Por Edson Osvaldo Melo
A vida pacata e bucólica nas ruas entorno da sede da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, no bairro Santa Cândida, distante cerca de 10 quilômetros do centro da capital paranaense, já não é mais a mesma. O motivo? A chegada do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva na noite de sábado (7).
A Frente Brasil Popular, formada por militantes do Partido dos Trabalhadores (PT), PC do B, PCO, PSOL, entre outros; sindicalistas da CUT, Contag, Força Sindical, Fup e outras; integrantes de movimentos sociais como o MST, CMP, MAB, LGBT - vindos de 12 estados do Brasil - acampou nas ruas próximas ao edifício da PF construído e inaugurado durante a gestão petista.
Acampamento Lula Livre em Curitiba
A princípio, o "Acampamento da Vigília Democrática Lula Livre", como é chamado oficialmente, era para ficar em frente ao portão principal da PF. Mas uma ação truculenta - e sem prévio aviso - iniciada por agentes da polícia federal e continuada pela Polícia Militar paranaense no momento em que o helicóptero com Lula descia no heliponto do edifício, atingiu os militantes com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, forçando-os a recuar cerca de uma quadra.
Mais de dez feridos fizeram boletim de ocorrência na Polícia Civil seguido de exame no Instituto Médico Legal (IML) na madrugada de domingo (8) denunciando a ação violenta e desnecessária dos policiais contra os manifestantes a favor de Lula.
Detalhe significativo: nenhum tiro foi disparado pela mesma PF ou PM na direção dos manifestantes de direita que comemoravam a chegada de Lula à Curitiba, estes sim, soltando rojões e fogos de artifício perigosamente em direção ao helicóptero e também na direção dos manifestantes contrários.
Mexeu com o formigueiro
A ação dos policiais contra os militantes na chegada de Lula foi como pisar num formigueiro: só fez aumentar a quantidade de pessoas indignadas que embarcaram para participar do acampamento em Curitiba. Até a noite de sexta-feira (13) 7 mil pessoas circularam pelo local, segundo os organizadores.
O músico José Marco Esteves de Luna, 62 anos, veio de Guarulhos (SP) para marcar presença. Nascido em Pernambuco, toca zabumba num trio nordestino que atua na capital paulista. Militante do PT, ele segue o principal mandamento dos acampados em torno da PF curitibana: "estamos aqui para pressionar a Justiça. Queremos Lula livre".
José Marco Esteves de Luna
A indignação também traz pessoas da própria capital paranaense até o acampamento. É o caso do espanhol Honório Delgado Rúbio, oriundo da região de La Mancha, radicado desde 1956 no Brasil. Com 93 anos, ele circula entre os acampados com o seu livro de memórias com a autoridade de quem foi preso político durante a ditadura militar brasileira. "O processo judicial contra Lula foi uma montagem. Está cheio de diz que diz. O Moro está a serviço de alguém. De forças ocultas", afirma Rúbio.
Honório Delgado Rúbio
A gaúcha Lorena Holzmann, 75 anos, desembarcou sozinha na manhã de sexta (13) em Curitiba. Professora universitária, veio engrossar as fileiras a favor da libertação de Lula. "Este é o verdadeiro Brasil, capaz de coisas emocionantes. Não tenho palavras para descrever o acampamento", disse. Lorena conta que foi uma das fundadoras do PT de Porto Alegre e que hospedou várias vezes Lula em sua casa.
Lorena Holzmann
Fake news
Paralelamente ao dia a dia das manifestações dos acampados em torno da PF, acontece um fenômeno que já está se tornando rotina nas redes sociais. É a guerra da contra-informação, a veiculação de falsas notícias, falsos depoimentos, para desconstruir a imagem da mobilização em prol da libertação do ex-presidente Lula.
Inúmeras gravações de supostos moradores do bairro onde se encontra o acampamento circulam em grupos do whatsapp. Elas dão conta que os acampados vivem de forma desregrada, sem cuidados com a limpeza e higiene pessoal, acumulando lixo nas ruas e até mesmo desdenhando da qualidade da comida que fazem para si e para os visitantes.
Na verdade, o acampamento conta com equipes ("brigadas") com funções específicas que cuidam da saúde, limpeza, alimentação, segurança e comunicação, entre outras. Banheiros químicos foram instalados (com a devida manutenção realizada todas as manhãs) desmentindo a principal "fake news": a de que os militantes estão sujando os muros e as calçadas das residências.
Banheiros químicos estão à disposição
Regras claras e bem definidas são praticadas rigorosamente: é proibido o porte e consumo de bebidas alcoólicas; desrespeitar a lei do silêncio entre as 22h até as 7h da manhã seguinte; e - a mais importante - interferir na vida privada dos moradores locais. "Nós estamos aqui contra a injustiça de uma condenação sem provas. Não temos nada contra os moradores deste bairro", confirma um militante.
Limpeza é feita várias vezes ao dia
Convivência
A convivência entre as partes varia conforme posição política ou humor de cada morador. Enquanto uns oferecem acesso à energia elétrica e até mesmo à água potável aos acampados, outros pedem a retirada de barracas instaladas na calçada em frente de casa para poder cortar a grama ou reclamam do barulho durante o dia. Um morador colocou a bandeira do Brasil na fachada de sua casa, para marcar presença contrária ao acampamento.
A moradora Érica Weingartner, 74 anos, por sua vez, perdeu a paciência e apontou a mangueira de água que estava regando seu jardim em direção aos acampados em frente à sua residência. Foi o início de uma confusão logo resolvida com a presença de pessoas do deixa disso. "Acho ridículo estarem aqui para soltar o Lula", reclama dona Érica. "Não sei até onde vai isso. Vivemos como cachorro preso dentro de casa, com medo desse povo".
Érica Weingartner
Já o comerciante aposentado Sebastião Simioni, 84 anos, conta que em nenhum momento teve problema com os acampados. "Pedi com jeito para retirarem as barracas instaladas na calçada em frente de casa e fui atendido sem problemas. Converso numa boa. Quem sou eu para brigar com eles?", disse. Sebastião cobra da justiça: "O Aécio, o Alckmin, o Temer e tantos outros ainda estão por aí soltos..."
Sebastião Simioni
Programação
A rotina dos acampados e de seus visitantes segue uma programação elaborada diariamente pelos organizadores. Visitas de personalidades, políticos com mandatos e até mesmo uma delegação do Uruguai já passou pelas ruas ocupadas pelos ativistas. Diariamente, as 9 horas em ponto, acontece o grito "Bom dia, presidente Lula!". O tempo segue com várias apresentações artísticas, falas de lideranças e reuniões de avaliação.
Jovens acampados em ação
Há uma barraca especialmente montada para coletar cartas dos visitantes endereçada ao ex-presidente Lula. O jornalista e escritor paranaense Luiz Manfredini marcou presença. O PT organizou a coleta e se encarrega de fazer chegar até ao destinatário as centenas de cartas que surgem a cada momento.
Luiz Manfredini
Já passaram pelo acampamento, entre outros, os governadores do Nordeste, os senadores Lindberg Farias, Gleisi Hoffmann, Roberto Requião, as deputadas Manuela D'Ávila e Maria do Rosário, os ex-ministros Jaques Wagner, Fernando Haddad e Eleonora Menicucci. A filha do cantor Gilberto Gil, Bela Gil, visitou vizinhos do acampamento e entregou cestas básicas com produtos orgânicos produzidos pelos trabalhadores Sem Terra.
Bela Gil entregou cestas básicas com produtos orgânicos
Também ocorreu e está ocorrendo a visita frequente de moradores da capital e região metropolitana, muitos trazendo donativos para o acampamento, como água mineral, alimentos, material de limpeza, roupas, agasalhos, lonas, colchonetes e cobertores.
Moradores de Curitiba fazem doações
Na noite de sexta-feira (13), aconteceu a cerimônia de desejar boa noite ao ex-presidente. Os acampados e os visitantes acenderam velas, lanternas e seus celulares em vigília pela soltura de Lula.
Vigília iluminada pede Lula livre
Ameaça
Paralelamente a tudo isso, uma guerra de bastidores está sendo travada na justiça local entre o prefeito de Curitiba Rafael Greca (PMN) e os advogados que defendem o acampamento. Desde o primeiro dia da mobilização Greca tenta impedir a presença dos militantes ao redor da PF, por meio de uma ação de interdito proibitório na justiça pedindo a desocupação das ruas.
Na manhã de sábado (14) chegou o informe que um juiz local estipulou a multa de R$ 500 mil por dia que o acampamento continuar instalado. "A decisão é totalmente desproporcional e desequilibrada. Um absurdo jurídico. Trata-se de tentar cercear o livre direito a manifestação", afirmou o presidente do PT no Paraná, Dr. Rosinha.
"É mais uma atitude antidemocrática na escalada autoritária e conservadora que tomou conta do país desde 2014, quando os que perderam as eleições deram início ao caos institucional e a onda de intolerância e ódio contra quem defende direitos sociais e trabalhistas", afirmou o presidente da CUT, Vagner Freitas. "É a justiça aproveitando a baderna em que o golpe jogou o Brasil para fazer política, tentar interferir no processo eleitoral criminalizando os movimentos populares e sindical e partidos progressistas", completou Freitas.
Para o advogado e ex-ministro Eugênio Aragão "a decisão é claramente inconstitucional e arbitrária. O PT e a CUT vão tomar todas as medidas jurídicas para garantir o livre direito a manifestação". Aragão vai representar o PT e os movimentos sociais junto à justiça paranaense.
"O presidente foi preso de forma injusta em um processo viciado e cheio de falhas. Lula é preso político. Lidera todas as pesquisas de intenção de voto. É mais um escândalo na vergonhosa escalada de perseguição contra o ex-presidente", concluiu a presidenta do PT Gleisi Hoffmann.
fim