a los principios fundadores:
Su primera fase: “La paz mundial no se podrá salvaguardar sin unos esfuerzos creadores a medida de los peligros que la amenazan ”. ¿Toma hoy nuestros dirigentes “la medida” de lo que hay en juego?
Su quinta fase: “Europa no se hará de golpe ni en una construcción de conjunto: se hará por medio de las realizaciones concretas que crean en primer lugar una solidaridad de hecho”. ¿La “solidaridad de hecho” es la que se está aplicando a Grecia y a Italia? ¿Las “realizaciones concretas” lo son en prioridad para los ciudadanos europeos? ( Vease la declaración completa aquí )
Plantear estas preguntas muestra la magnitud del abismo que se ha abierto a los pies de los europeos. Desde 2005 y desde los votos negativos de franceses y neerlandeses, los partidos dominantes de las derechas y de las izquierdas europeas han eludido el debate europeo. Ya no es posible hacer economía, por consiguiente, hay que volver ante los electores de los 27 países miembros y consultarles.
Fuente: http://coeur-a-gauche.over-blog.com/article-europe-l-effacement-de-la-democratie-88614334.html
Este artículo se publicó originalmente en http://www.mediapart.fr/journal/international/111111/europe-l-effacement-de-la-democratie
Mediapart
Traducido del francés para Rebelión por Beatriz Morales Bastos
¿Nos encontramos en un momento crucial histórico, uno de la magnitud de la caída de la URSS (cuyo 20 aniversario se conmemora el mes que viene)? ¿Un momento crucial que sería el desmoronamiento financiero y político de Europa, el final de sesenta años de construcción europea?
Es lo que se constata con la aceleración, desde hace una semana y el fracaso del a cumbre del G-20, de una crisis monetaria que, convertida en una crisis política, acaba de provocar lo que hay que denominar dos golpes de Estado. Georges Papandreu en Grecia, Silvio Berlusconi en Italia no han dimitido debido a derrotas electorales, ni siquiera al voto de censura de sus respectivos parlamentos: estos votos de censura nunca tuvieron lugar, ni en Atenas ni en Roma.
No, ambos hombres, eslabones débiles de la cadena de jefes de gobierno de la zona euro, cayeron derrocados por los mercados y por unos socios europeos bajo presión. Los mercados, es decir, los banqueros y otros establecimientos financieros (fondos de pensión, hedge funds, fondos de inversión, etc.). Sus socios europeos, es decir, Angela Merkel, Nicolas Sarkozy, los dirigentes del banco Central Europero (BCE) y de la Comisión Europea, que afirmaban actuar en nombre de lo que ellos presentan como su deber: aislar el incendio, salvar el euro (y salvarse a sí mismos).
En menos de una semana tres hombres acaban de encarnar y de prestar su rostro a los golpes de Estado de los mercados.
Mario Draghi: este banquero, vicepresidente del banco de negocios Goldmann Sachs-Europa, el cual había ayudado a Grecia a maquillar sus cuentas, y después gobernador del banco de Italia, toma la presidencia del Banco Central Europeo.
Lucas Papademos: este ex dirigente del Banco Central Griego (1994-2002), más tarde vicepresidente del BCE durante ocho años (2002-2010), y que después de desempeñar estos dos cargos no podía ignorar nada de las cuentas falsas griegas, se convierte en primer ministro griego. Su condición: un gobierno de unión nacional que va de la extrema derecha al partido socialista.
Mario Monti: este economista de la derecha liberal, comisario europeo al cargo de la competencia durante diez años (1994-2004) y a este título decidido actor de la desregulación de los mercados europeos, nombrado senador vitalicio, debe convertirse en primer ministro italiano. Su condició: un gobierno de unión nacional que debería ir de la xenófoba y populista Liga Norte al principal partido de oposición de izquierda a Berlusconi, el Partido Demócrata.
Esto no ha acabado. Dentro una semana, para el domingo 20 de noviembre, está programada la muerte (esta vez en las urnas) del gobierno español. Sale el gobierno socialista: bajo la presión de los mercados financieros Zapatero decidió anticipar las elecciones. Lo mismo que en 2010 había hecho en Irlanda Brian Cowen para ser derrotado él también y dimitir.
¿Por qué, entonces, no seguir la curva de estos regímenes caídos o derrocados? Y escribir, por ejemplo, que a principios de enero, cuando las tasas de interés a 10 años sobre la deuda francesa se hayan duplicado (de 3,4% el jueves, superarían el 7%), Nicolas Sarkozy pedirá formar un gobierno de unión nacional.
¿[Por qué no escribir] Que nombrará a su cabeza a un tecnócrata (Jean-Claude Trichet, el cual acaba de abandonar la presidencia del BCE y está disponible…) o un técnico, por ejemplo Michel Pébereau, un ex empleado del Tesoro, que pasó por el gabinete del ministro Monory y hoy es poderoso jefe de BNP-Paribas ?
¿Y que si por ventura la izquierda rechazara este gobierno de unión nacional a pesar de las repetidas presiones de los mercados se vería acusada de la política de lo peor como ya lo fue por haber rechazado la “regla de oro”?
Ciencia ficción estúpida: ¿estamos tan seguros de ello? Desde hace un mes Dominique de Villepin pide un plan de austeridad de al menos 20.000 millones de euros dirigido por un gobierno de unión nacional al que él se uniría enérgicamente. François Bayrou, que se quiere profeta en materia de denuncia de la deuda, blande su concepto de mayoría central, nueva unión nacional del círculo de la razón ( véase nuestra entrevista aquí ). Y no nos quepa duda de que un Jean-Louis Borloo se uniría sin dudar a este dispositivo.
¿Se miden bien las escandalosas denegaciones democráticas que tienen que padecer hoy los ciudadanos griegos e italianos? A diferentes títulos, puesto que no se puede comparar a ambos hombres, Papandreu y Berlusconi pueden encarnar o ser percibidos como unos modelos de hombres incompetentes o corruptos. Pero el primero fue elegido por un amplio margen en 2009 y el segundo también fue elegido por un amplio margen en 2008. Y ahora se les ha quitado de en medio, al margen de cualquier procedimiento democrático, en un pánico europeo provocado por las tasas de interés y las cotizaciones bursátiles.
“Los locos han tomado el control del manicomio”, dice el economista Pierre Larrouturou en una entrevista para Mediapart. Los financieros “que han arruinado a gran cantidad de personas siguen explicándonos lo que se debe hacer… Estoy condenado a leer unos artículos económicos que no comprendo”, se hace eco en una entrevistas a Le Monde e l escritor franco-griego Vassilis Alexakis.
A partir de ahora es inútil hablar de izquierda, de derecha, de paro, de derechos sociales, de redistribución, de revolución fiscal: hay que vigilar los créditos swap, las tendencias de las Bolsas asiáticas y estadounidenses, la cotización de Crédit agricole, de la Société générale et de la Commerzbank, el diferencial franco-alemán, el estado del mercado de obligaciones y después analizar con lupa lo que puede querer decir el último comunicado del BCE que respondía al de la Reserva Federal estadounidense (FED, por sus siglas en inglés) y anticipaba la apertura de los mercados asiáticos. No, no es una broma: el presidente de la República Italiana, Giorgio Napolitano, de 86 años y ex comunista, quiere un nuevo gobierno, a cualquier precio ¡antes del domingo por la noche y la “apertura de los mercados”!
Y así es como nuestras democracias desaparecen ante las fuerzas del mercado, las histerias especuladoras y las crispaciones nacionalistas.
Y es que nuestros dirigentes han dejado hacer. De pronto emerge una Europa de la urgencia, no “postdemocrática”, como escribe y dice el ex ministro de Asuntos Exteriores [francés] Hubert Védrine (véase el vídeo), sino a-democrática, la de una democracia que se ha desvanecido, la de una democracia que se ha dejado de lado hasta una eventual vuelta a una fortuna mejor.
Nos dicen que serán una verdaderas elecciones legislativas en Grecia dentro de quince semanas las que permitirán devolver la palabra al pueblo, pero mientras tanto ¡se habrá adoptado el plan de austeridad que endeudará al país durante la próxima década! En Italia ni siquiera son seguras estas elecciones anticipadas… Por lo que se refiere a España, el Partido Popular (derecha), seguro de ganar a los socialistas, se ha cuidado sobre todo de exponer el menor programa económico y simplemente ha argumentado que era mejor estar en condiciones de aplicar las recetas europeas.
La Europa de urgencia, a-democrática, es la de los banqueros y de los tecnócratas. Pero una vez que la política ha salido por la puerta, no tenemos duda de que va a apresurarse a volver a entrar por la ventana en su peor forma: la extrema derecha xenófoba y populista. Y es que en cuanto se trata de Europa, tecnócratas y populistas se alimentan unos a otros: la denuncia de los primeros alimenta a los segundos y el miedo a los segundos arroja en los brazos de los primeros.
Librarse de los tecnócratas que son apoderados de los mercados financieros locos; librarse de los populismos extremistas y de los retrocesos de las naciones. Este es finalmente el verdadero reto de esta crisis sin precedentes. Y esto plantea a la vez la cuestión de las responsabilidades pasadas y de los esquemas de futuras reconstrucciones.
Las responsabilidades pasadas Nicolas Sarkozy las ha identificado claramente: son las de sus predecesores, con Lionel Jospin y Jacques Chirac a la cabeza. Lo volvió a repetir el martes con ocasión de un viaje a Estrasburgo. Grecia no hubiera debido integrarse en la zona euro; el euro se hizo sin ninguna herramienta de coordinación de las políticas económicas (la famosa gobernanza económica), sin integración o armonización de las políticas de los Estados y de las dos primeras economías europeas, Alemania y Francia.
El jefe de Estado se limita a enunciar ahí manidas banalidades. Sí, se conocían las carencias griegas, pero el débil peso de su economía (2% del PIB europeo) debía permitir absorberlas fácilmente (¿acaso no se aceptó a Bulgaria y Rumanía en la Unión Europea sabiendo perfectamente que estos dos países no estaban preparados?).
La crisis actual no es consecuencia de malas decisiones en el momento decisivo de la década de 2000, sino de la gestión irresponsable de la zona euro realizada desde 2008 tanto por Nicolas Sarkozy como por Angela Merkel. En vista de la situación se mide mejor hasta qué punto el “minitratado” de Lisboa, iniciado por los alemanes y promovido por Sarkozy desde su elección en 2007, no ha hecho sino instalar todas las palancas de una crisis política que hoy estalla a plena luz.
Mediapart ha publicado varias investigaciones al respecto ( por ejemplo, ésta ) . ¿Podemos recordar simplemente que desde 2008 Sarkozy y Merkel hubieran podido obligar a Silvio Berlusconi a modificar su política económica? ¿Que nada les impedía pedir a la derecha griega (entonces en el poder) que dejara de amañar las cuentas del país? ¿Que tanto la canciller alemana como el jefe del Estado francés hubiera podido exigir igualmente a los grandes bancos franceses y alemanes que actuaran de otra manera en sus contratos especulativos sobre las deudas de los Estados?
Como no se hizo nada de eso, las tareas de la reconstrucción europea se inician en las peores condiciones. Se mencionan varios escenarios: todos ellos comportan peligros extremos que van desde una posible desintegración de la zona euro o la desmembración de la Unión Europea a una huida hacia adelante federalista y tecnócrata. En este momento ninguno de los escenarios implica nuevas consultas a los ciudadanos europeos ni planea aumentar de nuevo los poderes del Parlamento europeo.
El “gran salto adelante” federalista, tan deseado en Bruselas ( véase aquí nuestro artículo ) sólo podrá hacer el juego de los populismos. Hubert Védrine tiene razón al señalar hasta qué punto este término de federalismo es una “palabra maleta” que contiene todo y su contrario. Se puede deplorar, pero hoy es sobre todo un palabra-espantapájaros para una gran mayoría de los ciudadanos europeos.
Otro peligro es el proyecto claramente expuesto por Nicolas Sarkozy de un núcleo duro europeo en una Unión Europea de 27 miembros. Es el viejo proyecto de un “grupo avanzado”, algunos países que aceleran su integración económica: esto se puede hacer a la escala de la zona euro (17 países), pero también a escala menor, los cinco o siete más cercanos.
Berlín lo desmiente en este memento y París también, pero es una posibilidad que, sin embrago, se ha considerado en el Elíseo y que se expresó en el discurso de Estrasburgo del jefe de Estado. Además, Barroso, presidente de la Comisión Europea, no se equivocó cuando desde el día siguiente en Berlín se declaraba completamente opuesto a una zona euro que dejaría tras de sí y en una Unión Europea desmembrada a los otros diez países miembros de la UE pero no de la zona euro: “Quiero ser claro, es indefendible”, insistió.
Así que puede que haya que leer, con ojos nuevos, la declaración fundadora del 9 de mayo de 1950, la de Robert Schuman, que lanzaba el proceso de construcción europea. Y volver a los principios fundadores:
Su primera fase: “La paz mundial no se podrá salvaguardar sin unos esfuerzos creadores a medida de los peligros que la amenazan ”. ¿Toma hoy nuestros dirigentes “la medida” de lo que hay en juego?
Su quinta fase: “Europa no se hará de golpe ni en una construcción de conjunto: se hará por medio de las realizaciones concretas que crean en primer lugar una solidaridad de hecho”. ¿La “solidaridad de hecho” es la que se está aplicando a Grecia y a Italia? ¿Las “realizaciones concretas” lo son en prioridad para los ciudadanos europeos? ( Vease la declaración completa aquí )
Plantear estas preguntas muestra la magnitud del abismo que se ha abierto a los pies de los europeos. Desde 2005 y desde los votos negativos de franceses y neerlandeses, los partidos dominantes de las derechas y de las izquierdas europeas han eludido el debate europeo. Ya no es posible hacer economía, por consiguiente, hay que volver ante los electores de los 27 países miembros y consultarles.
Fuente: http://coeur-a-gauche.over-blog.com/article-europe-l-effacement-de-la-democratie-88614334.html
Este artículo se publicó originalmente en http://www.mediapart.fr/journal/international/111111/europe-l-effacement-de-la-democratie
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
Luis Nassif: As análises falaciosas
Por Luis Nassif
Fato 1: Crise de 2008, o governo ordena que os bancos públicos aumentem a oferta de crédito para compensar o estancamento do crédito privado.
O Banco do Brasil turbina suas operações. Imediatamente é alvo de uma saraivada de críticas de analistas econômicos seguindo o pensamento convencional. Segundo eles, a estratégia geraria um festival de inadimplência, cumprometendo a solidez financeira do banco. Quem procurasse ouvir os executivos do BB, recebia informações tranquilizadoras.
Ao final do processo, a carteira de crédito do BB tinha crescido exponencialmente em cima do setor privado, a inadimplência tinha permanecido em níveis baixos e, nos trimestres seguintes, o banco acumulou lucros crescentes.
Nenhum dos analistas foi cobrado por seus erros.
Fato 2: ainda na crise, analistas vociferando nos jornais e na televisão para o brasileiro jogar na retranca, parar de consumir porque a crise era brava. Na outra ponta, Lula conclamando ao consumo para evitar o aprofundamento da crise. Analistas sugerindo aperto fiscal, Lula isentando produtos de impostos e sendo acusado de populista.
No final do processo, o Brasil foi o primeiro país a sair da crise, consagrando definitivamente a gestão de Lula. A opinião pública mundial nem se deu conta de que nos anos anteriores o crescimento foi pífio. Justamente porque Lula se deixou influenciar pelas recomendações do senso comum do mercado.
Nenhum dos analistas foi cobrado por seus erros de análise.
Fato 3: Serra se anuncia candidato do PSDB. Políticos de peso tentam argumentar que Aécio Neves seria o melhor candidato, por ter um índice de rejeição menor e por Serra ter feito um governo pífio em São Paulo, sem nada a mostrar. Mas analistas insistem na tese de que Serra era o mais preparado, que era um gestor re renome. Na campanha, a não ser obras viárias, Serra não tinha o que mostrar. E seu gra de rejeição foi tão grande que, no segundo turno, afastou os eleitores de Marina Silva que poderiam ter somado para sua vitória.
Nenhum dos analistas foi cobrado por seus erros de análise.
Fato 4: surge a notícia do câncer de Lula. Analistas políticos de grandes redes comemoram que a doença zeraria o jogo político. Era óbvio que não. Qualquer tragédia santifica os grandes nomes políticos. Se algo ocorresse com Lula, sua influência seria maior do que a do Padre Cícero no velho nordeste.
Hoje em dia há consenso sobre isso, a ponto da própria The Economist entender o fenômeno do crescimento na tragédia.
Nenhum dos analistas foi cobrado por erros recentes em suas análises.
Esses erros continuados ocorrem porque, há anos, a torcida - política ou econômica - tomou lugar do rigor analítico. Analistas que erraram em praticamente todos os episódios econômicos e políticos relevantes continuam opinando, como se nada tivesse ocorrido, porque, em muitos veículos, a notícia se tornou em instrumento de arma política - não de informação.
Desde os anos 50, a imprensa brasileira tinha seguido o caminho da norte-americana. Cada veículo tem sua opinião, mas não briga com os fatos: tentava-se, com isso, ao menos simular um noticiário isento.
Real ou simulado, essa isenção deixou de frequentar o noticiário dos grandes veículos há tempos.
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/as-analises-falaciosas#more
Fato 1: Crise de 2008, o governo ordena que os bancos públicos aumentem a oferta de crédito para compensar o estancamento do crédito privado.
O Banco do Brasil turbina suas operações. Imediatamente é alvo de uma saraivada de críticas de analistas econômicos seguindo o pensamento convencional. Segundo eles, a estratégia geraria um festival de inadimplência, cumprometendo a solidez financeira do banco. Quem procurasse ouvir os executivos do BB, recebia informações tranquilizadoras.
Ao final do processo, a carteira de crédito do BB tinha crescido exponencialmente em cima do setor privado, a inadimplência tinha permanecido em níveis baixos e, nos trimestres seguintes, o banco acumulou lucros crescentes.
Nenhum dos analistas foi cobrado por seus erros.
Fato 2: ainda na crise, analistas vociferando nos jornais e na televisão para o brasileiro jogar na retranca, parar de consumir porque a crise era brava. Na outra ponta, Lula conclamando ao consumo para evitar o aprofundamento da crise. Analistas sugerindo aperto fiscal, Lula isentando produtos de impostos e sendo acusado de populista.
No final do processo, o Brasil foi o primeiro país a sair da crise, consagrando definitivamente a gestão de Lula. A opinião pública mundial nem se deu conta de que nos anos anteriores o crescimento foi pífio. Justamente porque Lula se deixou influenciar pelas recomendações do senso comum do mercado.
Nenhum dos analistas foi cobrado por seus erros de análise.
Fato 3: Serra se anuncia candidato do PSDB. Políticos de peso tentam argumentar que Aécio Neves seria o melhor candidato, por ter um índice de rejeição menor e por Serra ter feito um governo pífio em São Paulo, sem nada a mostrar. Mas analistas insistem na tese de que Serra era o mais preparado, que era um gestor re renome. Na campanha, a não ser obras viárias, Serra não tinha o que mostrar. E seu gra de rejeição foi tão grande que, no segundo turno, afastou os eleitores de Marina Silva que poderiam ter somado para sua vitória.
Nenhum dos analistas foi cobrado por seus erros de análise.
Fato 4: surge a notícia do câncer de Lula. Analistas políticos de grandes redes comemoram que a doença zeraria o jogo político. Era óbvio que não. Qualquer tragédia santifica os grandes nomes políticos. Se algo ocorresse com Lula, sua influência seria maior do que a do Padre Cícero no velho nordeste.
Hoje em dia há consenso sobre isso, a ponto da própria The Economist entender o fenômeno do crescimento na tragédia.
Nenhum dos analistas foi cobrado por erros recentes em suas análises.
Esses erros continuados ocorrem porque, há anos, a torcida - política ou econômica - tomou lugar do rigor analítico. Analistas que erraram em praticamente todos os episódios econômicos e políticos relevantes continuam opinando, como se nada tivesse ocorrido, porque, em muitos veículos, a notícia se tornou em instrumento de arma política - não de informação.
Desde os anos 50, a imprensa brasileira tinha seguido o caminho da norte-americana. Cada veículo tem sua opinião, mas não briga com os fatos: tentava-se, com isso, ao menos simular um noticiário isento.
Real ou simulado, essa isenção deixou de frequentar o noticiário dos grandes veículos há tempos.
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/as-analises-falaciosas#more
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
John Kozy: A depravação da América
A cultura dos Estados Unidos foi inundada por um tsunami de mentiras. O marketing se tornou a atividade predominante da cultura. É uma coisa seguida por pessoas de negócios, políticos e pela mídia. O dinheiro é tudo o que importa. Foi-se o tempo em que a ética protestante definia o caráter dos EUA. Ela foi usada pelos sociólogos como fator responsável pelo sucesso do capitalismo na Europa do Norte e nos EUA, mas a ética protestante e o capitalismo se tornaram incompatíveis. A “América” está se tornando uma região de depravação raramente superada pelas piores nações da história. O artigo é de John Kozy.
por John Kozy, em Global Research, via Carta Maior
Foi-se o tempo em que a ética protestante definia o caráter dos Estados Unidos. Ela foi usada como fator responsável pelo sucesso do capitalismo na Europa do Norte e na América, pelos sociólogos, mas a ética protestante e o capitalismo são incompatíveis, e o capitalismo, em última análise, faz com que a ética protestante seja abandonada.
Há um novo ethos que emergiu, e as elites governamentais não o entendem. Trata-se do ethos da “grande oportunidade”, do “prêmio”, da “próxima grande ideia”. A marcha lenta e deliberada em direção ao sucesso é hoje uma condenação do destino. Junto à próxima grande ideia comercial está o novo modelo do “sonho americano”. Tudo o que importa é o dinheiro. Dada essa atitude, poucos na América expressam preocupações morais. A riqueza é só o que se tem em vista; vale inclusive nos destruir para alcançá-la. E se não chegamos lá ainda, certamente em breve chegaremos.
Eu suspeito que a maior parte das pessoas gostaria de acreditar que sociedades, não importa as bases de suas origens, tornam-se melhores com o tempo. Infelizmente a história desmente essa noção; frequentemente as sociedades se tornam piores com o tempo. Os Estados Unidos da América não é exceção. O país não foi benigno em sua origem e agora declina, tornando-se uma região de depravação raramente superada pelas piores nações da história.
Embora seja impossível encontrar números que provem que a moralidade na América declinou, evidências cotidianas estão onde quer que se veja. Quase todo mundo pode citar situações nas quais o bem estar das pessoas foi sacrificado pelo bem das instituições públicas ou privadas, mas parece impossível citar um só exemplo de instituição pública ou privada que tenha sido sacrificada em nome do povo.
Se a moralidade tem a ver com o modo como as pessoas são tratadas, pode-se perguntar legitimamente onde a moralidade desempenha um papel no que está se passando nos EUA? A resposta parece ser: “Em lugar nenhum!” Então, o que tem aconteceu nos EUA para se ter a atual epidemia de afirmações de que a moralidade na América colapsou?
Bem, a cultura mudou drasticamente nos últimos cinquenta anos. Foi isso o que aconteceu. Houve um tempo em que a “América”, o “caráter americano”, era definido em termos do que se chamava de Ética Protestante. O sociólogo Max Weber atribuiu o sucesso do capitalismo a isso. Infelizmente, Max foi negligente; ele estava errado, completamente errado. O capitalismo e a ética protestante são inconsistentes entre si. Nenhum dos dois pode ser responsável pelo outro.
A ética protestante (ou puritana) está baseada na noção de que o trabalho duro e a ascese são duas consequências importantes para ser eleito pela graça da cristandade. Se uma pessoa trabalha duro e é frugal, ele ou ela é considerado como digno de ser salvo. Esses atributos benéficos, acreditava-se, fizeram dos estadunidenses o povo mais trabalhador do que os de quaisquer outras sociedades (mesmo que as sociedades protestantes europeias fossem consideradas parecidas e as católicas do sul da Europa fossem consideradas preguiçosas).
Alguns de nós afirmam agora que estamos testemunhando o declínio e a queda da ética protestante nas sociedades ocidentais. Como a ética protestante tem uma raiz religiosa, o declínio é frequentemente atribuído a um crescimento do secularismo. Mas isto seria mais facilmente verificável na Europa do que na América, onde o fundamentalismo protestante ainda tem muitos seguidores. Então deve haver alguma outra explicação para o declínio. Mesmo que o crescimento do secularismo tenha levado muita gente a dizer que ele destruiu os valores religiosos juntamente aos valores morais que a religião ensina, há uma outra explicação.
No século XVII, a economia colonial da América era agrária. Trabalho duro e ascese combinam perfeitamente com essa economia. Mas a América não é mais agrária. A economia dos EUA hoje é definida como capitalismo industrial. Economias agrárias raramente produzem mais do que é consumido, mas economias industriais o fazem diariamente. Assim, para se manter a economia industrial funcionando, o consumo deve não apenas ser contínuo, como continuamente crescente.
Eu duvido que haja um leitor que não tenha escutado que 70% da economia dos EUA resulta do consumo. Mas 70% de um é 0,7, ou de dois é 1,4, de três, 2,1, etc. À medida que economia cresce de um a dois pontos do PIB, o consumo deve crescer de 0,7 para 1,4 pontos. Mas o aumento crescente do consumo não é compatível com a ascese. Uma economia industrial requer gente para gastar e gastar, enquanto a ascese requer gente para economizar e economizar. A economia americana destruiu a ética protestante e as perspectivas religiosas nas quais foi fundada. O consumo conspícuo substituiu o trabalho duro e a poupança.
No seu A Riqueza das Nações, Adam Smith afirma que o capitalismo beneficia a todos, desde que cada um aja em benefício dos outros. Agora estão nos dizendo que “economizar mais e cortar gastos pode ser um bom plano para lidar com a recessão. Mas se todo mundo proceder assim isso só vai tornar as coisas piores….aquilo de que a economia mais precisa é de consumidores gastando livremente”. A grande recessão atingiu Adam Smith na sua cabeça, mas o economista admitiria isso. “Um ambiente em que todos e cada um quer economizar não pode levar ao crescimento. A produção necessita ser vendida e para isso você precisa de consumidores”.
Poupar é (presumivelmente) bom para indivíduos, mas ruim para a economia, a qual requer gasto contínuo crescente. Se um economista tivesse dito isso na minha frente, eu teria lhe dito que isso significa claramente que há algo fundamentalmente errado com a natureza da economia, que isso significa que a economia não existe para prover as necessidades das pessoas, mas que as pessoas existem apenas para satisfazer as necessidades da economia. Embora não pareça isso, uma economia assim escraviza o povo a quem diz servir. Então, de fato, o capitalismo industrial perpetrou a escravidão; ele tem reescravizado aqueles que um dia emancipou.
Quando o consumo substituiu a poupança na psique americana, o resto de moralidade afundou junto na depravação. A necessidade de vender requer marketing, o que nada mais é que a mentira das mentiras. Afinal de contas, toda empresa é fundada no que disse o livro de Edward L. Bernays, de 1928: Propaganda. A cultura americana tem sido inundada por um tsunami de mentiras. O marketing se tornou a atividade predominante da cultura. Ninguém pode se isolar disso. É uma coisa seguida por pessoas de negócios, políticos e pela mídia. Ninguém pode ter certeza de estarem lhe contando a verdade a respeito de alguém. Nenhum código moral pode sobreviver numa cultura de desonestidade, e de resto, ninguém pode!
Tendo subvertido a ética protestante, a economia destruiu toda ética que a América um dia promoveu. O país tornou-se uma sociedade sem um etos, uma sociedade sem propósito humano. Os americanos se tornaram cordeiros sacrificáveis para o bem das máquinas. Então, um novo etos emergiu do caos, um etos que a elite governamental desconhece completamente.
Diz-se frequentemente que Washington perdeu o contato com as pessoas que governa, que não entende mais seu próprio povo ou como sua cultura comum funciona. Washington e a elite do país não entendem isso, mas a cultura não valoriza mais o certo sobre o errado ou o trabalho duro e a ascese sobre a preguiça e a extravagância. Hoje os americanos estão buscando a “grande oportunidade”, o “prêmio”, a “próxima grande ideia”. O Sonho Americano foi hoje reduzido ao “acertar em cheio!”. A longa e deliberada estrada para o sucesso é uma condenação. Vejam American Idol, The X-Factor e America’s Got Talent e testemunhe a horda que se apresenta para os auditórios. Essas pessoas, em sua maior parte, não trabalharam duro em nada na vida. Contem o número de pessoas que regularmente apostam na loteria. Esse tipo de aposta não requer trabalho algum. Tudo o que essas pessoas querem é acertar em cheio. E quem é nosso homem de negócios mais exaltado? O empreendedor!
Empreendedores são, na sua maior parte, fogo de palha, mesmo que haja exceções notáveis. O problema com o empreendedorismo, no entanto, é a alta conta em que passou a ser tomado. Mas o único valor ligado a ele é a quantidade de dinheiro que os empreendedores têm feito. Raramente ouvimos alguma coisa a respeito do modo nefasto como esse dinheiro foi feito. Bill Gates e Mark Zuckerberg, por exemplo, dificilmente representam imagens de pessoas com moralidade exemplar, mas na economia sem escrúpulos morais, ninguém se importa; tudo o que importa é o dinheiro.
Dada essa atitude, por que alguém, nessa sociedade, expressaria preocupações morais? Poucos na América o fazem. Assim, enquanto a elite americana fala na necessidade de produzir força de trabalho sustentável para as necessidades de sua indústria, as pessoas não querem nada disso.
A elite frequentemente lastima a falência do sistema educacional americano e tem tentado melhorá-lo sem sucesso, por várias décadas. Mas se alguém presta atenção no atual estado de coisas na América, vê que a maior parte dos empreendedores de sucesso são pessoas que abandonaram faculdades. Como se pode convencer a juventude de que a educação universitária é um empreendimento que vale a pena? Assim como Bill Gates, Steve Jobs e Mark Zuckerberg mostraram, aprender a desenhar um software não requer graduação universitária. Nem ganhar na loteria ou vencer o American Idol. Fazer parte da Liga Nacional de Futebol pode requerer algum tempo na universidade, mas não a graduação. Todo o empreendedorismo requer uma nova ideia mercantil.
Entretenimento e esportes, loterias e programas de jogos e disputas, produtos de consumo de que as pessoas não tiveram necessidade por milhões de anos são agora as coisas que formam a cultura americana. Mas não são coisas, são lixo; não podem formar a base de uma sociedade humana estável e próspera. Esta é uma cultura governada meramente por um atributo: a riqueza, bem ou mal havida!
A capacidade humana de autoengano é sem limites. Os estadunidenses vêm se enganando com a crença de que a riqueza agregada, a soma total de riquezas, em vez de como ela é distribuída, dá certo. Não importa como foi obtida ou o que foi feito para se obter tal riqueza. A riqueza agregada é a única coisa que se tem em vista; é algo pelo que vale à pena destruir a nós mesmos. E mesmo que não o tenhamos alcançado ainda, em breve certamente o conseguiremos.
A história descreve muitas nações que se tornaram depravadas. Nenhuma delas jamais se reformou. Nenhum garoto bonito pode ser convocado para desfazer a catástrofe do Toque de Midas. O dinheiro, afinal de contas, não é uma coisa de que os humanos precisem para sobreviver, e se o dinheiro não é usado para produzir e distribuir as coisas necessárias, a sobrevivência humana é impossível, não importa o quanto de riqueza seja agregada ou acumulada.
John Kozy é professor aposentado de filosofia e lógica que escreve sobre assuntos econômicos, sociais e políticos. Depois de ter servido na Guerra da Coréia, passou 20 anos como professor universitário e outros 20 trabalhando como escritor. Publicou um livro de lógica formal, artigo acadêmicos. Sua página pessoal é http://www.jkozy.com onde pode ser contatado.
Tradução: Katarina Peixoto
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